* Por Carlos Lima Costa
Ajudar os necessitados é dever do Estado, mas cansamos de ver governantes não cumprirem com esse princípio básico. Por outro lado, em muitos casos, quem estende a mão é alguém sem cargo público. No momento, vemos o Movimento Rocinha Passa Fome, do sommelier premiado Dionísio Chaves, ex-morador dessa comunidade, visando combater a fome de quem mais precisa e que para tanto lançou campanha para conseguir doar até a Páscoa mil cestas básicas no valor de R$ 50,00 reais cada, para moradores da maior favela da América Latina. “Isso me dá a sensação de ser útil. Com a consciência tranquila, ajudar fazendo a minha parte. O meu objetivo é somente esse, olhar para o próximo”, pontua.
Dionísio vem tentando buscar engajamento das pessoas para esse trabalho social depois de ter a ideia ao encontrar um velho conhecido da Rocinha. Aí começou a formatar os detalhes de como agir. Com ajuda de Wallace Pereira, ex-presidente da Associação de Moradores da Rocinha, eles já estão com 899 pessoas cadastradas nas áreas mais carentes da comunidade: Roupa Suja, Vila Verde e Roça. As dificuldades aumentaram por conta da pandemia da Covid-19. Segundo levantamento nacional da Cufa (Central Única das Favelas), 68% dos moradores, de 76 favelas no país, estão sem poder comprar comida por falta de dinheiro.
As cestas vão ser compostas por alimentos como feijão, arroz, óleo, farinha, sardinha, gelatina, biscoito recheado. “Traçamos uma meta de mil cestas, mas por que não duas mil, dez mil. Vamos melhorar o que pudermos. Imagina se conseguirmos atrair mais pessoas para ajudar. Se cada pessoa bem sucedida doar 10, 20 ou 30 cestas básicas, teremos pessoas muito bem alimentadas”, sonha.
Para a distribuição das cestas, dia primeiro de abril, na sede da Acadêmicos da Rocinha, por questões relacionadas a pandemia estão marcando horário para as entregas. Ele quer evitar que ocorram aglomerações. As cestas vão acompanhadas de máscaras e álcool em gel.
A iniciativa de Dionísio tem encontrado parceiros como o fotógrafo e autor Eurivaldo Neves Bezerra. Para arrecadar fundos, ele doou um quadro que mostra o Cristo Redentor abraçando a favela, batizado como Dionisio 1, série dedicada as comunidades cariocas, e que será leiloado no site do Instituto Bees Of Love, fundado por Georgia Buffara, no próximo dia 3, com lance mínimo de R$ 5 mil reais.
Desde sempre teve esse lado altruísta. A primeira vez que Dionísio estendeu a mão para alguém nesse sentido, ele era um adolescente de 13 anos. “Muitas vezes, ao seu lado, tem alguém que não tem com o que se alimentar. Não dá para a gente comer vendo o outro passar fome, então, levei um amigo para a pastelaria e paguei para ele um pastel com caldo de cana”, lembra.
Esse posicionamento firme em ajudar o semelhante veio das observações do comportamento de sua mãe, Rita Pinto Chaves. Natural de Fortaleza, no Ceará, Dionísio, veio para o Rio, aos dois anos de idade, quando os pais se separaram. Com a mãe e as irmãs Marilene e Aurilene, foi morar na Rocinha, na casa da avó. A mãe trabalhava como faxineira e seu ganho era modesto. “Tinham vizinhos, amigos que não tinham o que comer e minha mãe colocava mais feijão e arroz na panela e dava um prato de comida para essas pessoas. Foi assistindo essa generosidade da parte dela que adquiri esse jeito também. Às vezes, vemos alguém com dinheiro que olha para o lado e não age, aí vemos aquela pessoa que está com o dinheiro contado, mas tem atitude. No mundo, a gente precisa é de mais pessoas com atitudes”, reflete. Ele já fez outros movimentos, buscando doações de brinquedos e biscoitos para creche na Rocinha.
Ele analisa também que muitas vezes as pessoas deixam de ajudar por conta de tanta fake news. “As pessoas ficam desconfiadas. Então, quando tem pessoas próximas, gera confiança para quem quer doar ou organizar doações”, acredita.
Dionísio sempre teve um lado empreendedor. Por isso e por todos os esforços da mãe, nunca passou fome. “Felizmente, não passei por isso, mas é claro que tinha limitações, não podia sair para comer uma pizza ou ir a um fast food. Mas sempre trabalhei bastante. Com oito anos, eu vendia picolé na praia, doce na feira, ía ganhando meu dinheiro”, conta Dionísio, deixando claro que seu Movimento tem zero envolvimento político. “Falta alinhamento entre os líderes que tem o poder de gerir os cidadãos”, acredita.
Até certo ponto, sua passagem na Rocinha foi tranquila. “Mas, claro, cheguei a me deparar com gente armada, tiroteio, tive que me esconder, buscar abrigo, tinha 12, 14 anos, mas não foi passagem traumática”, conta.
Aos 18 anos, foi trabalhar como garçom, aos 21 começou a estudar sobre vinho para se tornar sommelier. Quando a vida começou a melhorar, ele conseguiu dar entrada em um apartamento e deixou a Rocinha aos 22 anos. Seu conhecimento chamou atenção de Chico Mascarenhas, do Guimas, do Fashion Mall. Aí foi fazer o curso da ABPR (Associação Brasileira de Proprietários de Restaurantes). O esforço foi sendo reconhecido. Foi eleito campeão brasileiro entre os sommeliers em 1999 e 2002, além de campeão da América do Sul, em 2004, entre outras conquistas.
Atualmente, trabalha como consultor de vinhos do supermercado Zona Sul, onde é responsável pela escolha dos vinhos e pelo treinamento da equipe que cuida dessa parte. Ele já teve cinco restaurantes. O primeiro, foi na Serra, em 2002, mas no final de 2019 tomou a decisão de sair do Rio por conta da crise. Entre eles, estava o Gusto, no Leblon, e o Olivo, no Jardim Oceânico, Barra da Tijuca. “Sempre tive esse lado empreendedor”, reafirma, contando que comprou restaurante para a mãe na primeira rua da Rocinha, o Bar da Dona Rita.
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