Aposto que você já ouviu falar em bolinho de feijoada, né? Pois bem, fomos atrás de Katia Barbosa, autora da receita, descobrir as histórias por trás desse petisco tipicamente carioca. Em entrevista ao HT durante o lançamento do livro “Comida de Afeto”, no qual ela é uma das personagens, a chef carioca nos contou que o famoso bolinho vem das memórias de uma outra receita que seu pai fazia. “O meu pai, que era nordestino, tinha o hábito de amassar o feijão com farinha e arroz na mão para fazer um bolinho, que ele chamava de capitão. Foi baseada nessa lembrança afetiva que eu pensei em fazer esse bolinho de feijoada. E a história é a seguinte: a minha incompetência em fazer feijão como o da minha mãe, que não tinha nada de carne, eram só os caroços com sal e alho, me levou a colocar uma linguicinha e um baconzinho. E aí, quando eu fui fazer o bolinho, ficou com muito gosto de feijoada, e acabou virando essa receita” explicou.
O sucesso do petisco é tão grande, que, pelos restaurantes do Brasil, já são achados diversos bolinhos de feijoada, mesmo não sendo os de Katia. A carioca, que é sócia e responsável pelo cardápio do restaurante Aconchego Carioca, disse que não se importa com o plágio culinário. Pelo contrário. Segundo ela, é motivo de orgulho. “Na verdade, nunca foi muito meu. Ficar prendendo uma receita que não é minha não faz muito sentido. Eu tenho um amigo que diz que o bolinho foi um presente que Deus me emprestou para me tirar da dureza. E é mais ou menos isso. Nada do que a gente tem é, realmente, muito nosso. Então, isso não me incomoda nada. Tenho orgulho de copiarem. Eu não sei quem inventou a empadinha, mas todo mundo sabe quem criou o bolinho de feijoada”, brincou Katia.
Apesar de não se considerar uma chef de cozinha por nunca ter feito um curso de gastronomia, e sim uma “cozinheira que deu certo”, Katia é uma verdadeira defensora da cultura e gastronomia brasileira. Em seu restaurante, que mantém o mesmo cardápio há 15 anos devido ao sucesso indiscutível, a chef serve pratos como baião de dois e bobó de camarão. Nada mais brasileiro, né? Como nos contou, o motivo para essas escolhas, é que, desde pequena, ela sempre quis “ser tradição”. “Eu quero que as pessoas relacionem comidas brasileiras ao Aconchego Carioca. Eu tenho paixão pelo meu país. Eu choro ao falar do Brasil, da minha história e da cultura do meu povo. Isso me emociona muito”, afirmou.
E engana-se quem pensa que cozinhar era uma rotina desde pequena na casa de Katia Barbosa. Segundo ela, quando criança, ela nem podia entrar na cozinha. “Quando eu era menina, minha mãe não deixava eu e meus irmãos ficarmos na cozinha por medo da gente se machucar. Eu aprendi a cozinhar vendo a minha mãe da porta. Eu só podia entrar na cozinha quando meu pai ficava responsável pela comida e levava os todos filhos para ajudar. A memória afetiva que tenho é do meu pai transformando esse cômodo da casa em lugar de brincadeira”, relembrou. Porém, aos 17 anos, Katia se afastou da culinária. Como nos contou, após o trauma da morte do pai, que ocorreu em um dia que ela estava cozinhando para ele, Katia não quis mais saber das panelas. Foi só tempos depois, aos 40 anos, que ela voltou a criar receitas, quando foi trabalhar no Aconchego, que, na época, ainda era só do irmão e da cunhada. “Quando eu tinha uns 43 anos, eu criei o bolinho de feijoada, e foi aí que as coisas começaram a mudar. Nessa época que eu me apaixonei mais pela cozinha, porque a comida tem um pouco disso. Se você não toca, você não liga. Mas, quando começa a trabalhar, curtir e gostar, vira uma paixão”, explicou.
Hoje, além do restaurante conhecido na Praça da Bandeira, no Rio, Katia também tem o Aconchego Leblon, na Zona Sul carioca. Sobre a recente experiência, ela disse que está sendo ótima, diferente de um preconceito inicial que ela tinha com o bairro. “O Leblon foi um trabalho de muito tempo e muitos convites. Eu cheguei ao bairro, pela primeira vez, com o restaurante Comedoria, que era um trabalho diferente do Aconchego. Mas, eu percebi que as pessoas querem os mesmos pratos de sempre e acabei desistindo das inovações. De certa forma, para mim foi ótimo, porque eu dividi um pouco o público. Eu ficava com dó de quem esperava por horas na fila para comer. Eu, inicialmente, confesso que tinha um pouco de preconceito com o que iam achar desse cardápio. Mas lá no restaurante, não tem isso”, disse a chef que se sente muito feliz em ver que as pessoas da Zona Sul entendem a simplicidade da comida brasileira. Segundo ela, esse compreendimento gastronômico não tem nada a ver com status, e sim com o prazer no paladar. “A culinária brasileira ainda é muito jovem, está engatinhando. Eu acho tão bonito ver que o brasileiro entende e respeita a cultura dele, que me faz muito bem. E o Aconchego Carioca do Leblon me dá muita alegria por isso”, completou.
O outro desafio da carreia de Katia, neste momento, é comandar a cozinha do Teatro Rival Petrobras e do restaurante e bar Rivalzinho, que fica ao lado da casa de espetáculos. De acordo com a chef, esse trabalho, cheio de dificuldades em tempos de crise, a enche de prazer. “Quando apareceu a oportunidade da cozinha do Rival, eu não pensei duas vezes. Eu acho que a cultura merece esse meu desafio. Eu vejo diversos teatros fechando para virar igrejas evangélicas, e isso me preocupa muito. Não pelo fato da igreja, mas por deixar de ser um teatro e de traduzir arte e entretenimento”, argumentou.
E, neste momento de cortes de gastos vivido por muitos brasileiros, Katia destaca a criatividade como peça fundamental para se alimentar bem. “O grande barato da cozinha é saber inventar. Eu já fiz moqueca de legumes e galinhada com drumet, que é 1/3 do preço do frango. A dica é: teve vontade? Vai lá e tenta! É um momento difícil para o país, mas se você tiver uma ideia boa e acreditar nela, vá em frente”, sugeriu. Anotaram a dica, leitores?
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