*Por Brunna Condini
Já considerada uma das maiores atrizes de sua geração, Valentina Herszage vive uma história de amor com o cinema. “São 10 filmes em 14 anos de carreira, é namoro sério, quase casamento. O cinema está na minha vida desde cedo, meu pai é cinéfilo, então aos 5 anos eu assistia ‘Hair‘ (1979) do Miloš Forman (1932-2018). Não entendia nada, mas gostava de ver”, conta a atriz, que é a protagonista do aguardado ‘As Polacas‘. No longa, o diretor João Jardim joga luz em uma história apagada no Brasil ao retratar a luta pela liberdade de mulheres judias do Leste Europeu no início do século 20, trazidas para o Brasil sob a promessa de uma vida melhor longe da guerra, mas ao desembarcar aqui acabavam exploradas sexualmente.
Valentina é Rebeca, imigrante polonesa que vem para o Brasil, em 1917, com o filho para reencontrar o marido e nem imagina o que lhe espera. “O cinema tem o poder de levantar debates importantes. Olha o filme ‘Ainda Estou Aqui‘ (que Valentina também faz), quantas pautas têm levantado por aí. O cinema perpetua, não nos deixa esquecer. Falar, lembrar, nos dá a oportunidade de não repetir, de não deixar que coisas terríveis continuem acontecendo. Espero que ‘As Polacas‘ faça o mesmo. Ainda temos 3 milhões de pessoas traficadas por ano e cerca 80% delas são mulheres”, analisa.
A atriz vive um momento próspero na telona: de 2023 para 2024 esteve em cinco filmes. “Fiz ‘Vidro Fumê’; e três filmes sobre a ditadura em diferentes épocas. Porque é isso, esse regime foi tão longo que se fez de muitas fases e algumas são retratadas em ‘O Mensageiro’, da Lúcia Murat; em ‘Ainda Estou Aqui’ do Walter Salles, e em ‘A Batalha da Rua Maria Antônia‘, da Vera Egito que estreia em 2025″, lista Valentina, que, no momento, filma ‘Coisa de Novela’ nova produção do Núcleo de Filmes dos Estúdios Globo. A seguir a atriz fala do desafio em ‘As Polacas‘, dos proxímos projetos, incluindo seu desejo de se experimentar como roteirista no audiovisual, e conta os bastidores do encontro na arte com Fernanda Torres, que faz Eunice Paiva, mãe da sua Veroca de ‘Ainda Estou Aqui‘.
Além da estreia de ‘As Polacas‘, Valentina também pôde vibrar com mais uma nomeação de ‘Ainda Estou Aqui‘: o longa foi indicado ao 30º Critics Choice Awards na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira. Em plena campanha na corrida pelo Oscar, o filme também foi indicado recentemente ao Globo de Ouro 2025 na categoria de Melhor Filme de Língua Não-Inglesa. E na mesma premiação, Fernanda Torres concorre como Melhor Atriz em Filme de Drama. “É muito emocionante fazer parte desse momento histórico do Brasil, vendo as pessoas torcerem tanto por uma produção nossa. É uma alegria sem tamanho. Nosso país está entrando em um processo muito lindo de recuperação cultural. Desejo que esse movimento continue e o cinema é parte fundamental disso”, diz.
E celebra seu encontro com Fernanda: “Na verdade, nos conhecemos em 2019 quando fiz ‘Hebe‘ com a Andréa Beltrão. O filme já havia sido lançado e eu estava em cartaz no teatro com ‘Lazarus‘ (2019) do Felipe Hirsch. A Fernanda assistiu e foi falar comigo dizendo que tinha adorado o meu trabalho, visto ‘Hebe‘. Logo depois me convidou para fazer a série ‘Fim‘, mas convivemos pouco no set porque ela escreveu, mas não dirigiu. Com ‘Ainda estou aqui‘ nossa convivência era diária e incrível. Conversávamos sobre tudo e também ficávamos muito em silêncio, concentradas, fazendo crochê, porque somos crocheteiras, e não fazia sentido levar celulares para esse set”.
A Fernanda é viciante. Ela entra em qualquer conversa, da mais bagaceira à mais intelectual. Então é uma pessoa que a gente quer ter sempre perto – Valentina Herszage
Ela faz e quer escrever para cinema
“Estou filmando agora ‘Coisa de Novela‘. Na trama, interpreto Laura, neta da personagem da Susana Vieira (Tereza), que é outra pessoa viciante (risos). Essa é uma produção em homenagem à Globo que faz 60 anos em 2025. A história é uma graça, sobre uma neta e uma avó que vão parar nos estúdios Globo e exploram esse universo meio mágico das novelas. É um projeto para esse público, uma delícia de fazer”, comenta.
Apesar de viver um momento de paixão pelo cinema, Valentina não descarta voltar às novelas. Ela foi vista pela última vez na TV no remake de ‘Elas por Elas’ (2023). “Adoro. Não tenho nenhuma em vista agora, mas ainda quero fazer muitas. É um gênero que fala alto aos brasileiros. Dei muita sorte de fazer personagens tão diferentes até hoje, na TV, no cinema. Isso tem sido a minha carreira e espero que continue sendo”. E revela um plano para o próximo ano. “Tenho escrito e pretendo colocar meu olhar nos filmes também”.
Quero continuar trabalhando como atriz, mas também realizar meus projetos . Em um primeiro momento, penso em escrever sobre o ofício dos atores no Brasil de hoje. Não podemos esquecer que muitas coisas estão entrando na frente do ofício: a imagem, a vaidade, as redes sociais, o número de seguidores. Me interessa muito falar dessa mudança – Valentina Herszage
As Polacas
Já premiado em festivais internacionais, ‘As Polacas‘ tem como protagonistas Valentina e Caco Ciocler. A atriz, que é bisneta de poloneses, fala da forte experiência de dar voz à vida e à luta dessas mulheres judias trazidas da Europa para o Brasil. “Tenho os meus antepassados e de alguma forma quis honrar também essas pessoas. Acho que uma das funções do cinema é pessoalizar as histórias, ainda mais quando falamos de fatos históricos, principalmente para a minha geração, que é meio ‘descolada’ da história…então, quando damos um rosto, uma vida para essas mulheres, isso gera interesse, afinal são pessoas ali. Os filmes que fiz esse ano tiveram meio essa função”, pontua.
E relembra o processo ao viver Rebecca: “Essa personagem já começou a mexer comigo antes de chegar no set. As cenas foram difíceis desde os testes, mesmo com todo apoio do João, da equipe. É um filme que denuncia a exploração, essa violência contra a mulher, mas queríamos desde o início encontrar ‘respiros’ na narrativa. Então, tem as músicas que canto em iídiche, por exemplo. É muito importante quando falamos de um tema tão denso podermos ‘respirar’ também. Buscamos a poética nisso tudo, para além da união feminina, claro, que é o mais bonito nesse filme. As personagens começam a vencer quando se unem”.
Qual foi o momento mais difícil? “No período de filmagens me protegi não acompanhando as notícias diárias do país. São muitos casos de violência contra a mulher, de feminicídios. Fiquei bem tensa com a cena do primeiro estupro da personagem, depois do leilão em que é posta à venda. Conversei muito com o João sobre isso, tentando entender como seria filmada. E ele deixou claro que não tinha intenção de fazer qualquer tipo de exposição das atrizes, porque seria contra o que o filme queria comunicar. Também tivemos uma coordenadora de intimidade, a Maria Silvia, uma função nova no Brasil, mas super importante. É uma pessoa que te ajuda a esvaziar das tensões e focar. Mas, no dia da cena em questão, por acaso havia visto uma notícia de uma mulher violentada dentro de um hospital. Apesar de toda a importância do trabalho e do aparato ao redor, tive uma crise de choro antes de ir para o set. A Maria Silvia me acalmou e voltei para o propósito de denúncia da cena. Isso mexe com a gente porque é tudo ainda muito atual, sabe? Infelizmente, nós, mulheres, estamos sempre no topo das situações de vulnerabilidade”.
Estamos vulneráveis inclusive em situações profissionais até hoje. Em muitos sets já tive que ter um posicionamento mais firme para que fosse levada a sério. Mas também tenho tido a sorte de trabalhar com bons diretores e muitas diretoras mulheres. No próprio ‘As Polacas‘ a equipe é majoritariamente feminina – Valentina Herszage
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