*Por Brunna Condini
Que Caco Ciocler é um ator extremamente versátil, já constatamos em seus quase 40 anos de carreira. No entanto, sua performance em ‘As Polacas‘ ultrapassa essa skill. No longa, o ator está irreconhecível como Tzvi, um traficante de polonesas judias pobres e dono de um bordel. O drama dirigido por João Jardim denuncia o machismo e dá visibilidade à história silenciada dessas mulheres, que fugiram da fome, da guerra e do antissemitismo, mas encontraram aqui uma nova forma de opressão, ao serem obrigadas a se prostituir para sobreviver. Caco fala do desafio de compor o personagem: “Tive uma crise na criação, porque todos os personagens nascem da gente, e na vida procuro deixar algumas musculaturas emocionais mais relaxadas. Só que ao fazer o Tzvi precisei investigar a minha violência, a minha crueldade. Ao vivê-lo exercitei uma lógica machista para não ficar a violência pela violência. Ele realmente acredita que sem o bordel a vida dessas mulheres seria pior, então acha que elas lhe devem algo. Dentro da sua lógica ‘torta’, essa é a justificativa emocional. Falo isso, não para que sintam compaixão, mas para tridimendicionalizar. Ele não é só o retrato do horror, é algo que precisamos tomar cuidado para não nos tornar”, diz.
Recém-formado em Biologia, o ator avalia o lugar de mais essa profissão na sua vida hoje. “Parece que falo isso da boca para fora, mas é verdade, a Biologia me ajudou a me tornar um ator melhor. Quis estudar a nossa matéria humana de uma forma mais concreta. Voltei a reverenciar a sacralidade do ser humano e isso me ajudou nas minhas composições. Não pretendo deixar de ser ator, mas estou indo muito bem na Biologia, trabalhando em um laboratório da UFRJ. Talvez eu engate uma pós, um doutorado. Como tenho pavor de férias, talvez role (risos). Não consigo ficar parado e estou adorando a área”.
O ator também aguarda a estreia de ‘Overman: O Filme‘, previsto para 2025 e protagonizado por ele. O longa é livremente baseado no personagem da história em quadrinhos criado pela cartunista Laerte Coutinho em 1998. E revela ainda que a cinebiografia de Sidney Magal, ‘O Meu Sangue Ferve por Você‘ (Caco faz o empresário do cantor) virou série na Disney+. “O filme foi dividido em quatro episódios e, além disso, vai ter material de making of com Magal, os atores, os bastidores”, diz sobre a produção disponível desde segunda-feira (dia 6)”.
Sobre a atualidade dos temas abordados em ‘As Polacas‘ como o machismo, a violência contra mulher e o tráfico humano, ele frisa:
O filme aponta o grande problema dos machistas. Acreditam ter direito sobre os corpos femininos. Direito de serem violentos porque sua masculinidade foi arranhada em algum lugar. Quis explicitar isso com este personagem. Se fosse só a figura do ‘monstro’ , talvez ficasse muito distante da realidade, e essa distância não existe. Este deve ser um exercício diário para todos nós, homens, para não haver equívoco de raciocínio que justifique uma violência contra a mulher – Caco Ciocler
Tradição familiar
Você vive sobre os preceitos do judaísmo, mas não vive a parte religiosa, é isso? “O judaísmo é algo difícil de explicar porque não se resume a uma religião. Conheço muitos judeus ateus, e judeus que não fazem absolutamente nada da tradição e são extremamente judeus. Fui criado dentro de um clube judaico, mas só ia para a sinagoga nas principais festas. Fazia várias atividades, dança folclórica judaica, teatro. Posso dizer que culturalmente sou muito judeu, existe uma tradição ancestral em que fui criado, mas não sou religioso. Têm duas celebrações mais importantes, que é o Dia do Jejum, o Yom Kippur, e o Pessach, quando comemoramos a saída do povo judeu do Egito, que faço mais pela tradição, porque via meu avô fazendo, uma figura que eu amava”.
Tabu
No judaísmo a prostituição é uma espécie de pecado, então as mulheres polonesas que chegaram ao Rio de Janeiro, no início do século 19, fugidas da Primeira Guerra, eram chamadas de maneira pejorativa de ‘polacas’. Eram renegadas até mesmo dentro da própria comunidade, tanto, que muitas foram enterradas como indigentes, até que um movimento entre elas fosse criado (a Sociedade da Verdade) para que tivessem alguma dignidade nesse sentido e um cemitério próprio. Sobre o tabu do tema ao longo da história, ele observa:
Mexeu comigo denunciar a violência e perserguição que essas mulheres judias sofreram. Mas denunciar que entre os abusadores, exploradores, estavam judeus também, é difícil. Por várias razões. A maneira que o judaísmo foi ensinado a mim foi sempre sob a ótica da ética. Então é difícil encarar pessoas que compartilham da mesma tradição e optam pela não-ética. Também fomos ensinados a não falar muito das coisas ruins, porque fomos um povo ao longo da História muito perseguido. Por isso, acredito que para romper com o antissemitismo é preciso parar de achar que determinado povo, cultura, sejam um bloco. A comunidade judáica é como qualquer outra, tem dentro dela pessoas boas e pessoas ruins, equivocadas, radicais. Nenhum grupo é uma coisa só. Precisamos falar sobre isso também – Caco Ciocler
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