*por Vitor Antunes
Com o retorno de “Tieta” ao Vale a Pena Ver de Novo, na Globo, um aspecto chama atenção: a novela, ambientada na fictícia cidade de Santana do Agreste, no litoral baiano, quase não apresenta personagens negros. Essa ausência contrasta com a realidade da Bahia, um estado majoritariamente negro. Junto ao Rio de Janeiro, a Bahia é um dos estados com maior proporção de negros e pardos no Brasil. Em 2022, conforme dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), 80,8% da população baiana se autodeclararam pretos ou pardos, o maior percentual entre os estados brasileiros, superando a média nacional (55,9%) e a do Nordeste (73,9%). Desse total, 23,9% eram pretos, 56,9% pardos, 18,0% brancos e 1,2% indígenas, amarelos ou pessoas sem declaração de cor ou raça.
A Bahia lidera entre os estados brasileiros com maior percentual de pessoas pretas, seguida pelo Rio de Janeiro (16,9%) e Maranhão (14,9%). A proporção de brancos na Bahia é de apenas 16,5%. Esse panorama demográfico está distante do que é retratado nas novelas que se passam no estado, onde negros frequentemente são minoria. O site Heloisa Tolipan listou oito produções — sendo nove novelas, já que Gabriela teve duas versões — em que o número de atores negros é reduzido. Com base nos dados do site Teledramaturgia, foram analisados apenas os elencos principais, considerando personagens com papéis relevantes e destacando aqueles fenotipicamente negros ou pardos. Em algumas dessas novelas, um único ator negro representava essa diversidade. Confira os números:
Tieta (1989): 1 ator, de 48
Na novela Tieta, apenas um ator preto ou pardo integrou o elenco principal: Roberto Bomfim, intérprete de Amintas. Vale destacar que a própria Tieta, de acordo com Jorge Amado, era descrita como uma mulher mestiça, contrastando com a escolha de Betty Faria para o papel, cuja aparência é mais branca. Segundo Amado, a “cabrita” tinha “cabelos negros, crespos, anéis como os dos anjos na igreja do seminário”, conforme a descrição de Ricardo, seu sobrinho, interpretado na novela por Cássio Gabus Mendes.
Gabriela (1975 e 2012): 3 atores de 34 (1975) e 3 de 68 (2012)
No romance Gabriela, Cravo e Canela, Jorge Amado apresenta a protagonista como “cozinheira, mulata (…) encontrada no mercado dos escravos”. Contudo, na versão de 1975, a personagem foi interpretada por Sônia Braga, de perfil mais caboclo. A escolha ocorreu mesmo em um período em que Zezé Motta já era um nome consolidado no cinema e Vera Manhães, mãe de Camila Pitanga, chegou a ser cogitada para o papel. Inicialmente, Gal Costa foi convidada, mas recusou. Na versão de 2012, Juliana Paes assumiu o papel principal. Em ambas as adaptações, o número de atores negros foi limitado: na primeira, apenas Cosme dos Santos, Maria das Graças e Ilcléia Magalhães; na segunda, Suyane Moreira, Ildi Silva e Heloísa Jorge.
Porto dos Milagres (2001): 6 atores, de 50
Porto dos Milagres, baseada em obras de Jorge Amado, enfrentou críticas por sua baixa representatividade negra, apesar de ser ambientada na Bahia, estado com grande maioria de população preta e parda. No início, a trama também recebeu reações negativas de grupos religiosos por abordar elementos do candomblé e culto a Iemanjá, obrigando os autores a reduzir esse aspecto. Entre os poucos destaques negros estavam Camila Pitanga, Zezé Motta, Aldri D’Anunciação, Taís Araújo, Sérgio Menezes e Roberto Bomfim.
Segundo Sol (2018): 8 atores, de 41
Antes de sua estreia, Segundo Sol foi acusada de “embranquecer” a Bahia, já que os protagonistas apresentados nas chamadas iniciais não incluíam negros. Apesar de Fabrício Boliveira ter destaque na trama, os negros no elenco fixo eram minoria e, em sua maioria, relegados a papéis secundários. Isso motivou críticas de movimentos negros e uma notificação do Ministério Público do Trabalho, que solicitou à emissora maior diversidade racial em suas produções. Entre os oito atores negros estavam Roberto Bomfim, Fabrício Boliveira, Licínio Januário, Cláudia Di Moura, Roberta Rodrigues, Dan Ferreira, Gabriela Moreyra e Dja Martins.
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