*Por Brunna Condini
A minissérie ‘Senna‘, da Netflix, segue repercurtindo mundo afora e acaba de ser indicada ao Critics Choice Awards, na categoria Melhor Série em Língua Estrangeira. Na produção, chama a atenção a performance de Gabriel Leone como o piloto brasileiro, e também os detalhes minuciosos das provas marcantes na carreira de Ayrton Senna (1960-1994). Outro ponto abordado que se destaca, é a relação de Senna com a família, em especial com sua mãe Neyde Joanna Senna da Silva, chamada carinhosamente de Zaza, vivida por Susana Ribeiro dos 29 aos 58 anos. “Foi incrível poder me ver voltando no tempo”, diz a atriz, aos 55 anos. Além da produção, Susana também está em cartaz em curta temporada com seu primeiro espetáculo autoral, ‘Sonhei com Você’‘, em São Paulo.
Com 37 anos de carreira nos palcos, na TV e no cinema, Susana é uma das fundadoras da Cia dos Atores, um dos principais grupos de teatro nacionais, e também é sobrinha dos atores Paulo José (1937-2021) e Dina Sfat (1938-1989). “Meu pai (Arlindo) é irmão do Paulo. Então, tem histórias de artistas do teatro, da TV e do cinema na minha família”. Apesar da vasta trajetória, ela afirma que viver a matriarca na série da Netflix foi um dos pontos altos do caminho. Desde que Ayrton morreu, em 1º de maio de 1994, aos 34 anos, durante o GP de San Marino, na Itália, sua mãe parece ter ficado cada vez mais reservada.Talvez por isso, a atriz tenha composto sua Zaza somente através de pesquisas. “Tive contato com entrevistas, transcrições, conversas dela com o filho. Não falamos pessoalmente, foquei na pesquisa e isso foi fundamental”. A seguir, Susana detalha a experiência, fala de coincidências felizes que levou para série, como sua relação com Gabriel Leone, e ao comentar críticas feitas à produção, como o espaço restrito que Adriane Galisteu teve no enredo, ela acredita que a obra mais emociona do que polemiza.
Apesar da qualidade técnica, a série em seis episódios também gerou controvérsias por conta de outras narrativas que ficaram de fora, como a rivalidade do piloto com Nelson Piquet e Michael Schumacher, por exemplo. E na galeria do que teriam sido os romances importantes de Senna, além das críticas à forma como o relacionamento com Galisteu, sua última companheira, foi tratado; a trama não abordou outra relação que teria sido relevante para Ayrton, o namoro durante quatro ano com Adriane Yasmin, quando ele tinha 24 e ela, 15. “Acredito que o foco da série tenha sido os momentos relevantes da vida dele como piloto. A produção se propõe a contar mais essa história do que qualquer outra. E neste sentido foi muito feliz, cumpre seu papel. Claro que tiveram outros momentos importantes na vida dele e no próprio esporte, mas o recorte era a trajetória. A parte anterior à Fórmula 1, e mais adiante, ele chegando, conquistando seu espaço neste clube tão fechado e europeu que é a Fórmula 1. Acho isso tão bonito, porque traz uma dimensão para nós brasileiros, de como damos o nosso jeito, o bom jeito, para alcançar o que desejamos. Muita coisa ficou de fora, inclusive histórias dele com a própria família, não tem como englobar tudo. É o recorte de uma série de ficção que não se propõe a ser documental”, analisa.
Acho que a série conta exatamente o que é preciso para entendermos essa trajetória da determinação do Ayrton, que começou ainda menino até se lançar no mundo atrás do seu sonho. Essa é a história – Susana Ribeiro
Coincidências e conexão
Susana compara sua experiência na série dirigida por Vicente Amorim e Júlia Rezende, a algo místico. “Senti uma forte conexão espiritual, acho que porque fui me dando conta da responsabilidade de viver a mãe dele na ficção. Os dois tinham uma relação de amor, respeito e muita confiança. Pedi ‘licença’ para fazer esse trabalho, porque o Senna representou e representa muito para o Brasil. Me conectei mais com o ‘espírito’ da coisa toda do que com o dele em si. É uma sensação maior de conexão do meu espírito como atriz a essa obra”.
Ela revela que conheceu Leone bem antes do trabalho na série. “Essa nossa amizade e cumplicidade acabou imprimindo na tela para veracidade das cenas. O Gabriel fez leituras comigo da minha peça ‘Sonhei com você”,e me ajudou a terminar de escrever. Na época da pandemia, quando comecei a desenvolver mais o texto, o convidei para o espetáculo. Nos conhecemos on-line nessas leituras e chegamos a fazer uma residência de 10 dias em um sítio, isolados, para trabalhar no projeto. Então, essa relação com Gabriel acabou indo para o ‘Senna‘. Ter sido convidada para fazer a mãe dele na série foi uma coincidência feliz”.
Entre as coincidências que a atriz levou para o trabalho na série, está o fato de ter um irmão que é piloto de avião e também tem o apelido de Beco, tal qual Ayrton era chamado na intimidade. “E isso foi muito importante para eu compor a Zaza. É meu irmão mais novo, Fabio, que chamavam primeiro de Fabeco, depois virou o Beco. Recordo da minha mãe a vida toda, ao mesmo tempo que o apoiando, apreensiva. Além de piloto de avião, ele sempre amou velocidade, depois teve asa-delta, ultraleve. E era sempre essa sensação de: “Meu Deus, que perigo, meu filho. Mas seja feliz, é sua paixão”. Lembrei muito da minha mãe ao viver a Zaza”.
Primeiro espetáculo autoral
Apesar de participado do processo de construção do primeiro espetáculo de autoria da artista, ‘Sonhei com Você‘, “Uma comédia antirromântica”, na definição de Susana; Gabriel Leone acabou não dividindo a cena com ela por conta de agenda. Em seu lugar, outro ator que também está em ‘Senna’, Nicolas Vargas. “Essa peça nasceu do meu desejo de escrever uma personagem para mim. Ela é uma fisioterapeuta, com os seus 50 anos e mora na Zona Norte do Rio. É uma mulher com uma realidade distante da minha. Falo do seu cotidiano, da sua relação com a sexualidade, com a cultura, com a arte. O Nicolas faz um personagem da Zona Sul, 25 anos mais novo, que traz uma realidade mais elitista, que até certo ponto, faço parte. Então, dialogo comigo mesma de alguma forma. Escrevi porque sentia necessidade de mais diálogos no teatro neste momento”, diz Susana, que também produz e dirige a montagem em cartaz até 16 de dezembro, no Espaço Cultural Brica Braque, na Vila Madalena, em São Paulo.
Esse espetáculo comunica que a relação com o outro é a melhor forma de nos enxergarmos. Vivemos em uma sociedade narcísica, autoreferida, onde você está sempre dialogando com sua imagem, na selfie, na tela, e o contato com o outro real começa a faltar. Isso em várias gerações. Mas esse contato é fundamental para pensar sua própria identidade no mundo – Susana Ribeiro
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