*por Vítor Antunes
Levantando, sacodindo a poeira e dando a volta por cima! Tal como diz o tema de abertura da atual novela das sete, “Volta por Cima” segue subindo no Ibope. Apesar de seu reconhecimento pela crítica, a novela estava com números razoáveis e agora escalona para o alto. Nas mesmas duas ultimas semanas nas quais a audiência ascendeu, a revelação de que Gigi (Rodrigo Fagundes) é filho de Belisa (Betty Faria), e não seu irmão. Rodrigo não sabia desse elemento do seu personagem, mesmo sendo marido na vida real de um dos autores da trama Wendell Bendelack. “Essa é a terceira novela que eu faço e na qual o Wendell colabora. Ele está em todas as novelas da Claudia Souto. A gente não fala sobre a novela entre nós. Eu nunca sei de de nada. Quando os atores recebem o capítulo 10, os autores estão no 40. A Claudia é uma pessoa muito atenta à pulsação da novela, ela muda de ideia, ela pensa realmente a trama. E todos os colaboradores da novela escrevem a novela juntos, para terem uma unidade de escrita”, analisa. Entre os próximos projetos de Rodrigo que devem ir ao ar consta uma participação em “Pablo e Luisão”, série de Paulo Vieira, que será lançada ainda neste primeiro semestre no Globoplay. Até abril, o ator estará dedicado à exibição e gravação da novela das sete.
O papel que tornou o ator famoso na televisão foi Patrick, no “Zorra Total“, o do bordão “olha a faca”. Inicialmente o personagem era um ator ingênuo e afeminado na montagem de “Surto”, que foi para a televisão com outra abordagem. Rodrigo problematiza hoje, sob alguns aspectos, e diz que não o interpretaria mais, exclusivamente por conta do desgaste do personagem.
“Patrick vem de outro tempo, de outros exemplos. A gente era aquilo que tinha, então eu tentava sempre, em homenagem ao teatro, manter a essência dele. Acho que a graça do personagem estava na ingenuidade, nessa coisa meio lúdica. Ele era um cara que dava pinta e tal, mas na hora de fazer teste, engrossava a voz. Enfim, era homem como vários colegas meus. A gente sabia que, na hora de fazer teste para trabalho, não podia dar pinta, não podia demonstrar certas coisas. Então, quando criei o Patrick, pensei nele como um reflexo disso tudo. Quando o personagem foi para a TV, ele passou por algumas adaptações, mas tentei manter sua essência. Mantive o nome, mas algumas mudanças no texto vinham, e eu tentava defender da melhor forma possível. Na época, algumas piadas carregavam preconceitos que eu não enxergava como tal; para mim, era simplesmente “assim que a banda toca”. O Patrick era ácido, mas também ingênuo. Ele ficava na dele, mas, se mexessem com ele, rebatia: “Olha a faca!” Por isso sempre acabava enfrentando os valentões. Ele sofreu bullying, então, no fundo, ele nunca deixou de ser quem era, mas o problema era o entorno”.
Hoje, ao rever tudo isso, percebo algumas coisas de forma diferente. Mas, com certeza, não tenho vontade de interpretá-lo novamente. Foram 10 anos vivendo esse personagem. Passei por muita coisa com ele, e acho que foi um ciclo que se encerrou — um ciclo do qual tenho muito orgulho. Quando me perguntam se me arrependo, digo que de jeito nenhum. Fiz com a compreensão que eu tinha do que era aceitável na época – Rodrigo Fagundes
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Fabiana Karla e Rodrigo Fagundes, no Zorra Total (Foto: TV Globo/Rafael França)
ENTRE TIETA E “A” CARLOS
Em “Volta por Cima“, o personagem de Fagundes é filho de Belisa, interpretada por Betty Faria, que também está no ar à tarde, como “Tieta”. A personagem de Jorge Amado foi sempre um espelho para a comunidade gay e Rodrigo tem uma história com ela. “Gravar com Betty é um prazer e ela tem um lugar na minha vida. Primeiro como uma lembrança da minha mãe, que a amava. Mamãe era cabeleireira e tinha um salão com fotos da Betty espalhadas, o que me fez ter um olhar apaixonado pela atriz. Ficamos muito próximos e brincamos muito nas gravações”, relembra.
Esse convívio com homossexualidade esteve sempre presente e foi naturalizada na infância de Rodrigo. “A minha mãe, lá em Juiz de Fora, participava do Miss Gay todo ano. Ela sempre ajudava as travestis e as transformistas que iam lá para casa para fazer o cabelo. Naquela época, nos anos 80, o preconceito era ainda mais forte, mas minha mãe sempre foi muito desbravadora. Sem precisar se dizer militante, ela simplesmente tratava todo mundo de igual para igual. Lembro que havia uma travesti que trabalhava no salão dela, e ninguém queria dar emprego para ela, porque ainda usava o nome masculino. Minha mãe, separada do meu pai e criando três filhos sozinha, fazia de tudo: dava aula de corte de cabelo no SESI durante o dia e atendia em casa à noite”, conta.
Segundo Rodrigo, “ela também ensinava mulheres mais velhas, que ainda não tinham se aposentado e precisavam aprender uma profissão. Ela deu aulas para essa travesti, “a Carlos”, que até hoje conhecemos assim. É bonito lembrar disso. Minha mãe tratava todo mundo bem porque foi criada dessa forma. E eu tenho muito orgulho da infância que tive. Para mim, sempre foi natural conviver com todo tipo de gente, sem preconceito. Essas coisas que os outros olham torto nunca foram um problema para mim”. Ele prossegue dizendo que essa naturalização da homossexualidade foi presente e definitiva em sua vida, quando sua mãe soube que ele próprio, Rodrigo, era gay. “Ela sempre foi muito protetora comigo quando eu era mais novo, porque acho que eu era uma criança mais afeminada. Então, ela entendia mas nunca me mandou agir ou falar “como homem”. Quando eu contei para ela do meu primeiro namorado, ela falou assim. ‘Ah, meu filho, que bom’. Ela sempre me respeitou”.
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Rodrigo Fagundes e sua mãe (Foto: Arquivo Pessoal)
No fim do ano passado, Rodrigo foi o muso/padrinho da Parada Gay de Madureira, no Rio. “É importante que a parada exista. Eu acho que tem que existir, não sei dizer se é mais que militância, não posso dizer. Mas acho que as duas coisas são essenciais, né? A gente tem que celebrar, porque cada vez mais precisamos normalizar isso. Os gays, as trans, as suas origens… São pessoas que existem na sociedade, que pagam impostos como qualquer outra pessoa. Então, esse é um momento tanto de celebração quanto de reflexão sobre as lutas que ainda precisamos travar. Por mais que às vezes a mensagem da Parada pareça se diluir em meio aos seus vários objetivos, ela ainda está lá, resistindo. Os discursos foram muito precisos, muito bonitos, afirma, acrescentando:
“Acho fundamental que esses eventos continuem existindo. Não sei se já conseguimos normalizar tudo, mas eu, sinceramente, não entendo exatamente como tudo funciona por dentro. Não é uma batalha na qual eu esteja presente a ponto de opinar com propriedade. Eu leio coisas, acompanho, mas não posso afirmar verdades. O que eu presenciei foi uma celebração política e social. Um encontro diverso, com estrangeiros, com pessoas de todo tipo ocupando as ruas. O mais bonito é ver crianças participando também. É muito importante que as crianças estejam ali. Acho essencial termos várias Paradas Gays: a de Copacabana, a de São Paulo, a de Madureira, e tantas outras pelo Brasil e pelo mundo. São vitórias que precisamos perpetuar, sim”.
No passado, muitos atores temiam se assumir gays publicamente, principalmente aqueles que ocupavam o posto de galãs. Esse receio estava ligado ao medo de perder oportunidades de trabalho e de serem rotulados de maneira restritiva na indústria do entretenimento. No entanto, ao longo dos anos, essa realidade começou a mudar, abrindo espaço para maior diversidade e autenticidade nas trajetórias dos artistas.
“Até 2016, 2017, as pessoas tinham medo, sim, muito mesmo. Principalmente galã. Eu nunca fui galã. Mas eu acho que, no início, eu tive um pouco de medo. Eu fiz ‘Zorra’ muitos anos, para personagens que eram parecidos com o Patrick, na mesma temperatura. Aí, eu, como ator, falava: ‘Não, não! Eu preciso ter o dinheiro na mão para recusar papéis’. Mas fiz coisas diversas. Como um mordomo super carinhoso com o patrão, com a irmã… Era um cara super bondoso e tal, não tinha nada de gay, nada disso, não era questão dele. Ele era um cara mais tímido. Aí veio ‘Cara e Coragem‘, em que eu fazia o Bocão, que tinha quatro mulheres, era escroto com elas, além de ser dono de uma agência de dublês. Fiz múltiplos tipos”.
Com o passar do tempo, a pressão sobre os atores diminuiu, e a indústria começou a valorizar mais a autenticidade e a diversidade de histórias e personagens. Isso possibilitou que muitos profissionais se sentissem mais à vontade para serem quem realmente são, sem o medo de que isso afetasse suas carreiras.
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Rodrigo Fagundes em “Cara e Coragem” (Foto: Ricardo Penna)
Eu não vejo problemas em fazer bicha, inclusive adoro fazer a bichinha. Quero ser a bicha que chora, o gay, o cara fofo… Posso fazer 50 tons de bicha – Rodrigo Fagundes
Em Volta por Cima, Rodrigo Fagundes dá vida a Gigi, um personagem que, à primeira vista, pode parecer apenas um homem caprichoso e afeminado, mas que ao longo da trama revela camadas mais complexas. Inicialmente acostumado a uma vida de conforto, Gigi agora enfrenta desafios que o fazem amadurecer e lidar com novas realidades. “Não é só um cara fresco, ele é também um cara mimado, um cara que não sabe o que é ‘não’. Ele está passando perrengue, a vida dele mudou. Ele vai sofrer agora, ele vai passar por coisas. Então, nesse meio-tempo… Ele é gay, ele adora atirar nos caras, pegar para fazer a pegação dele. É um gay livre”.
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Núcleo de Rodrigo Fagundes em “Volta por Cima” (Foto: Divulgação)
Entusiasta da década de 80, Rodrigo vê com naturalidade a exaltação ao saudosismo a essa época. “O que fazia muito sucesso era uma nostalgia dos anos 50, os chamados ‘anos dourados’. A novela Bambolê ajudou a lançar essa tendência, e houve muitas festas temáticas inspiradas nessa época. Isso porque, de 30 em 30 anos, algo que foi moda volta a ser revisitado. Agora, já se passaram mais de 30 anos desde aquela fase, e essa nostalgia retorna automaticamente. As crianças e adolescentes daquela época hoje são adultos, e isso cria um choque com o mundo moderno. A gente acaba, muitas vezes, querendo comparar e resgatar um pouco do que foi”.
A televisão brasileira – com suas novelas, programas de humor e infantis – sempre teve um papel importante na nossa cultura. Para mim, foi praticamente amiga, verdadeira ‘babá eletrônica’. Acho que muitos brasileiros se identificam com isso também – Rodrigo Fagundes
Rodrigo vive da emoção, seja trazendo alegrias, tristezas ou reflexões por meio de sua arte. Para ele, expressar e compartilhar o que o toca profundamente faz parte de sua trajetória. Nesse sentido, ele ressalta a importância da representatividade e da diversidade nos espaços midiáticos: “Na vida, me emociono com muitas coisas. Quando recebo uma amiga em casa, faço um bolo, colocamos a conversa em dia. Me emociona também ver a diversidade ganhando espaço, como agora na novela, com o protagonismo preto. A gente olha para as novelas do passado e percebe o quanto isso era escasso. Estava na cara que era tudo muito desigual. Então, ver essas conquistas, essas vitórias, me toca muito. O mundo está tentando ser mais igual, dentro do possível. É claro que nem sempre funciona, porque ainda há gente que não muda, que tem a mente fechada. Mas eu fico feliz ao ver pequenas transformações. Às vezes, alguém que antes tinha um pensamento preconceituoso assiste a uma série, um filme, e começa a rever certas questões. A arte transforma as pessoas, sem que elas percebam. A arte não é só entretenimento, ela provoca mudanças.”
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Rodrigo Fagundes: “A arte transforma as pessoas” (Foto: Sérgio Baía)