‘Quero fazer de Odete Roitman à Helena de Manoel Carlos’, diz Gabriela Munhoz que estreou ontem na Globo


Aos 35 anos, a atriz gaúcha radicada no Rio de Janeiro chega à novela das 18 horas da Globo, ‘Órfãos da Terra’, no papel de Mágida, mulher síria que teve a filha raptada e é atraída ao Brasil pela vilã Dalila em mais uma armação para separar Jamil e Laila

Foto: Lucio Luna)

*Por Jeff Lessa

Gabriela Munhoz fez entrada triunfal na TV. Desde ontem, quarta-feira, a atriz pode ser vista em ‘Órfãos da Terra’, a elogiadíssima novela das 18 horas, da TV Globo, escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes. Gabriela interpreta Mágida, mulher síria com uma história sofrida que perde o marido assassinado no Brasil, empobrece em seu país e tem sua filha sequestrada. “Então, ligam anonimamente para ela e dizem que a criança está no Brasil. Ela vem para cá e encontra a Dalila” (a terrível vilã da história vivida por Alice Wegmann), conta. “Mágida chega com a dupla carga de encontrar a filha e encontrar o assassino do marido, morto no primeiro capítulo pelo pai de Dalila. Vem por conta de uma armação da vilã, que pretende mostrar que Jamil, que assumiu o crime, é o assassino e, assim, fazê-la acusar o rapaz e separá-lo definitivamente de Laila”.

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Gabriela conta que até hoje trabalhou muito pouco em TV. Participou de ‘Malhação’, ‘Salve Jorge’ e ‘Além do Horizonte’. “Fiz algumas participações breves. É a primeira vez que tenho uma personagem com história para contar. Sou muito grata às autoras por essa oportunidade, estou em estado de graça. Eu adoraria seguir fazendo TV, amo o que estou fazendo e quero mais personagens desafiadoras como a Mágida”, revela. “Quero, na verdade, é trabalhar muito. Quero fazer de Odete Roitman à Helena de Manoel Carlos. Sinto vontade de ser todas essas mulheres”.

No momento, a mulher que ocupa os dias e as noites de Gabriela é mesmo Mágida. “Tanto que não fiz teatro este ano para me dedicar inteiramente a ela. Recebi o convite para atuar na novela através do diretor Gustavo Fernandes há meses, tive muito tempo para tentar entender as mulheres sírias. Estou contratada desde maio e venho estudando ao longo de todo esse período. Uma das conclusões mais importantes a que cheguei é que essas mulheres são muito ligadas à maternidade”, conta. “E eu estou no auge dessa vivência, com um filho de dois anos. Tentei entender e sentir o que poderia ser a perda da filha dela e não consegui sair ilesa de uma trama tão forte”.

Uma das cenas mais duras gravadas até agora foi a do reencontro de mãe e filha. “Quis dar uma fugida do recurso de usar o meu filho para buscar a emoção. Mas não tem como ignorar a maternidade. A questão era como dimensionar a dor de uma mãe que perde um filho? Como quantificar, dosar isso?”, pergunta-se a atriz. “Na novela, minha filha se chama Salma. A atriz que a interpreta é a Letícia Carnaval e ela é brilhante. Faz um trabalho lindo. É um papel extremamente difícil, muito complicado, que essa criança leva com uma naturalidade impressionante. A mãe respeita muito o espaço da menina, é sensacional”.

'Estou achando uma delícia. Não sabia que era tão gostoso', diz Gabriela, sobre fazer televisão (Foto de Lucio Luna)

‘Estou achando uma delícia’, diz Gabriela, sobre fazer televisão (Foto: Lucio Luna)

O resultado é brilhante. Gabriela consegue passar o medo, a apreensão, a desconfiança, o cuidado – enfim, as sensações que uma mulher que jamais pisou em um determinado país deve sentir ao desembarcar de um avião, sozinha, no meio da noite. “Busquei essa surpresa em mim. Chegar em um aeroporto onde nunca se esteve permeia muitas sensações, tudo é surpresa, inesperado. É pena, mas não cheguei a conviver com os imigrantes que participaram da primeira fase da novela”, conta. “É louco pensar que, apesar de estarmos um tanto saturados com o que se passa no Brasil, os imigrantes vêem o país como possibilidade de respirar, de viver em liberdade”.

Pois é. O estudo sobre a experiência dos imigrantes, desenvolvido para dar veracidade à Mágida, fez com que Gabriela refletisse sobre nós mesmos. Nós, o povo brasileiro: “Estamos muito autocentrados. Parece que todo mundo vive num eterno ‘salve-se quem puder’, sem empatia ou simpatia. Se falta entre nós, imagina em relação a quem chega de fora? É urgente reaprender a tratar as pessoas com empatia. Precisamos abrir a escuta a todos que estão à nossa volta”.

Falar sobre empatia nos leva, inevitavelmente, a um tema onipresente e inevitável nos dias que correm: política. “Tenho evitado fomentar discussões políticas. Sou do tipo que se levanta da mesa do bar quando esse papo começa, justamente para evitar atritos. Tenho posições muito firmes sobre o assunto, mas ainda quero manter as minhas amizades”, frisa Gabriela. Pano rápido.

Ao longo da conversa, fica evidente que a atriz de teatro está amando trabalhar em televisão. Amando muito: “Estou achando uma delícia. Não sabia que era tão gostoso. Não sei se é por causa dessa equipe, não sei se é essa novela especificamente. Mas sinto como se estivesse fazendo teatro na TV. É bastante parecido. A equipe trabalha com força e paixão que extrapolam a história”, elogia. “E a novela tem uma poesia, um tom poético que me agrada muito. Além de ter uma estética caprichada e uma fotografia muito bonita”.

Perguntamos sobre o trabalho ao lado de Kaysar Dadour, o ex-BBB sírio de 30 anos nascido na cidade de Alepo que encantou o país com seu jeito brincalhão e sua naturalidade: “Ele está fazendo um trabalho bacana. Mas não tive a chance de contracenar com ele. Ele estava com a Dalila na cena do reencontro com a minha filha, mas não interagimos. Como estou descobrindo o destino da personagem aos poucos e não sei o que vai acontecer com ela, ainda não sei se vamos atuar juntos”.

Enquanto espera por definições no destino de Mágida, Gabriela grava suas cenas com tranquilidade. E leva a vida pessoal sem grandes alterações, apesar da agitação que é estar em uma produção do porte de “Órfãos da Terra”. Segundo ela, seu cotidiano foi pouco afetado: “Isso depende da intensidade da personagem. A Mágida é intensa, mas a participação é curta, falta um mês para a novela acabar. Por outro lado, eu organizei a minha logística para me dedicar cem por cento à novela. A rotina gira em torno desse trabalho, mas é diferente de quem trabalha por nove meses na novela”.

Gabriela Munhoz será Mágida em ‘Órfãos da terra’, que vem ao Brasil para resgatar a filha (Foto de Lucio Luna)

Uma das atividades das quais a atriz abriu mão foi sua atuação como gestora de projetos em gastronomia. Não exatamente por conta do trabalho na Globo, mas por causa da situação complicada para o comércio no Rio. Opa, peraí: “gastronomia”? “comércio”? Como assim? “Também sou gestora de projetos e já criei vários restaurantes com meu marido que, como eu disse, além de ator é empresário. Criamos o projeto do Verdim, no Leblon, do Rou, em Ipanema, e do Complex Esquina 111, nosso primeiro restaurante no Rio, em Ipanema também”, revela Gabriela. “Meu foco, porém, é a arte, que vem sempre em primeiro lugar. Não estamos mais investindo, pois a situação não está fácil para o comércio na cidade. O Rou, por exemplo, fechou antes de se tornar ‘uma coisa que deu errado’”, explica.

Esse “ano sabático” afastada do teatro será compensado em 2020, quando a boa filha à casa tornará: “Estou sempre inventando algo para fazer no palco. Para o ano que vem, venho pensando em mil e um projetos. Mas sei que vou fazer teatro, talvez ainda no primeiro semestre”.

Gaúcha radicada no Rio de Janeiro desde 2005, casada com o empresário e ator Marcos Suhre e mãe de Francisco, Gabriela formou-se no curso de Artes Dramáticas da UniverCidade em julho de 2010 e é pós-graduanda em Corpo e Arte na Escola Angel Vianna. Ela começou a carreira no Rio Grande do Sul com apenas nove anos. Em 1997, aos 13, foi premiada como melhor atriz no Festival Gaúcho de Teatro pelo espetáculo adolescente ‘O Julgamento do Palavrão’, de Maria Leda Moraes Chini, dirigido por Laura Peixoto. No cinema, atuou no longa ‘Vidas Partidas’, dirigido em 2014 pelo então estreante Marcos Schechtman, ao lado de Domingos Montagner, Milhem Cortaz e Suzana Faini, entre outros. Em 2016 e 2017, dividiu a cena com Helena Varvaki no premiado espetáculo ‘A Outra Casa’, do jovem dramaturgo americano Sharr White, com direção de Manoel Prazeres. A peça teve três temporadas no Rio.

Então, que Mágida seja bem-vinda ao Brasil. E que seja recebida com empatia e muita simpatia pelos brasileiros.