Pesquisador revela lista de novelas do ‘Projeto Fragmentos’ e programas, como de Jô e Xuxa, perdidos do acervo da Globo


A pesquisa de Gabriel Salgado Sarturi, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), revelou os motivos para o apagamento de novelas no acervo da Globo entre 1979 e 1982. Devido às restrições de importação de fitas pela Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A. (Cacex), a emissora precisou apagar várias produções para reutilizar o material. Edson Pimentel, ex-gerente do Arquivo de VT, explicou que novelas como “O Amor é Nosso”, “Brilhante”, e “Nina” foram gravemente afetadas, com a maioria dos capítulos sendo apagados, preservando-se apenas seis episódios estratégicos de cada uma. O Projeto Fragmentos, que hoje busca resgatar essas produções, incluiu outras como “Os Gigantes” e “Chega Mais”. Sarturi também destacou o uso do Recortec, uma máquina que “limpava” as fitas, preparando-as para novas gravações. Porém, obras como “Brasil Pandeiro”, conduzido por Betty Faria, e “Os Trapalhões”, foram mantidas preservadas. Confira a lista!

*por Vítor Antunes

Pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS) finalmente entregou para os noveleiros, “arqueólogos” de televisão e, especialmente, pesquisadores, as respostas que justificam o apagamento de novelas e arquivos do Acervo da Globo. Segundo o jornalista Gabriel Salgado Sarturi publicou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) “O vídeo é uma fantástica máquina do tempo – A preservação e a rememoração do arquivo de entretenimento da Rede Globo”, são vários os motivos que explicariam a subtração da memória. Edson Pimentel, gerente do Arquivo de VT da Rede Globo de 1979 a 1982, contou ao acadêmico: “Nós tivemos um problema que me causa uma certa tristeza ainda, porque em um determinado período, a gente tinha um órgão que se chamava Cacex – Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A. – que bloqueou a possibilidade de importação. Então, ao longo de um período, tivemos que apagar alguns conteúdos muito importantes, que seriam relevantes hoje, porque você precisava de fita para gravar. Então, você tinha que apagar, sacrificar conteúdos, para gravar o que precisava ir ao ar. A gente apagou. […] Foi algo muito sofrido para todos que tiveram que assinar esse documento; o Boni, na época, não tinha outra alternativa”.

Ele prossegue: “Especificamente em telenovelas, uma seleção de cerca de três dezenas de folhetins, devido às dificuldades envolvidas no processo de importação de fitas, teve o maior volume de mídias reaproveitado, mantendo dessas produções uma cota sistemática de seis capítulos, dividida em três pares: os dois capítulos iniciais, os dois capítulos intermediários e os dois capítulos finais como uma forma de preservar, pelo menos, um pouquinho da história”.

No TCC de Sarturi, ele entrevistou Ricardo Xavier, o Rixa, roteirista do “Vídeo Show”, que conta que a Globo tinha um setor, o Recortec, para fazer “limpeza das fitas”, no intuito de “prepará-las para uma nova gravação. Uma espécie de hospital de fitas”. Recortec é o nome da fabricante do maquinário que efetivamente avaliava e apagava o videotape. Segundo Pimentel, priorizaram-se aquelas novelas que tiveram menos aceitação, que a audiência não foi tão boa, que a temática talvez não tenha tido uma grande aceitação do público. “Mas foi dolorido. Foi muito dolorido.” Além de novelas, “Xou da Xuxa“, o programa de Jô Soares (1938-2022) “Satiricon“, humorísticos, e o programa “Alerta Geral“, de Alcione, constam entre os perdidos.

Nunca reprisada, problemática novela de Lauro César Muniz, “Os Gigantes”, voltou fragmentada no Globoplay

A LISTA DE NOVELAS PERDIDAS E/OU INCOMPLETAS DO PROJETO FRAGMENTOS 

Algumas delas já constam na plataforma. Outras, como Brilhante – conforme antecipado pelo Site Heloisa Tolipan – consta com capítulos extras na Globo, cerca de 13. Contudo, fontes apontam que esta novela pode ter uma versão internacional, compactada em 100 capítulos, porém dublada em espanhol, o que deve inviabilizar sua entrada no Globoplay como uma trama do projeto Resgate.

Na lista abaixo, as tramas foram separadas pelo horário de exibição, se perdidas ou inéditas no Globoplay – ou seja, que ainda vão fazer parte do app.

  • 18h “Vejo a Lua no Céu” (Inédita)
  • 19h “Sem Lenço, Sem Documento” (No Globoplay)
  • 18h “O Feijão e o Sonho” (Inédita)
  • 19h “Chega Mais” (No Globoplay)
  • 18h “À Sombra dos Laranjais” (Inédita)
  • 19h “O Amor é Nosso” (Totalmente perdida)
  • 18h “Sinhazinha Flô” (Inédita)
  • 20h “Fogo Sobre Terra” (No Globoplay)
  • 18h “Gina” (No Globoplay)
  • 20h “Duas Vidas” (Inédita)
  • 18h “Memórias de Amor” (Inédita)
  • 20h “Espelho Mágico” (Inédita)
  • 20h “Os Gigantes” (No Globoplay)
  • 18h “As Três Marias” (Inédita)
  • 20h “Coração Alado” (No Globoplay)
  • 18h “Terras do Sem Fim” (Inédita)
  • 20h “Brilhante” (Inédita)
  • 18h “Voltei Pra Você” (No Globoplay)
  • 20h “Sol de Verão” (No Globoplay)
  • 19h “Uma Rosa com Amor” (Entra no Globoplay no próximo dia 28)
  • 20h “Champagne” (Inédita)
  • 19h “Carinhoso” (Inédita)
  • 22h “Nina” (Inédita)
  • 19h “Corrida do Ouro” (No Globoplay)
  • 22h “O Pulo do Gato” (Inédita)
  • 19h “Bravo!” (Inédita)
  • 22h “Sinal de Alerta” (Inédita)
  • 19h “Estúpido Cupido” (No Globoplay)
  • 22h “Eu Prometo” (Inédita)

O cabelo de Vera Fischer foi um dos problemas de “Brilhante” (foto: Nelson di Rago/Globo)

Em meados dos anos 1980, segundo Sarturi, ainda existiam alguns capítulos “extras”, além da “regra dos seis”, que costumam nortear as tramas do hoje conhecido como “Projeto Fragmentos“. De “Nina” (22h, 1977/1978), ainda restavam os capítulos 12, 17, 51 e 76; de “O Pulo do Gato” (22h, 1978), ainda restavam os capítulos 3, 4, 40, 66, 74, 136 e 137; de “Sol de Verão” (20h, 1982/1983), ainda restava o capítulo 16; e de “Voltei Pra Você” (18h, 1983/1984), ainda restava o capítulo 84. “Porém, ‘Sol de Verão’ e ‘Voltei Pra Você’, já publicadas no Projeto Fragmentos do Globoplay, não continham tais capítulos lançados, o que leva a crer que hoje em dia esses ‘extras’ não existem mais”, ressalta o pesquisador.

Em 1994, a Globo começou um projeto de resgate de seu arquivo, o Projeto Quadruplex, encerrado incompleto em 1999. Algumas novelas a Globo preferiu, em vez de resgatar da mídia original, pegar a versão internacional (Divisão de Produção Internacional, ou DPI), para mantê-la. Desta forma devem entrar no “Projeto Resgate“, tal como “Corpo a Corpo”, atualmente em exibição no Viva:

  • 18h “Cabocla”, 1979. 166 cap de 26 min (170 originais)
  • 18h “Ciranda de Pedra”, 1981. 80 cap de 26 min (155 originais)
  • 18h “Marina” (Versão Internacional)
  • 19h “Plumas e Paetês”, 1981. 191 cap de 38 min (são 191 originais, houve diminuição na minutagem)
  • 19h “Final Feliz”, 1982. 132 cap de 38 min (161 originais)
  • 19h “Vereda Tropical”, 1984. 115 cap de 50 min (164 originais)
  • 19h “TiTiTi” 1985. 130 cap de 50 min (185 originais)
  • 20h “Corpo a Corpo” 1984. 179 cap de 38 min (179 originais, houve diminuição da minutagem)

Georgia Gomide foi um dos destaques de “Vereda Tropical” (Foto: CEDOC/TV Globo)

Na pesquisa, Rixa destaca que mesmo as novelas mais preservadas e que não estão nas listas acima podem ter capítulos faltantes e importantes.

Tem um perdido de ‘Transas e Caretas’ que a gente acha que quem perdeu foi o ‘Vídeo Show’, de tanto usar aquele capítulo. É um capítulo importante, em que o robô Alcides chega na história – Ricardo Xavier (Rixa)

Inicialmente, segundo Pimentel, o Arquivo de VT’s da Globo ficava no Jardim Botânico. Depois passou a ser em Bonsucesso – Na Rua Diogo Vasconcelos, nº 59 – pela falta de espaço: “O arquivo crescia exponencialmente, todo dia você tinha 6, 7, 8 fitas entrando no arquivo […], o acervo que se imaginava ter uma reserva técnica de muitos anos, na realidade, se mostrou, rapidamente, completamente cheio.” Esse galpão no subúrbio fora alugado no primeiro bimestre de 1984 para servir como almoxarifado de cenografia e figurinos em razão da superlotação de material no Jardim Botânico. Inicialmente, o critério que definiu quais fitas seriam realocadas no galpão de Bonsucesso foi o de mídias menos movimentadas, mas o material era continuamente requisitado para uso, principalmente para utilização em matérias do programa “Vídeo Show”. “Para a utilização dessas fitas, um carro fazia o trajeto Bonsucesso a Jardim Botânico duas vezes por dia, pela manhã e à noite”, conta Bruno Weikersheimer, um dos produtores do Vídeo Show, para o pesquisador gaúcho.

Alcides (Quinzinho), foi o robô de “Transas e Caretas”. (Foto: Reprodução/TV Globo)

 

TRAMAS TOTALMENTE PERDIDAS (E NÃO CITADAS ANTERIORMENTE NA REPORTAGEM)

Nas tramas que foram alvo de remake, como “Meu Pedacinho de Chão” e “os Ossos do Barão”, por óbvio referenciamo-nos à versão original.

  • Meu Pedacinho de Chão
  • O primeiro amor (só há duas chamadas)
  • Bicho do Mato
  • A Patota
  • Supermanoela (Não há registros. Tida como perdida)
  • Cuca legal – uma chamada e um teaser
  • O noviço – duas cenas e a abertura
  • O Homem que deve Morrer – (Não há registros. Tida como perdida)
  • Os Ossos do Barão – Uma chamada e uma cena
  • Cavalo de aço – Chamadas
  • O Semideus – chamadas

Fábio Mássimo, José Prata e Córis Junior em “A Patota”. Segunda novela de Mássimo na Globo e única de Maria Clara Machado como autora (Foto: CEDOC/Globo)

TRAMAS COM CAPÍTULOS AVULSOS QUE PODEM ENTRAR NO FRAGMENTOS OU NO RESGATE

Aqui o grau de preservação é variado, que impossibilita cravar como a Globoplay vai encaixar em sua plataforma. Se como uma obra fragmentada ou resgatada – ou seja, na íntegra. Nas tramas que foram alvo de remake, como “Paraíso” e “Saramandaia”, por óbvio referenciamo-nos à versão original.

  • Paraíso – Faltam 7 capítulos dos 184
  • Selva de Pedra (1972) – Compacto de 76 capitulos, dos 243
  • Escalada – Faltam 6 de 199 capítulos
  • Louco Amor – Faltam apenas tres capítulos, de 167
  • Helena – Cerca de 4 capítulos, de 20
  • Transas e Caretas – Faltam dois capitulos de 167
  • Irmãos Coragem – Compacto de 130 capítulos dos 328
  • Jogo da Vida – Faltam apenas dois capítulos, de 167
  • Feijão Maravilha – Faltam poucos capítulos, mas não se tem a quantidade
  • Mandala – Do original, em185 capítulos, faltam muitos episódios da metade para o fim da trama. Da versão DPI, são 120 capítulos de 50 minutos, mas há muitas faltas de episódios.
  • Saramandaia: Dos 160 capítulos totais, faltam cerca de 35 capítulos da metade para o fim da trama.
  • “O Casarão” (1976), foi reapresentada em versão compacta. A novela tinha previsão de exibição de 35 capítulos, mas foram exibidos 18. Faltam alguns capítulos dos totais, 168, a partir do 125.

Hildegard Angel e Regina Duarte em cena de “Selva de Pedra” (1972) [Foto: Reprodução/TV Globo]

VERDADE SOBRE O QUE ERA PRESERVADO NO PRÉ-INCÊNDIO DE 1976

Em 1976, a Globo pegou fogo e houve uma força-tarefa para preservar o arquivo. Porém, mesmo naquela época, não havia muita coisa guardada. Sarturi ressalta que “havia a necessidade de reaproveitamento do videotape. O diagnóstico inicial encontrado é de 1972: praticamente todos os tapes das novelas passadas foram ‘apagados’, uma vez que a hora de fita virgem custava 800 cruzeiros e as emissoras reaproveitam-nas por questões de economia’. (…) [As novelas exportadas àquela época] saíam só em script. Os produtores e empresários das TVs latino-americanas se interessavam apenas pelos textos, e em seus países faziam adaptações, criando ou matando alguns personagens”, ou seja, as fitas não saíam da Globo.

Bastidores de Anastácia, com Leila Diniz gravando. Novela foi perdida (Foto: Divulgação Globo)

VEJA LISTA DE ALGUNS OUTROS PROGRAMAS PERDIDOS OU PRESERVADOS

  • “Faça Humor, Não Faça a Guerra” (1970/1973) possui apenas 1 edição registrada.
  • “A Grande Família” (1972/1975), em sua primeira versão, conta com menos de 1 dezena de programas preservados, assim como “Chico City” (1973/1979), que também não possui nenhuma temporada inteira.
  • “Satiricom” (1973/1975) tem, ao menos, 2 programas inteiros acervados: 1 em preto e branco, de 1974, e outro já colorido, de 1975.
  • “Planeta dos Homens” (1976/1982), prevalência de programas mais próximos de seu final (como o último).
  • “Os Trapalhões” (1977/1995) é intacto e preservado na íntegra.
  • “Praça da Alegria” (1977/1978), 2 programas: o de estreia, e o de nº 79.
  • “Kika & Xuxu” (1978) e “Super Bronco” têm 2 episódios cada.
  • “Vila Sésamo” (1972/1975) tem 3 edições preservadas.
  • “Shazan, Xerife & Cia” (1972) tem cerca de 6 episódios preservados.
  • “Sítio do Picapau Amarelo” (1977/1986) foi preservado.
  • “Xou da Xuxa” (1986/1992) é uma incógnita. Bruno Weikersheimer relata uma hipótese não comprovada: “Eu lembro que, quando eu pesquisava, a gente tinha muita dificuldade de pesquisar os anos de 1986 e 1987, só começava a pesquisar a partir de 1988. E aí, quando teve o especial de 20 anos de Xou da Xuxa, em 2006, eu entrei em contato com uma pesquisadora da época, que até me mandou uma planilha de tudo o que estava sendo feito e tal, e ela me falou que o material de 1986 estava com a Xuxa Produções, que na época, parece, o Boni deu o material para a Marlene e não guardou. O que a Globo tinha guardado era do meio de 1987 em diante; o de antes, ela tinha dado para a Xuxa. […] Agora, se é verdade ou se não é, eu não sei, eu não posso afirmar.”
  • “Cassino do Chacrinha” (1982/1988) possui a estreia, com problema técnico no áudio do material; um programa de 1984, no Maracanãzinho, em áudio estéreo, assim como episódios próximos ao final da atração – ocorrida em razão do falecimento do apresentador, em junho de 1988 -, com ao menos 10 edições. “O Chacrinha a gente quase não guardava, […] porque era um programa ao vivo. Depois, a gente recuperou porque o filho do Chacrinha, […] acabou cedendo pra gente de novo, […] e a gente copiou, reeditou, recuperou, […] hoje a tecnologia permite isso, e a gente conseguiu resgatar muita coisa do Chacrinha.”
  • Brasil Pandeiro” (1978/1979), programa apresentado por Betty Faria, é exceção notável, com temporada praticamente na íntegra.
  • “Alerta Geral” (1979/1981), programa apresentado por Alcione, há, ao menos, duas edições na íntegra: a estreia, em 09/03/1979, e uma reestreia de temporada, em 06/02/1981.