No ar em ‘O Cravo e a Rosa’, Taumaturgo Ferreira fala sobre a sua saída de ‘Renascer’: “Fui expulso da novela”


Aguardando a exibição da segunda temporada de “Ilha de Ferro” na Globo e no ar em duas reprises – “O Cravo e a Rosa”, na Globo, e “Os Imigrantes”, novela da Band exibida pela TV Brasil – Taumaturgo Ferreira fala sobre o seu trabalho nas novelas e sobre o fato de haver sido expulso de “Renascer”. Elogiado pelo jornalista e imortal da Academia Brasileira de Letras Arnaldo Niskier pelo seu desempenho em “Andando nas Nuvens”, o ator diz que este, junto com Kuarup e o José Inocêncio na novela da qual fora dispensado, não constam entre seus trabalhos favoritos. O ator também fala sobre sua verve de artista plástico e promete, para breve, uma exposição dos seus quadros, em São Paulo

Taumaturgo Ferreira (Foto: Ale Ruaro)

*Por Vítor Antunes

Aguardando a exibição da segunda temporada de Ilha de Ferro, na Globo, Taumaturgo Ferreira pode ser visto em um grande sucesso que está no ar na TV Brasil, “Os Imigrantes”. A novela de 1981, da Band, vem sendo exibida com bons resultados na emissora estatal, chegando inclusive a pontuar à frente da Rede TV. A obra, escrita por Benedito Ruy Barbosa, figura entre uma das mais importantes produções da história da TV do Morumbi. Nada, porém, supera o escandaloso sucesso da quinta exibição de “O Cravo e a Rosa”, novela transmitida em Edição Especial nas tardes da Globo. O folhetim de Walcyr Carrasco bate os próprios recordes e, ainda longe da exibição de seu último capítulo, já alcançou os 17 pontos de média. Mérito não apenas de seu autor, mas também do diretor, o falecido Walter Avancini (1935-2001) – que teve n’O Cravo, o seu canto do cisne – assim como de seu elenco afinado e personagens carismáticos. Dentre eles, o Januário, vivido por Taumaturgo.

O ator classifica a novela como “Um Oscar na minha carreira. Era uma novela feita por um diretor que eu amava e que a gente se dava muito bem, além de Mario Marcio Bandarra (1955-2021) e Amora Mautner que são grandes amigos. Minha amizade com o Eduardo Moscovis nasce ali e ele meio que se transformou em meu ídolo. Eu assistia mais a novela para vê-lo como Petruchio do que para ver a mim”, elogia. Ferreira prossegue dizendo que “Avancini e Carrasco estavam iluminados nessa novela, que foi um sucesso sob todos os aspectos (…). O núcleo da fazenda era todo muito bacana e nós que o compúnhamos – Eu, Eduardo, Pedro Paulo Rangel, Vanessa Gerbelli e Ana Lúcia Torre formamos uma família e somos amigos até hoje. Quanto ao elenco, de modo geral, ficou aquele carinho, aquela amizade”, diz, saudoso.

Taumaturgo Ferreira viveu Januário em “O Cravo e a Rosa”: “Foi foi a minha volta por cima nas novelas” (Foto: Divulgação/TV Globo)

Inicialmente um personagem pequeno, do núcleo da fazenda de Petruchio (Eduardo Moscovis), Januário ganhou importância na trama, especialmente quando ela precisou ser esticada, justamente por conta do sucesso de sua primeira exibição, em 2001. De perfil irascível, Walter Avancini costumava ser temido pelos atores, mas nas gravações de “O Cravo e a Rosa” já manifestava um outro perfil, segundo o ator: “Nesta época ele era mais tranquilo, mais relaxado, amoroso, não estava pressionando as pessoas. Ele estava mais curtindo, mais risonho. O clima era mais ameno”.

BARRADO NO BAILE

O Cravo e a Rosa” marca um retorno positivo do ator à Globo, depois da grave dissensão ocorrida em “Renascer”, na qual o ator diz haver “sido expulso”. Ele conta: “Na época eu não liguei, mas isso acarretou em muitos desdobramentos. Eu não tive muita noção, inicialmente, do porquê de me haverem tirado. Fui sentindo com o passar dos anos que fiquei na geladeira. Era convidado para fazer alguns trabalhos e era barrado em fazê-los. Até “Renascer” eu vinha numa ascendente na Globo, fazendo trabalhos de prestígio. Cheguei a ser chamado para três novelas ao mesmo tempo, de modo que eu podia escolher qual fazer. Nesta, do Benedito, eu era creditado com destaque na abertura: ‘Taumaturgo Ferreira como José Venâncio’. Daí (diante da demissão), a gente sente um baque. Fui sentindo os reflexos disso com o passar dos anos, já que isso foi afetando a minha carreira. Comecei a perceber que fui barrado no baile”.

Perguntado sobre a motivação do entrevero, o ator aponta: “Eu sei o motivo dessa expulsão: Eu não devia ter feito essa novela! Talvez o Boni, o (Roberto) Talma (1949-2015) ou o Daniel Filho, que gostavam de mim, tenham agido em meu favor na escalação”. Ferreira comenta que, incialmente, tudo parecia ordeiro: “Eu e o diretor, Luiz Fernando Carvalho, estávamos de acordo na composição do personagem, tanto no visual como em seu jeito. Entendíamos que como o personagem havia viajado, morado fora, ele não teria sotaque, o que faria um contraponto com o núcleo rural. De maneira que eu aboli os “oxente” e os “painho” que vinham escritos no texto. Eu não dizia, não por indisciplina, mas por uma questão de coerência. Ninguém me falou que eu devia, necessariamente, dizê-los. Numa gravação, porém, parece ter havido a gota d’água: Eu deveria dizer duas palavras escatológicas à mesa, na hora do almoço. Eu achava que aquele rapaz não as diria, em razão de ele ser educado. Mesmo pressionado, a mantê-las, substituí por algo que mantivesse a ideia original. Talvez este tenha sido o estopim. Todavia, esse desligamento aconteceria, mais hora ou menos hora, já que, talvez, o autor estivesse descontente. O papel não era dos meus sonhos mas eu estava ali, jogando a regra do jogo”, detalha.

Ainda sobre este, que foi seu segundo trabalho com o roteirista, Taumaturgo pondera: “Eu acho que o Benedito Ruy Barbosa foi ficando de saco cheio de mim. Eu, no lugar dele, se estou escrevendo uma novela de sucesso, eu vou querer minimizar os problemas. Se há um ator encrencando eu vou limar ele. Mas, pensando sob minha ótica, eu nunca fui arrogante ou dei chilique, eu sempre fui um doce de coco. Sempre fui um cara que obedece hierarquia em todos os lugares. Na época diziam que o meu personagem era muito afetado e que não combinava com a novela, o que eu até concordo, de certa maneira. Porém, depois da minha ‘expulsão’, correu a fama de que eu era ‘bad boy’, que eu parava a gravação para determinar o que ia ser dito ou não. Ou seja, passaram a se valer disso para fazerem o que quiserem com a minha imagem. Se fosse hoje eu seria cancelado. Não fui por que na época não existia cancelamento”.

Renascer” foi uma das primeiras novelas a discutir a questão da intersexualidade, à época chamada de ‘hermafroditismo’. Este recorte, inclusive, não tornou a ser abordado em nenhum outro folhetim desde então. O personagem vivido por Taumaturgo tinha um enlace romântico com Buba, vivida por Maria Luísa Mendonça, que estreava na TV.

Ao tratar sobre esse episódio marcante, Taumaturgo cita o ator Al Pacino, dizendo que “A ele, numa época, sempre perguntavam sobre ‘O Poderoso Chefão’. No meu caso. os temas eram todos voltados ou à Malu Mader – minha ex-mulher – ou à expulsão de ‘Renascer’. Embora eu tenha feito papeis marcantes, todos iam neste mesmo tema. Isso acabou gerando tititi de todos os lados e eu fiquei triste, no meu canto, sem falar nada. Hoje em dia eu adoro contar esta história”, relata.

Taumaturgo Ferreira em “Renascer”: “Eu não devia ter feito essa novela! (…). Eu acho que o Benedito Ruy Barbosa foi ficando de saco cheio de mim” (Foto: Divulgação/TV Globo)

UM ELOGIO ESQUECIDO E OS PAPÉIS ‘ESQUECÍVEIS’

Entre “Renascer” e “O Cravo e a Rosa”, Taumaturgo viveu um personagem na novela “Andando nas Nuvens”, de Euclydes Marinho. Embora tenha recebido uma menção elogiosa pelo imortal da Academia Brasileira de Letras Arnaldo Niskier, pela difícil composição do personagem, um malandro carioca de português impecável e que tratava a todos na segunda pessoa (Tu vais, tu queres), Ferreira diz não ter boas lembranças deste papel, que não gostara de fazer. Nem mesmo sabia desta crítica positiva, da qual se surpreendera. Quanto a esta novela, relembra: “Fiquei tão traumatizado com a novela anterior, “Renascer“, que nesta eu dizia o texto tal qual estava escrito. Cheguei a perguntar a um dos diretores o motivo de o personagem falar assim e ninguém sabia a razão.

Outro trabalho que, embora premiado, não consta entre os favoritos do ator, é aquele que desempenhara em “Kuarup”: “Pra mim foi uma experiência riquíssima ficar quatro meses no Xingu, conviver com aquele elenco e as pessoas, acampado na beira do Rio, num acampamento meio hollywoodiano, em meio à selva, e trabalhar com o Ruy Guerra, mas (…) eu não curti o meu trabalho especificamente. Não acredito estar bem no filme. Não fiquei feliz com o resultado do meu trabalho. Renascer, “Kuarup” e “Andando nas Nuvens” são os trabalhos nos quais eu menos gostei, por mais que tenham havido críticas favoráveis”.

Taumaturgo Ferreira em “Kuarup”. Embora com críticas positivas o ator não gosta do seu rendimento no filme, que foi indicado à Palma de Ouro em Cannes (Foto: Arquivo Pessoal)

UM GALÃ TRANSGRESSOR

Em alguns papéis coube a Ferreira viver personagens que, originalmente, teriam o perfil de galã, como em “Mandala” e em “Top Model”. Porém a leitura que dera aos seus papéis, segundo ele, podem ter transgredido muito do arquétipo do mocinho, razão pela qual pode haver prejudicado, também, sua carreira neste segmento: “Nos meus galãs eu renegava a visão tradicional, mais careta, romântica. Eu sempre puxava pro lado mais debochado, mais ‘marrento’, eu não queria cair no perfil do ‘galã romântico’, o que talvez possa ter sido um erro. Fui direcionando os meus galãs pro perfil dos atores que eu gostava, como o Luiz Gustavo (1934-2021), o Renato Aragão, o Ronald Golias (1929-2005)… Guiando-os para um perfil mais cômico, de modo que havia diretores que não gostavam disso. (…) Não que eu me arrependa, mas eu acho que isso pode ter me prejudicado um pouco, não ter tido o veio de notar isso”, analisa ele, que foi o protagonista masculino de “Top Model” e da primeira fase de “Mandala” – onde era sugerida uma bissexualidade em seu personagem, Laio – além de ter vivido um conquistador loroteiro Urubu, de  “Anos Dourados”. Na época de “Mandala”, o ator relembra que, numa eleição promovida por O Globo, as telespectadoras o colocaram à frente do protagonista de “9 semanas e meia de amor”, o americano Mickey Rourke.

O tom cômico que imprimia nestas personagens acabou revelando-lhe uma grata surpresa. Chico Anysio inspirou-se em dois personagens vividos pelo ator para inventar um novo: O “Jovem”. Segundo conta-nos o homenageado, Anysio somou o Ray de “Hipertensão” ao Laio de “Mandala” e criou um tipo novo. Todavia, ele e Anysio não se conheciam. Encontraram-se pela primeira vez quando Taumaturgo e sua então companheira Malu Mader foram à gravação do “Chico Anysio Show”.

Também transgredindo o que se espera de um galã tradicional, Tatá (como é chamado pelos amigos), conta-nos que no seu “happy end” não há um casamento e filhos. Aos 66 anos, não casou e não teve herdeiros por escolha própria: “Não me arrependo por não ter casado e não ter tido filho. Desde garoto eu já tinha essa ideia. Eu achava algo chato, careta, embora eu priorize a minha família e amigos. (…) Eu acho muito difícil pra um ator ter filho e família. Na minha cabeça, a gente tem que acabar aceitando tudo o que é personagem em razão de ter uma família pra cuidar. (…) Como eu acho que sou muito certinho eu ia querer estar “com a vida ganha” para ter um filho. Não que eu ache que dinheiro seja o principal, mas eu não sei como eu lidaria com a minha carreira tendo filhos para cuidar”, justifica.

Taumaturgo Ferreira sob as lentes de um fotógrafo atípico (Foto: Cauã Reymond)

Da infância, além da certeza de não casar-se, ficou o gosto pela arte plástica. Dedicou-se com mais afinco a ela a partir de 1997 e seu talento começou a ganhar vulto, coisa que o assustou inicialmente: “Eu não queria que tivessem a mim como ‘O ator que pinta. Não queria aparecer no Jô Soares ou no Vídeo Show como ‘um ator que faz um bico vendendo quadro’”. Porém, mesmo sob seus protestos iniciais, suas pinturas começaram a fazer sucesso, foram compradas por outros artistas e sua última exposição foi montada em 2005. O múltiplo artista planeja uma nova exibição ainda para este semestre.

Sem saudosismo e renegando a possível imagem de rebelde ou bad-boy criada à sua revelia, o ator olha para a própria trajetória de maneira objetiva, pragmática: “Eu não sou apegado aos trabalhos (…). Dizem que o difícil é começar a carreira, mas creio que o mais difícil é mantê-la e de forma nivelada (…). Para mim essa profissão é uma aventura e eu gosto dessa aventura de não saber o que vai acontecer, ou quando será o novo papel. Eu li uma entrevista do Al Pacino e ele diz ‘Não tenho planos. Eu apenas sigo o fluxo’. A única diferença é que o fluxo dele é meio diferente do meu. O dele talvez seja o de uma foz do Amazonas, o meu, o de um riozinho mais modesto”, diz, com bom humor. Rio caudaloso ou intermitente, não se pode negar que depois de anos de carreira, o fluxo corrente de personagens e de vidas criadas por Taumaturgo Ferreira, seguem, inexoravelmente, seu caminho rumo ao mar.

Taumaturgo Ferreira e a namorada Janne Saviano (Foto: Reprodução/Instagram)