Milton Cunha ganha programa na Globo, destaca enredo do carnaval 2023 e celebra identidade gay


Um palavrório rebuscado dito de maneira bem-humorada e personalíssima. Milton Cunha conquistou uma grande simpatia do público telespectador com seu jeito erudito-e-espalhafatoso definido por ele mesmo como sendo parte de seu “DNA de Carmen Miranda”. Prestes a retornar ao ar com o programa “Seleção do Samba”, no qual revela o processo de escolha dos sambas-de-enredo para o carnaval de 2023, Milton detalha o formato do show, que pela primeira vez acompanha, de dentro das quadras, o concurso de escolha das canções carnavalescas para o carnaval vindouro. O artista fala, também, sobre o preconceito pelos quais os gays são alvo mesmo no carnaval, que costuma ser interpretado como uma festa democrática e inclusiva: “A demanda, ao me contratar, ela tem que bancar essa personalidade (…). Desde que eu nasci tenho a pecha da “pintosa”, da bicha escandalosa. Isso me persegue desde sempre”

O comunicador Milton Cunha estreia programa na Globo, destaca enredo do Carnaval 2023 e celebra identidade gay (Foto: Rodrigo Lopes)

*por Vítor Antunes

Em 2021, por ocasião da crise provocada pelo coronavírus, a TV Globo estreou um novo programa sobre carnaval em sua grade, o “Seleção do Samba”. Naquela ocasião, Milton Cunha se manteve como comentarista do programa que foi apresentado por Luís Roberto no Rio de Janeiro e Chico Pinheiro, em São Paulo. Para a temporada 2022/2023, Milton estreará como apresentador do projeto. Ainda que já tivesse larga experiência como comentarista de carnaval na Band e CNT, Milton Cunha migrou, efetivamente, para caminhos da comunicação após seu último trabalho como carnavalesco, na Acadêmicos do Cubango em 2010. Em 2013 passou a integrar o time do Carnaval da Globo, onde está até hoje. No próximo carnaval, Milton completará 10 anos nesta função. Para o carnaval 2023, o artista é elogioso quanto à safra de enredos – quesito no qual fora recorrentemente premiado na época em que era carnavalesco – e aponta o da Beija-Flor, bem como sua equipe criativa, com destaque para o Carnaval 2023. Milton também enaltece o time criador da Grande Rio, campeã em 2022. Artista salienta que sua personalidade “pintosa” é sua marca, da qual não abdica: “[Sou] o viado que gosta de aparecer? Sim, gosto de aparecer. E qual o problema?”

Livros, programa e 10 anos como comentarista da TV Globo. Um 2023 rico na carreira de Milton Cunha (Foto: Rodrigo Lopes)

UM RAPSODO

Uma linguagem específica e técnica do fazer carnavalesco que se mescla ao pajubá – linguagem gay – e a um português impecável e superlativo. A mistura, que poderia não dar certo diante da complexidade, acabou transformando-se num contato direto, e divertido, de Milton Cunha ao seu público. Nascido em Soure (PA), o rapsodo contemporâneo lança mão de sua expertise técnica e “canônica” – em suas palavras – para apresentar o programa “Seleção do Samba”, projeto da TV Globo que estreia dia 12, num formato diferente daquele exibido em 2021: “Ano passado fizemos o programa possível, por ocasião da pandemia. Como não havia atividades em quadra, não houve final de samba-enredo.Tudo foi num estúdio, com máscara, testes, distanciamento, uma doidice em decorrência do temor do vírus. Depois, com a vacina, temos as quadras cheias, o carnaval em suas datas corretas, esplendor e glória”.

Desde o princípio dos desfiles carnavalescos há um concurso para a escolha dos sambas-de-enredo, a trilha sonora das agremiações. Esse concurso, emocionante e disputadíssimo, ocorre na quadra das escolas de samba. No último carnaval, ainda por conta da pandemia, as quadras das agremiações ficaram fechadas e a escolha dos hinos ocorreu num ambiente controlado, com gravações na Cidade do Samba (Rio) e na Fábrica do Samba (SP). A TV deu a esta liturgia carnavalesca o ar de talent show e transmitiu o programa entre os meses de outubro de novembro de 2021.

Os sambistas gostaram do programa mas queriam que ele fosse feito também na quadra, já que trata-se de uma grande festa comunitária – Milton Cunha

Luís Roberto, Milton Cunha e Teresa Cristina na temporada 2021/2022 do “Seleção do Samba” (Foto: Leandro Ribeiro/TV Globo)

Milton detalha sobre o que esperar da atualização do formato o “Seleção do Samba” da temporada 2022/2023: “Trata-se de um documentário sobre a grande final dos sambas de enredo na quadra. O programa vai trazer a fala dos carnavalescos, além do depoimento de três personagens por escola de samba. Geralmente, uma pessoa mais velha, que viu a escola nascer, crescer e se firmar. Essas pessoas, via de regra, são as baianas, os compositores, a Velha Guarda ou Mestres de Bateria. Alguns jovens terão espaço de fala também, como a Mayara Lima, do Tuiuti, uma moça que nasceu na comunidade e transformou-se em rainha”. A personalidade a quem refere-se o apresentador, Mayara Lima, era musa da escola e viralizou na Internet ao protagonizar uma coreografia sincronizada com os percussionistas da agremiação de São Cristóvão. O sucesso da beldade acabou fazendo com que ela, por aclamação popular, fosse escolhida a Rainha da Bateria da escola.

Cunha prossegue, destacando sua participação: “Minhas chamadas foram feitas direto da Sapucaí e do Anhembi. De lá conto um pouco da história da escola para dar um lastro cultural para o programa. Neste haverá a participação dos carnavalescos, uma roda de samba… É uma mistura grande de atrações, que culmina, claro, com a escolha do samba finalista. São 12 sambas no Rio e 14 escolas em São Paulo. É um programa bem animado, cheio de amor pelas escolas. Acho que o programa é um elogio, uma homenagem aos poetas populares, aos compositores que criam os grandes sambas. Eu me orgulho muito de a Globo haver me chamado para apresentar este programa. Eu acredito muito no produto. Acho que ele entrega para o povo de fora da bolha carnavalesca a importância cultural e das agremiações para as comunidades e para a história da cultura brasileira. Para a bolha do carnaval, atinge-a por que ela quer que os seus sejam celebrados. É bonito ver a exposição das pessoas do samba para o Brasil. A bolha do carnaval já sabe o samba que ganhou, mas o pessoal de fora não sabe nada, sequer que houve um concurso”. Quando o carnavalesco faz menção à bolha do carnaval, refere-se aos torcedores apaixonados e aficionados pela festa, que acompanham feericamente as novidades relacionadas à festa.

Eu já estou com 60 anos e, agora, a TV Globo me deu esse programa para eu apresentar e pelo qual eu estou esperando há 60 anos – Milton Cunha

Cobrindo o Globeleza desde 2013, Cunha é o único a permanecer na equipe desde então. Tanto o quadro de apresentadores como de comentaristas mudou: “Lá na Globo, eu sou o mais antigo do carnaval. Todos vieram depois de mim. Eu tenho vocação, tenho obstinação. Eu não tenho problema em fazer o programa, contanto que eu tenha a liberdade de ser eu e fazer aquilo com glória. Eu fico muito feliz de estar ali de ter vivido honrando os meus valores e o que eu acredito”.

Milton Cunha em seu primeiro ano como comentarista do Carnaval Globeleza, em 2013 (Foto: Reprodução/TV Globo)

DISCOS, LIVROS E MUITO MAIS

Milton Cunha lançou, em 2021, o livro “Viva e Aproveite”, pela Faro Editorial, onde faz observações sobre a vida e dá aconselhamentos de autoajuda. Além deste, Milton projeta lançar para breve mais dois projetos literários. Ambos com recortes específicos: Um deles trata-se de uma fotobiografia e outro, um ensaio – livro técnico – sobre semiologia: “Durante a pandemia eu reuni mais de 2000 fotos que estavam comigo, espalhadas. Há registros fotográficos desde o meu primeiro aniversário, em 1963, até fotos minhas já adulto, onde eu apresento fotografias e o contexto em que elas estão inseridas. Trata-se de um projeto muito emocional. Paralelamente a isso, vou lançar um projeto literário sobre a semiologia dos desfiles das escolas de samba, ou seja, um livro técnico sobre significante, signo dançado, o samba enquanto signo, bem como as ciências semióticas”.

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Milton Cunha estreou como carnavalesco solo em 1994, na Beija-Flor de Nilópolis e permaneceu nesta função até 2010, quando esteve na Acadêmicos do Cubango. Em sua trajetória profissional, seus enredos eram conhecidos pela originalidade e robustez que lhe valeram três Estandartes de Ouro na categoria – Nos anos de 1998 (União da Ilha), 2002 (Unidos da Tijuca) e 2003 (Unidos da Tijuca). Sob algum aspecto, há elementos em comum com Rosa Magalhães, sua maior inspiradora no segmento. “Eu e a Mestra vimos de uma formação erudita, a contrário dos nossos contemporâneos, que vinham da prática do carnaval. Nós somos do cânone, da pesquisa, da memória. Trouxemos esta questão para o carnaval de forma muito declarada e forte como características da nossa obra. Muito me envaidece em estar ao lado de uma mulher, uma quality woman como ela, que é inteligente, competente, fabulosa”.

Perguntamos ao Professor como ele enxerga a recente valorização do quesito Enredo no desfile das escolas de samba, quais são os novos talentos do carnaval:

Há os carnavalescos da Grande Rio, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que também são vindos desse grupo da intelectualidade carnavalizada. Ainda desta agremiação, destaco o historiador e pesquisador Vinícius Natal, que tem grande qualidade em seu texto. Destaco, também, o carnavalesco André Rodrigues e o enredista Mauro Cordeiro, da Beija-Flor. São dois incríveis pesquisadores que vêm fazendo enredos críticos desde o ano passado ao lado de Alexandre Louzada – Milton Cunha

Ainda sobre o enredo da escola de Nilópolis, ele diz: “Destaco a Beija-Flor, que está vindo com uma crítica à noção de Independência do Brasil, relembrando que tratou-se de uma independência forçada que coloca o povo num lugar silencioso, emudecido. [Chama a minha atenção] alguns trechos do samba como “Baixada em ato de rebelião”, e “viva a cultura popular”. É uma postura de embate bem direta, bem declarada. Tem muita coisa afro, política e social. Não trata-se de algo partidário, mas político no sentido humano de viver, de retomar posições. É uma maravilha uma escola de samba trazer isso tudo e trazer refletir o pensamento dos seus artistas jovens. Tem uma galera aí muito boa, muito consciente da importância da comunidade então estamos vivendo novos tempos de forma bem contundente”, analisa.

Milton Cunha destaca o enredo da Beija-Flor, seus carnavalescos e enredistas e a equipe criativa da Grande Rio para o Carnaval 2023 (Foto: Divulgação)

Milton acredita que a erudição não deve silenciar o recorte popular do carnaval, mas pode complementá-lo: “Cada vez mais é necessário tentar maneiras para que a erudição não afaste os enredos do povo. Ela tem que ir ao encontro do povo, em seus braços e colo. A erudição não poderá ser uma bloqueadora do pensamento. O carnaval é cultura, diversão, festa. A partir dali você pode pesquisar e estudar. O desfile é uma celebração. Os intelectuais descolados proporcionam espetáculos inteligentíssimos”.

Do início dos Anos 2000 até meados da década de 2010, houve uma grande profusão de enredos que eram duramente criticados em razão de serem patrocinados. Por esta razão, desfiles que traziam cidades ou países obscuros à cena foliã acabaram por ganhar um apelido especial nomeado pela bolha carnavalesca: Os “enredos CEP”, um trocadilho com o Código de Endereçamento Postal dos Correios. Um caso simbólico nos enredos patrocinados foi quando uma grande fábrica de iogurtes patrocinou o desfile da Unidos do Porto da Pedra, em 2012, o que acabou por rebaixá-la ao Grupo de Acesso. Outro exemplo simbólico de enredo CEP foi quando a Viradouro homenageou a cidade de Sorriso (MT). De 2017 pra cá, especialmente depois do corte de verbas públicas proposta pelo ex-prefeito Marcelo Crivella, os enredos ganharam outro tom. Passaram a ser mais críticos politicamente e/ou afro-centrados.

Milton Cunha saúda esse “reencontro” das escolas de samba com suas raízes “[As agremiações] sempre lutaram para falar delas mesmas. Claro, há horas em que precisaram apelar para os enredos patrocinados ou para os CEP, mas na maioria das vezes ele esteve lutando bravamente por ela mesma. Os enredos afro fazem parte da vida comunitária e as escolas de samba têm laços profundos com o candomblé. [Os temas afro-centrados] tem a ver com a vivência comunitária e este é sempre um tema que está dentro do interesse das agremiações, que costumam realizam bem os enredos com este tema e trazem junto com eles palavras na língua bantu, iorubá e nagô, vide o sucesso do enredo sobre Exu no carnaval deste ano na Grande Rio”.

E o artista prossegue: “A crítica social e política está mais presente depois das propostas trazidas por Leandro Vieira em Mangueira. Esse efeito carrega um posicionamento crítico de enfrentamento da escola de samba versus o ataque neopentecostal da extrema-direita conservadora. Foi uma forma de aos anos Crivella e Bolsonaro. Havia uma crítica social e política nos desfiles de Joãosinho Trinta (1933-2011). O falecido carnavalesco sempre trouxe em seus desfiles alguns conceitos como “A ganância de Brasília”, ou “O desvario da cúria religiosa”, mas era um enfrentamento num campo da fantasia. O grito dos excluídos dele também estava num campo de fantasioso e de carnavalização, ainda que veemente. O dos carnavalescos atuais, não. Traz sangue exposto no chicote, como o foi no desfile do Paraíso do Tuiuti (2018), que abordou a questão dos trabalhadores brasileiros desde a escravização da negritude e aos dias atuais. É mais cru, é mais lágrima, ainda que de forma fantástica, pois que estamos no terreno da carnavalização”.

Milton Cunha afirma que a partir da gestão Crivella os enredos passaram a ser mais críticos (Foto: Divulgação)         

“EU TENHO O DNA DA CARMEN MIRANDA”

“Eu não senti nenhum entusiasmo com esse enredo de Margareth Mee, Mee, Mee, essa mulher que pintava florzinha não. (…) Mas esse menino conseguiu desenvolver no papel bem feito extraordinário. Nota-se que esse carnavalesco é virgem e [sic] está perdendo o negócio dele aqui”. Foi assim, de modo quase descortês, que Milton Cunha foi apresentado durante a transmissão da TV Manchete por Fernando Pamplona (1926-2013) em seu primeiro carnaval pela Beija-Flor. Naquele ano, 1994, o enredo da escola de Nilópolis era a botânica inglesa Margareth Mee (1909-1988). Pamplona, assim como Milton o é atualmente, deixou de ser carnavalesco para trabalhar como comentarista de televisão, bem como era professor da Escola de Belas Artes da UFRJ.

Milton Cunha e o “terno colorido pioneiro” em seu primeiro ano como carnavalesco da Beija Flor (Foto: Reprodução/TV Manchete)

Ainda em seu ano de estreia, Milton diferenciou-se da sobriedade com a qual os carnavalescos vestiam-se e davam entrevistas aos jornalistas, e ainda à extinta emissora, apresentou-se trajando um blazer estampadíssimo pleno em flores, ocasião onde anunciou que permaneceria na escola de Nilópolis e faria, em 1995, o aclamado desfile em homenagem à cantora lírica Bidu Sayão (1902-1999). Nos anos seguintes, foi radicalizando em seus figurinos, o que passou a ser sua marca registrada:

Eu gosto disso, do palco, da luz, do figurino, eu trago isso comigo e é algo inegociável. Eu não me ajusto à demanda. A demanda, ao me contratar, ela tem que bancar [essa personalidade]. Eu não consigo abrir mão de nada. Eu vou lá com meu jeito, minha voz, minhas roupas. Desde que eu nasci tenho a pecha da “pintosa”, da bicha escandalosa. Isso me persegue desde sempre e eu sou histriônico, sou ator. Minha vida é esta trajetória longa. É uma vida de luta – Milton Cunha

Sobre sua personalidade, recorrentemente tida como exagerada ou extravagante, o apresentador define: “Eu acho que demora para as pessoas entenderem o muito o que eu sou. É muito mais palatável uma humildade encenada. Não faço essa linha! Eu tenho o DNA da Carmen Miranda (1909-1955). Eu sempre acho que essa persona chega muito na frente. Na cabeça do público a minha reputação é mais que a minha competência. E eu sempre contei com a ajuda de pessoas como o Miguel Atahyde [produtor de jornalismo] e o Boninho [J.B. de Oliveira, diretor de TV], que me enxergaram para além do enfeitado. Eu sou produto deles, na televisão. Já no carnaval eu sou produto do Anísio [Aniz Abraão David, patrono da Beija-Flor]. Aliás, apresentei-o para a Fabíola David. O filho deles, Gabriel David, é diretor de marketing da Liga das Escolas de Samba, e é de uma inteligência, uma perspicácia, tem um olhar incrível para as questões internéticas e midiáticas, sem, no entanto esmigalhar as tradições. Gabriel David tem me dado oportunidades incríveis e o “Seleção” é um formato dele com a Endemol/Globo. A transmissão dos ensaios técnicos? Bota o Milton. Ele está fazendo isso há quase que 50 anos e eu vou lá e honro o meu projeto”. Inclusive, tratando-se da Internet, Milton aproveita-se do fato de haver se tornado uma personalidade icônica da plataforma, justamente por sua irreverência:

Eles, da Internet, gostam, elogiam, brincam. Chegaram a propor que eu fosse o Ministro das Plumas e dos Faisões do Governo Lula e eu disse “Aceito, aceito!” – Milton Cunha

Milton Cunha: “Tenho o DNA da Carmen Miranda” (Foto: Rodrigo Lopes)

Sobre os seus seguidores nas redes sociais, o artista acredita que eles os veem como “O viado do carnaval, dos ternos coloridos. O que me alegra é que eu não espantei esta geração, a contrário daquela dos Anos 80 e 90. Os millenials nem perdem tempo com preconceito. A Internet me fez parecer discreto perto das loucuras que eu vejo, e eu vivi toda essa transição, quando corríamos da Polícia, na época dos Dzi Croquettes ou da Rogéria (1943-2017). Eu vi a grande revolução sexual dos anos 1980, da AIDS, da demonização dos gays, sobrevivi e resisti. Agora, do alto dos meus 60 anos eu sou muito ajudado pela juventude.

 Vejo a minha geração mais rancorosa e acho que eles olhando para trás, percebem que perderam muito tempo. Eu acho que rola entre eles uma tristeza quando olham para mim e constatam que eu não abri mão do que eu sou. E eu não negocio, eu vou. Eu me admiro, sei que estudei, que vivi.  Eu não deixo a maldade dos outros interferir em mim. Os valores dos outros não me definem.  Eu me defino e me estruturo enquanto vontades. Eu faço o que eu quero e não as demandas que me agridem – Milton Cunha

Retomando a frase de Pamplona, que classificou o enredo sobre as bromélias de Margareth Mee como uma coisa “de florzinha”, ou sobre o ex-diretor de carnaval, já falecido, que dizia que Milton Cunha devia ser menos “afetado”, o rapaz de Soure, que enfrentava o banzeiro dos rios amazônicos, precisou flagrar-se diante do preconceito na cidade grande para firmar-se como artista nas escolas de samba, cujos dirigentes, em boa parte das vezes, têm cabeças mais embrutecidas. Pode-se dizer que, entre plumas de faisão albino, aljofres e brocados, venceu: “Há uma nova geração de administradores de escola de samba e da Liga, que me tratam como um profissional. Perdeu-se essa coisa de dizer “Ah! Ele é muito viado e gosta de aparecer”. Aos que dizem isso, respondo “Sim, gosto de aparecer. Qual o seu problema? Você é plateia, meu amor. E eu? Eu sou a estrela!”.

Milton Cunha: Às favas com o preconceito (Foto: Raquel Cunha/TV Globo)