“Vamos acordar meus amigos jovens que estão em festas clandestinas! Há vidas em risco”, diz ator Michel Joelsas


O ator de 25 anos que protagoniza a série ‘Boca a Boca’ da Netflix fala sobre o trabalho que parece ter ‘previsto’ o que viveríamos hoje. Michel ficou conhecido aos 10 anos, no filme “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”, de Cao Hamburguer, pelo qual foi indicado a diversos prêmios.
Ele comenta sobre a super exposição a que muitos jovens têm se submetido, frequentando bares e festas, parecendo não se importar muito com a contaminação e transmissão do coronavírus para o próximo e a própria família: “Conheço pessoas que militam por causas sociais, mas em relação à Covid-19 não estão tendo comportamentos tão sensíveis ou sensatos”

Michel Joelsas: “Vamos acordar meus amigos jovens que estão em festas clandestinas! Há vidas em risco”

*Por Brunna Condini

O ator Michel Joelsas, o Chico da série ‘Boca a Boca’ da Netflix, criação de de Esmir Filho, vem sendo muito elogiada. Mas o que chama mesmo a atenção na trama, é a coincidência com o drama da vida real em que estamos inseridos neste ano pandêmico. Em ‘Boca a Boca’, o tema é a epidemia de uma doença desconhecida transmitida através do beijo e, apesar do timing com a atualidade, a série foi criada há dois anos. Aos 25 anos, Michel comenta sobre a super exposição a que muitos jovens têm se submetido, frequentando bares e festas, parecendo não se importar muito com a contaminação e transmissão da Covid-19.

É um paradoxo em tempos que a juventude vem levantando tantas questões de diversidade, representatividade… “Acho que o ser humano é difícil de ser decifrado, é muito complexo. E isso também intriga a gente. Conheço pessoas que são super conscientes, que realmente lutam por causas progressistas, que militam e vivem em função de questões e causas sociais, raciais, e toda a questão de conscientização, e que em relação à Covid-19 não necessariamente estão tendo comportamentos tão sensíveis ou sensatos. E também conheço o contrário. Pessoas próximas, que não são envolvidas nestas causas diretamente ou como ativismo, mas que estão muito conscientes em relação à pandemia. Acho tudo muito delicado. Estamos vivendo uma pandemia, vidas estão em jogo, sei que as circunstâncias estão difíceis para todo mundo, tento não julgar, mas precisamos fazer o nosso melhor. Se você não precisar, evite sair de casa. E se sair, faça o seu melhor, tome o máximo de cuidado, use máscara, preste à atenção na higiene, fique distante das pessoas, evite aglomeração”.

“A carreira de ator no Brasil é muito difícil. Ter tido uma oportunidade logo cedo, e ter começado em um filme como esse, foi uma dádiva” (Foto: Fabio Audi)

E acrescenta: “Sobre pessoas que estão indo para festas clandestinas, não tem nem o que falar. Meus amigos jovens, vamos acordar! Têm pessoas em risco. Sei que dá vontade, somos jovens, queremos que aconteça muita coisa, entendo, mas vamos segurar, vamos juntos, a gente consegue”.

O paulista também analisa o impacto da ausência de contato físico para sua geração no momento. “Faz muita falta ficar sem tocar. Sou muito do toque, afetuoso, acho uma delícia. Adoro adentrar o território do outro, o corpo do outro, tocando. Mas estou tentando substituir isso de outras maneiras. Com muita arte, com o olhar. Os olhares também mudaram com as pessoas usando máscaras. Tudo ficou mais expressivo”, afirma. “Não estou namorando no momento. Não sinto falta, porque não tem ninguém que me atravessou, instigou, fez meu olho brilhar. E nem falo só de amor. Até porque chega um momento que só amor não basta. Precisamos criar algo físico e fazer acontecer. Além disso, tenho vivido um processo comigo mesmo gostoso, uma solitude boa”.

Michel Joelsas com Iza Moreira e Caio Horowicz em cena de ‘Boca a Boca’, da Netflix (Divulgação)

O ator ficou conhecido ao protagonizar, aos 10 anos, o filme “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”, de Cao Hamburguer, pelo qual foi indicado a diversos prêmios. Isto porque, em seu primeiro trabalho, ele já mostrava a sensibilidade que lhe levaria além. “A carreira de ator no Brasil é muito difícil. Ter tido uma oportunidade logo cedo, e ter começado em um filme como esse, foi uma dádiva. Poder viver outras possibilidades na sequência também. Eu amo ser ator. Vou trabalhar feliz. É sempre um desafio, tem conflito, mas amo isso, sempre amei. Estar neste mundo tem ternura e mágica. E ter entrado neste universo tão cedo, também é uma graça do universo, é mais que uma vantagem”, diz Michel. “Por outro lado, iniciar uma carreira ainda criança, sem necessariamente ser ator ainda, te expõem a diversas circunstâncias. Não é simples, fácil. Ainda mais com 10 anos, em uma fase de crescimento. Tive que criar ambientes de segurança”.

“Faz muita falta ficar sem tocar. Sou muito do toque, afetuoso, acho uma delícia. Adoro adentrar o território do outro, o corpo do outro, tocando” (Foto: Fabio Audi)

Dentro das dificuldades do ano em que a humanidade ‘saiu de férias’  de si mesma, ele avalia: “Foi difícil ficar longe de sala de ensaio e set de filmagem. Isso me completa muito. Me expresso como ser fazendo arte, filmes, séries, teatro. Sinto muita falta disso e de estar ao vivo também com pessoas que quero estar. É uma sensação que a vida parou um pouco, já que fica difícil neste momento estarmos totalmente abertos aos acontecimentos do dia a dia. Tudo mudou. De poder conhecer pessoas novas a fazer uma viagem, tocar a vida. É uma falta de sentir a vida livre”.

Acha que a sua geração pode mudar a maneira de se relacionar por conta das restrições de contato, que ainda devem seguir por um tempo? “Acho que sim. E acho até que já mudou um pouco. Principalmente porque jovem tem um prazer pelo novo. Seja por pessoas, oportunidades ou acontecimentos. Neste momento, estamos nos relacionando com tudo isso de uma maneira mais restrita. Acho que cada um está lidando de um jeito, mas é fato que estamos nos relacionando menos, e ao mesmo tempo, estamos com mais atenção para as relações também. Tenho conversado muito sobre isso com meus amigos”.

“O jovem tem um prazer pelo novo. Seja por pessoas, oportunidades ou acontecimentos. Neste momento, estamos nos relacionando com tudo isso de uma maneira mais restrita” (Foto: Fabio Audi)

Ator e ser humano caminhando juntos

Michel sempre quis ser ator, mas nem por isso deixou de experimentar outras possibilidades. “Não tenho artistas na família, mas tenho gente muito sensível. Essa decisão de ser ator, na verdade, durante quase toda a adolescência foi um conflito dentro de mim. Havia momento que eu desejava muito, estava apaixonado e quando estava num set era tudo o que eu queria fazer. E em outros, eu tinha curiosidade de tentar outras coisas. Tanto que quando prestei vestibular foi para cinco cursos diferentes, que iam de comunicação, passando por engenharia, administração, até cinema e teatro. Acho que a ficha caiu mesmo, quando conheci mais o mundo não artístico, corporativo e me assustei. Pensei: de jeito nenhum. Precisei sair do mundo mágico artístico e conhecer outra coisa, daí reconheci como é natural, essencial estar neste meio. E como eu quero e me desafia. Como cada vez mais desejo vencer essa arrebentação do meio artístico e surfar essas ondas também, estar sempre neste processo”.

Com personagens marcantes no audiovisual, o ator deu vida ao Fabinho no premiado “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, e conta como o filme transformou sua percepção do mundo. Aliás, se não for para se deixar impactar, Michel nem vai. “Esse longa me marcou muito. Foi o último trabalho em que atuei sendo um não ator. Ainda não tinha me assumido como ator. Ainda vivia aquela dualidade que eu te contei, na escolha do que queria fazer, sobre o que eu era. Tinha uma inquietude de final de adolescência. Então o filme também representou várias questões pra mim. Primeiro como cidadão brasileiro, de enxergar o que eu representava nesta estrutura social, e também com questões pessoais minhas”, recorda.
“Esse filme mudou a vida de todo mundo que estava ali. Lembro que quando o assisti pela primeira vez, apesar de ter participado de todo processo criativo e ter consciência do que eu estava fazendo, quando acabou, sentia uma angústia forte dentro de mim. Saí da sessão e fui para um canto chorar. Não me caiu bem ver aquele espelho do Brasil tão desigual. E que eu fazia muito parte dessa estrutura. Isso me marcou e abriu minha visão neste sentido, de começar a entender os privilégios que eu representava ali e que precisava começar a abrir mão”.

Com Regina Casé no premiado “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert (Divulgação)

E dentro das experiências e resoluções deste ano que serão levadas para 2021, ele quer continuar estudando roteiro, pretende dirigir também, quer fazer mais de tudo um pouco, inclusive TV e seguir se cuidando, para se fazer bem e contribuir com seu quinhão no mundo. “Pelo menos uma vez por semana sento na minha almofadinha, com as costas retas, boto uma frequência de cura no fone, fecho meu universo e fico as vezes uma hora assistindo o cineminha do meu corpo, da minha mente e começo a perceber o universo de maneira diferente. Enxergo vários, medos, sentimentos e ansiedades e me percebo, me observo. Quando isso funciona, é como uma válvula de panela de pressão, que quando você levanta, vai saindo muita coisa, permitindo outra atmosfera”, divide.

“Tento ter um caminho espiritual também. Tanto pela filosofia judaica de vida que levo, quanto fora dela, nas relações, estando com pessoas que confio, admiro, me instigam, isso me fortalece muito. E as vezes, vendo um filme ou uma série, parece que vejo de fora algo que me identifico. A arte me ajuda muito. O esporte para mim também é essencial. Muda meu psicológico, meu humor, tudo. E gosto de viver deixando as coisas acontecerem. Quando assumimos nossas inseguranças e fraquezas, e estamos bem com elas, acho que isso vira uma força, ficamos presentes, conscientes, vivos”.