Mateus Carrieri analisa saúde mental em peça, 50 anos de carreira, reality que salvou vida financeira e etarismo na TV


Fora da TV há 10 anos, mas à frente da montagem de sucesso “O Vendedor de Sonhos”, baseada na obra homônima de Augusto Cury,  um dos autores mais vendidos no Brasil, Carrieri, que começou aos 8 meses a fazer publicidade na TV, virou um galã jovem, um homem bonito, um símbolo sexual – tanto que posou nu quatro vezes -, aos 60 anos concilia a vida de professor de educação física e dublador com a arte de atuar. “A peça aborda um tema seríssimo, o suicído. Cerca de mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 e 19 anos, cometem suicídio no Brasil a cada ano, de acordo com a série histórica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021. Mateus destaca o fato de que o grande diferencial da peça é saber que “alguém vai se sentir tocado com esse tema”. Ele também atuará no longa “Melhor amigo”, de Allan Deberton

*por Vítor Antunes

Desde muito jovem na profissão, Mateus Carrieri passou por todas as variantes possíveis dentro de seu ofício – e por todas as emissoras de TV. Já na maturidade reitera seu encontro com o teatro, que aliás tem sido sua ferramenta artística principal há alguns anos, à frente da montagem de “O Vendedor de Sonhos“, peça baseada na obra homônima de Augusto Cury,  um dos autores mais vendidos no Brasil – o que é louvável, já que a venda de livros só cai no país. Há pelo menos dez anos fora das novelas, Carrieri faz sucesso nesta montagem, que está há cinco anos nos palcos do Brasil  e encontrando casa cheia. Numa peça que fala sobre suicídio e saúde mental, “O Vendedor de Sonhos” mostra que, especialmente depois da pandemia, tornou-se necessário olhar para dentro de si. “Os números do suicídio são alarmantes. Quando se começa a ver de perto é ainda mais assustador. Antigamente se conhecia alguém que tinha se suicidado. Hoje estas pessoas estão  mais perto do que se imagina. São colegas de trabalho, alguém da família, ou quem tenha tentado ou efetivamente conseguido atentar contra a vida. O desafio da peça é falar desse tema de uma forma a gerar reflexão, para que não se chegue a isso, e para que se compreenda que a dor é coisa momentânea”, analisa Carrieri, acrescentando: “É uma montagem que me preenche todo o tempo, e que, por nós, ficaríamos anos em cartaz, tanto que já estamos fechando a agenda de 2025″. “O Vendedor de Sonhos” está na programação do “Festival de Teatro Augusto Cury”, em São Paulo, em cartaz no Teatro Gazeta, todo sábado, até o dia 30 de março. Além desta peça, Mateus poderá ser visto no longa “Melhor amigo“, de Allan Deberton. Em paralelo à arte, ele segue atuando como professor de educação física e dublador.

O Ministério da Saúde aponta, referenciando-se a dados da OMS, “entre 2000 e 2019, a taxa global diminuiu 36%. No mesmo período, nas Américas, aumentaram 17%. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio aparece como a quarta causa de morte mais recorrente, atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal”. A Agência Brasil aponta que “cerca de mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 e 19 anos, cometem suicídio no Brasil a cada ano, de acordo com a série histórica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021. O dado se baseia em registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde”.Mateus Carrieri analisa saúde mental em peça, 50 anos de carreira, reality que salvou vida financeira e etarismo na TVMateus Carrieri analisa saúde mental em peça, 50 anos de carreira, reality que salvou vida financeira e etarismo na TV Mateus destaca o fato de que o grande diferencial da peça é saber que “alguém vai se sentir tocado com esse tema”.

Mateus Carrieri faz sucesso com peça baseada em original de Augusto Cury (Foto: Ronaldo Gutierrez)

VÍRGULA  

Clarice Lispector (1920-1977) em “A Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” não inicia-o através de uma palavra. Ou seja, a primeira coisa escrita do primeiro parágrafo é uma vírgula. Há quem pense ser um erro de impressão, mas não. É aquilo mesmo. E mais: A última coisa escrita na última linha não é um ponto final, mas dois pontos. É o símbolo de que apesar de tudo, tudo continua. A subversão que torna Clarice genial na escrita parece ser a mesma que orienta o roteiro de “O Vendedor de Sonhos“, ainda que tanto a peça como o livro sofram críticas de serem classificados como “de autoajuda” ou excessivamente populares. Na peça, um homem vende uma vírgula a um outro estava decidido em matar-se. E, a partir daí, o personagem redescobre o sentido da vida.

“Li o texto da peça e achei, inicialmente, com algumas obviedades, mas quando estreamos compreendi que aquilo precisava ser dito. Vi a reação das pessoas e fui ressignificando tudo, a peça foi fazendo sucesso e percebemos o quão importante era falar daquilo. Do quão necessário é falar de ansiedade, depressão, síndrome do pânico, e a pandemia esfregou isso na nossa cara. A simplicidade daquelas palavras do Augusto fazem diferença quando tocam o coração de alguém que se identifica com elas”, pondera Carrieri.

Ao menos quatro pessoas que assistiram a peça optaram por tatuar uma vírgula no corpo, simbolizando o ponto de mutação da vida. Essa é a metáfora mais bonita do espetáculo – Mateus Carrieri

Ao olhar de Mateus, hoje o SUS oferece “um melhor acompanhamento e as empresas são mais tolerantes e dedicam maior atenção aos seus funcionários que não chegam a esse estágio mais difícil de depressão potencializada”, ainda que “haja uma subnotificação nos dados oficiais tanto para o suicídio propriamente dito como para as tentativas do ato”. O ator diz que “os números são escondidos. Há tentativas de suicídio classificadas como acidentes, por exemplo”. A recepção boa da peça, inclusive, fez com que o ator ficasse mais presente no teatro que na TV, pelo menos nos últimos anos. Ainda que ele esteja no veículo desde pequeno. Ele estreou na profissão aos 8 meses, sendo um bebê modelo da marca Johnson&Johnson. Depois participou pontualmente do programa “Boa Noite Cinderela“, apresentado por Sílvio Santos, e estreou em 1975, na novela “Um dia, o Amor“, da TV Tupi. Deste modo, em 2025, contando a partir da novela, ele faz 50 anos de carreira.

Mateus Carrieri (em pé), Carlos Zara em “Um dia o Amor”, primeira novela de Mateus na TV (Reprodução/TV Tupi)

Há uma queixa recorrente de que a TV não escolhe atores maduros para as novelas. Dizem que eles estão em falta no mercado. Perguntamos ao ator se a TV opta por repetir os mesmos ou por não renovar o elenco. Para ele “há um pouco de tudo por causa do etarismo. Vemos nos remakes que nas obras mais antigas os personagens têm uma idade. Nas releituras são feitas por pessoas mais jovens. E não é só aqui. Também acontece o mesmo em Hollywood. É preciso que os autores escrevam para as pessoas mais velhas. O Brasil está envelhecendo e temos que trabalhar”

No teatro clássico tem Rei Lear, Hamlet. No teatro não há etarismo e, em compensação, hoje em dia a experiência, a tarimba não vale tanto quanto a quantidade de seguidores – Mateus Carrieri

Mateus prossegue em sua análise: “O que mais me oferecem no Instagram é harmonização facial e faceta nos dentes. Parece que os médicos, cirurgiões plásticos caçam a gente para fazer fotos de ‘antes e depois’. Eu quero ter saúde e não quero, com 60 anos, aparentar 30. Tenho orgulho da minhas rugas eu me vejo no espelho e me enxergo com a minha idade. Quero estar bem e com saúde . Quero ser algo como o Ney Matogrosso, com a mesma vitalidade”.

Mateus Carrieri diz ser recorrente a oferta de harmonizações faciais e dentes de porcelana na internet (Foto: Divulgação)

 

REALIDADES

Mateus esteve no elenco da primeira formação da “Casa dos Artistas“. Num primeiro momento, ele não gostava de falar sobre esse trabalho, via-o como algo menor em sua carreira, mas hoje ressignifica: “Foi o primeiro reality brasileiro de confinamento, algo histórico, um fenômeno de audiência, um marco na TV”. Sobre haver participado agora da nova edição de “A Fazenda“, ele também celebra.

Fui chamado a fazer numa época em que todos os artistas estavam sem trabalho, sem perspectiva, durante a pandemia. E foi uma edição de grande sucesso por que ninguém aguentava ver tragédias nem contabilização de mortos pela Covid. Além disso o elenco era mais qualificado, já que muitos dos que toparam fazer não fariam em outras condições. Agradeço ainda hoje à Record. Eu estava endividado – Mateus Carrieri

Ainda que permaneça com a beleza que o revelou para o mundo, Mateus está próximo de completar inacreditáveis 60 anos. “Estou doido para tirar cartão de idoso, quero parar na vaga preferencial, não pagar para viajar de ônibus nem metrô. Me cuidei e me cuido até hoje e penso em envelhecer bem, com independência. Olho para a minha carreira e tenho orgulho dela. Vejo um conjunto da obra bem legal, desde quando encarava como uma brincadeira de criança, ainda na época da Tupi. Não que eu sonhasse ser ator, mas eu me divertia. Já mais velho passei a encarar como profissão”, analisa.

Mateus Carrieri tem 57 anos e quase 50 de carreira (Foto: Divulgação)

O ator diz ainda que a passagem da vida se dá seguinte maneira: “Depois dos 50 anos, por causa do numeral, comecei a fazer um balanço da vida e vi que a metade já foi. Tal como na peça, vejo a importância de se colocar vírgulas e dar continuidade à minha história. Me casei com uma mulher 16 anos mais nova, tentei a todo custo reverter uma vasectomia – algo que quase me arrependo em ter feito –  tenho vontade de adotar… Quando jovem, achava que aos 50 teria tudo resolvido e estaria com o burro na sombra, mas preciso continuar trabalhando, criando. Não lembro de estar tão realizado profissionalmente como agora, em tocar tanto no coração das pessoas. Mas me nego a colocar um ponto final na minha história. Insiro uma vírgula, abro um parágrafo… E continuo!”