Laura Castro assina roteiro de filme estrelado por Marieta Severo sobre família homoafetiva


“É um trabalho em que investi mais de 10 anos. Tenho três filhos – Rosa, 12, e José, 10, frutos de inseminação artificial, e Clarissa, 13, fruto de adoção – do seu casamento com Marta Nóbrega -, e sempre pensei em como criar referências para eles. Falta representatividade lésbica no audiovisual, precisamos contar nossas histórias. Comecei minha militância pesando nos meus filhos, não queria eles neste mundo com menos direitos”, diz Laura, que já alinhava novo projeto com Camila Pitanga como protagonista

“Faço revolução onde posso”. A frase dita por Marieta Severo no longa ‘Aos Nossos Filhos‘, que estreia dia 28 em circuito nacional, foi inspirada na vida da atriz e roteirista Laura Castro. Aclamado no Festival do Rio e em países da Europa, o filme é baseado na peça de teatro homônima, escrita por Laura e protagonizada por ela também na telona, ao lado de Marieta, Marta Nóbrega e José de Abreu, sob a direção de Maria de Medeiros. Inspirado na história da construção da família homoafetiva da artista, o roteiro fala de uma família também formada por duas mães. “É sobre parentalidade e romper preconceitos. Trabalho em que investi mais de 10 anos. Tenho três filhos – Rosa, 12, e José, 10, frutos de inseminação artificial, e Clarissa, 13, fruto de adoção – do seu casamento com a também atriz e produtora Marta Nóbrega – , e sempre pensei em como criar referências para eles. Falta representatividade lésbica no audiovisual, precisamos contar nossas histórias. Comecei minha militância pesando nos meus filhos, não queria eles neste mundo com menos direitos”, diz Laura.

“Marieta e a Maria de Medeiros se identificaram e embarcaram nesta jornada comigo. A Marieta faz a minha mãe no filme, que cuida de crianças soropositivas em uma ONG, e precisa lidar com suas próprias contradições diante da escolha da minha personagem, que deseja ser mãe de uma criança gestada por sua mulher. Posso dizer que ela fez a observação chave no texto. Me chamou à atenção para a necessidade dessa mãe e dessa filha, mulheres tão sensíveis, terem medo real de perderem uma à outra. É sempre aí que o bicho pega, no medo da perda diante dos conflitos. O amor pode vencer o preconceito, quando as pessoas se abrem para isso”.

Atuo através da arte, essa é minha revolução. É para construir um mundo melhor para as futuras gerações. Posso dizer que me tornei uma artista melhor depois que a ativista nasceu” – Laura Castro, Atriz e roteirista

Fincando a assinatura no audiovisual, ela acaba de desenvolver seu segundo longa como roteirista, ‘Tanto Mar’, que terá Camila Pitanga como protagonista. O filme é sobre o direito das mulheres em diferentes países lusófonos incluindo a questão da homofobia e do aborto. “A Camila é amiga da Cristina Flores, minha atual esposa, há muitos anos. Ela teve aquela relação com a Bia (Beatriz Coelho), então a temática LGBT se tornou mais pessoal para ela. É também uma atriz incrível e militante em muitas causas. De maneira que foi um encontro com o roteiro, ela topou de cara”.

Atriz e roteirista Laura Castro estreia seu longa ‘Aos Nossos Filhos’ ao lado de Marieta Severo e Maria de Medeiros no Rio de Janeiro (Foto: Ana Alexandrino)

Atriz e roteirista Laura Castro estreia seu longa ‘Aos Nossos Filhos’ ao lado de Marieta Severo e Maria de Medeiros (Foto: Ana Alexandrino)

“Escrevi o roteiro de ‘Tanto Mar‘ no auge da pandemia, em 2020. Confinada, acabei dando mais profundidade para várias questões na história. É uma saga lusófona em três países e três décadas diferentes. A personagem da Camila foi perseguida na juventude em Moçambique por ter uma relação homossexual nos anos 2000. Dez anos depois, em Portugal, médica de reprodução assistida, responde a um processo por ter realizado uma inseminação em um casal de mulheres, coisa proibida no país até 2016. Depois, já em 2020, casada com uma mulher ativista LGBT , ela muda-se para o Brasil em plena pandemia e acaba incriminada por realizar um aborto. O filme é sobre direitos das mulheres, e a falta deles, em diferentes tempos e lugares mostrando a arbitrariedade disso tudo”.

Laura Castro fala sobre o primeiro filme com Marieta Severo e os projetos futuros (Foto: Ana Alexandrino)

Laura Castro fala sobre o primeiro filme com Marieta Severo e os projetos futuros (Foto: Ana Alexandrino)

Laura Castro fala sobre o primeiro filme com Marieta Severo e os projetos futuros (Foto: Ana Alexandrino)

Laura Castro fala sobre o primeiro filme com Marieta Severo e os projetos futuros (Foto: Ana Alexandrino)

E acrescenta: “Como mulher e como artista, ter meu corpo na luta é uma necessidade absoluta. Desde os meus 18 anos não posso viver minha sexualidade, meus amores, de forma livre. Isso é enorme, muda o seu olhar para o mundo. E você percebe que outras pessoas passam pelo mesmo. Para quem é esse mundo? Isso se ampliou quando pensei nos meus filhos. Atuo através da arte, essa é minha revolução. É para construir um mundo melhor para as futuras gerações. Posso dizer que me tornei uma artista melhor depois que a ativista nasceu”.

Comecei minha militância pensando nos meus filhos, não queria eles neste mundo com menos direitos” – Laura Castro, Atriz e roteirista

Vai, Brasil!

Laura assina o roteiro de ‘Aos Nossos Filhos’ em parceria com Maria de Medeiros, que atuou ao seu lado na peça teatral. E conta que o papel foi pensado desde o início para Marieta Severo. “Escrevi a peça pensando nela, que é um ícone como artista, mãe, pessoa consciente. Não nos conhecíamos, mas um amigo me deu seu contato e fiz o convite. Marieta topou, porque ficou interessada sobre a atualidade da temática, e também sobre a memória da ditadora militar contida no roteiro. Ela tem uma história com isso, precisou se autoexilar no auge da ditadura por aqui”, recorda.

Laura Castro e Marieta Severo em cena de 'Aos Nossos Filhos' que estreia dia 28 (Divulgação)

Laura Castro e Marieta Severo em cena de ‘Aos Nossos Filhos’ que estreia dia 28 (Divulgação)

“O patrocínio saiu muito mais rápido do que esperávamos, o que é raro por aqui, e a Marieta não tinha agenda. Substituí-la na minha cabeça era impensável. Até que o meu cunhado, o cineasta Guilherme Hoffmann, conheceu a Maria de Medeiros em uma mostra de cinema, em que ela estava com seu documentário ‘Repare Bem’, que conta a vida da Denise Crispim, presa e torturada pela ditadura militar, com uma filha nascida na prisão. Esse filme falava justamente da relação dessa mãe com essa filha, entre outras coisas. Existiam muitas coincidências na obra da Maria e no espetáculo que eu tinha escrito. Acabei convidando-a para protagonizar a montagem, que ficou em cartaz de 2013 2016. A Maria me deu a ideia da versão cinematográfica, e nela, trouxemos a Marieta de volta”, completa, sobre o longa filmado em 2018.

Escrevi o texto pensando na Marieta Severo, que é um ícone como artista, mãe, pessoa consciente – Laura Castro, Atriz e roteirista

Laura aproveita para fazer um desabafo sobre as dificuldades para emplacar temáticas como a do seu filme, que tira do obscurantismo preconceitos enraizados e que adoecem a sociedade. “Foram quatro estreias adiadas, por conta de exigências burocráticas feitas pela Ancine. Wagner Moura em situação semelhante com ‘Mariguela’, acusou censura. Lázaro Ramos em situação semelhante em ‘Medida Provisória’, acusou censura. Tive medo de falar sobre isso até agora. Medo porque eu, que produzo esse filme, sou apenas uma artista de teatro, mãe de três, lésbica ativista, que ninguém sabe quem é. E, no fim, qualquer retaliação vai cair no meu colo. Um colo que não comporta, o colo de uma artista dura, de uma mãe com batalhas suficientes. Mas agora vai estrear e o filme merece ser visto aqui. Devido a nacionalidade francesa da Maria estreamos na França em fevereiro com uma crítica emocionante. Mas estava lá, estampado no Le Monde, que o filme é uma crítica ao Brasil de Bolsonaro. Circulamos mundialmente em importantes festivais arrebatando prêmios. Foi uma luta hercúlea por aqui, mas conseguimos”.

A atriz Marta Nóbrega, Marieta Severo, Maria de Medeiros, Claudio Lins e Laura Castro na pré-estreia de 'Aos Nossos Filhos' em São Paulo (Divulgação)

A atriz Marta Nóbrega, Marieta Severo, Maria de Medeiros, Claudio Lins e Laura Castro na pré-estreia de ‘Aos Nossos Filhos’ em São Paulo (Divulgação)

Resistência e amor

Atriz há 20 anos, Laura também é ativista atuante da causa LGBTQIA+. Fundadora e primeira presidente da ABRAFH – Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, e diretora da Coletiva de Artivistas Feministas Primavera das Mulheres, faz questão de priorizar em seus trabalhos as temáticas que urgem nela e no mundo. Tanto que no momento, também trabalha para a televisão em dois projetos de cunho feminista, o ‘Deixa Ela’, de Ana Abreu, sobre mulheres no esporte, para o GNT, e o ‘De Bike’, de Fernanda Frazão, reality de mulheres ciclistas para o Canal Off. Ainda para a TV, está com Heloísa Buarque de Hollanda e Cristina Flores, em ‘Fé em Deus e Pé na Tábua’, sobre mulheres religiosas e progressistas.

O caminho de militância e resistência, se validou quando Rosa, sua primeira filha nasceu, e precisou ser registrada com o nome da duas mães na certidão de nascimento. “Quando ela nasceu, já conhecíamos a Renata Granha, advogada que ganhou pela primeira vez a adoção unilateral no Rio de Janeiro para que a outra mãe pudesse também registrar seu filho. Ela e a esposa, Monica, tiveram outra filha, também em 2010, data do nascimento da Rosa. Renata então passou a representar algumas amigas e Rosa, junto com Julia (filha de Renata e Monica) conseguiram esse registro. O processo levou um ano. Quem gestou a Rosa foi minha ex-mulher, a Marta, e tive muito medo de não estar no registro da minha filha, isso para mim era desesperador”, lembra.

Laura Castro fala sobre a importância do ativismo para as conquistas LGBTQIA+

Laura Castro fala sobre a importância do ativismo para as conquistas LGBTQIA+ (Foto: Ana Alexandrino)

“Quando o José nasceu, já tínhamos a jurisprudência, foi mais rápido, mas não imediato. Só conseguimos seu registro aos dois meses de vida. E com a Clarissa, foi um processo de adoção das duas. O meu filme mostra como nossas conquistas individuais são também políticas, como nossas vidas privadas ecoam na sociedade. Toda arte é política. Meus filhos são seguros, mas o trabalho é constante, por eles e por uma sociedade com menos preconceitos”, completa.

"O meu filme é sobre parentalidade, mas mostra como nossas conquistas individuais são também políticas" (Foto: Ana Alexandrino)

“O meu filme é sobre parentalidade, mas mostra como nossas conquistas individuais são também políticas” (Foto: Ana Alexandrino)