Joana de Verona, atriz de ‘Mania de Você’, fala de ajustes para seduzir audiência e xenofobia a brasileiros em Portugal


Atriz luso-brasileira da novela “Mania de Você” destaca as reviravoltas da sua personagem criada por João Emanuel Carneiro. Para ela, a imprevisibilidade da trama e os ajustes naturais de uma obra aberta representam desafios instigantes. Nesta entrevista, Joana reflete sobre preconceitos entre Brasil e Portugal, lamentando a existência de xenofobia. Entre as várias frentes de trabalho, ela protagoniza a série portuguesa “Azul”, abordando dilemas éticos e mudanças climáticas, e investe em seus projetos autorais, como “KALI”. Com sensibilidade artística, Joana transita entre teatro, cinema e televisão, unindo culturas e expandindo fronteiras criativas

*por Vítor Antunes

Mania de Você” é uma das novelas contemporâneas que mais gera polêmicas. Ainda que sua audiência não seja um assombro, é impossível passar indiferente à trama de João Emanuel Carneiro. E é exatamente sobre essas reviravoltas e surpresas que Joana de Verona, a intérprete de Filipa, se apoia. Para a atriz luso-brasileira, as alterações e ajustes aos quais a trama está passando para seduzir mais a audiência são naturais ao que se espera de uma obra aberta. Na novela, Joana de Verona é a portuguesa cheia de personalidade, que trabalha como fisioterapeuta e  se apaixona por Rudá (Nicolas Prattes), quando ele fugiu do Brasil para Portugal. As cenas que vêm por aí supostamente revelam que a personagem vem ao Brasil atrás de Rudá, revela que está grávida do caiçara, e vai armar a maior confusão no casamento dele com Viola (Gabz). Por trás de toda a trama, está Mavi (Chay Suede).

Novela é assim. É diferente de cinema ou teatro que a gente começa o projeto sabendo o início, meio e o fim. Aliás, um dos desafios de fazer uma novela é esse: poder surpreender e se adaptar. Eu sigo curiosa, com entusiasmo ao ler os roteiros – Joana de Verona

Tendo passado a vida na ponte-aérea São Luís (MA) – Lisboa, Joana opina sobre um movimento xenófobo em Portugal contra brasileiros, mas ressalta que o preconceito, está estabelecido não só em Portugal, mas também aqui no Brasil. “Há, de fato, debates sobre a xenofobia e outros preconceitos em contextos da sociedade mais conscientes e politizados, interessados no ser humano e em suas condições sociais. Existe preconceito tanto em Portugal como no Brasil, quanto nos outros países. Infelizmente, existem seres humanos com esse tipo de pensamento e postura, o que muito me entristece, pois não faz sentido algum e cabe a todos nós tentarmos praticar sempre o melhor em relação ao próximo, em relação à diversidade, ao desconhecido. É muito importante e necessário pensarmos e agirmos com respeito, empatia, aceitação e não julgamento. São nesses comportamentos, nesse tipo de ser humano que eu acredito, e que desejo para o mundo”.

Atravessando essa ponte aérea Brasil-Portugal, Joana reflete também sobre as diferenças entre os mercados televisivos. “O Brasil é um país reconhecido também por fazer novelas, é uma das grandes forças televisivas nesse registro, nessa linguagem. Portugal faz boas novelas, mas de uma forma diferente, em uma escala menor. As equipes e os estúdios são menores comparados com a infraestrutura da TV Globo, por exemplo. Se eu não me engano, são cerca de 15 mil funcionários na Globo, uma das maiores do mundo em entretenimento. É uma indústria muito potente e isso se reflete nos meios de produção, nos orçamentos e nas equipes maiores. É uma questão de escala, de proporção.”

DO ARROZ DE CUXÁ E DO PASTEL DE NATA

Entre raízes maranhenses e asas lusitanas, Joana de Verona traça uma jornada artística que atravessa culturas e oceanos. Desde a infância, dividida entre São Luís, Bahia e Rio de Janeiro, até sua consolidação em Portugal, ela vive intensamente a pluralidade de identidades que a constituem. “Sim, saí de São Luís criança, meus pais moraram em muitos estados diferentes, conhecem bastante o Brasil. Cresci entre os dois países. Por isso mesmo, quando tinha 8 anos, moramos um período na Bahia, que me marcou muito. Lembro de muita liberdade e memórias muito especiais. Dos 10 aos 14, eu morei no Rio. Foi um momento marcante também, de transição da infância para a adolescência. A minha família brasileira é carioca. São muitas memórias, de anos muito felizes. Foi um lugar importante, onde para além do colégio, estudava teatro e dança. Participei de peças, fiz uma pequena participação em ‘Presença de Anita'”.

Ela acrescenta que, culturalmente, “tanto a Bahia quanto o Rio, de formas diferentes, me constituíram e marcaram muito. E meu eterno carinho, interesse e curiosidade pelas raízes e pela cultura maranhense também. Nos últimos 12 anos, tenho transitado entre Brasil e Portugal por questões profissionais e também pessoais. Como referi, minha família brasileira é do Rio e a minha família portuguesa já morou no Brasil várias vezes. Meus pais circularam desde o Oiapoque a São Luís, Tocantins, Salinas, Belém do Pará, entre outros locais. Tanto a minha brasilidade quanto a minha lusitanidade são muito fortes, me constituem em várias vertentes da minha personalidade. São dois países que falam a mesma língua, mas têm culturas, tradições e formas de viver muito diferentes. Enfim, ambas as culturas, as identidades, me habitam e constituem o tempo inteiro.”

Tanto a minha brasilidade quanto a minha lusitanidade são muito fortes, me constituem em várias vertentes da minha personalidade (Foto: reprodução/Instragram)

Em 2024/2025, Joana abraça novos projetos que ampliam sua versatilidade. Na série portuguesa “Azul”, gravada nos Açores e na Islândia, ela interpreta Kirsten, uma bióloga islandesa com dilemas éticos. “Ela é CEO de uma empresa, que está relacionada com o tráfico de baleias. É uma das personagens com ética e mistérios. Uma personagem que fala em inglês, mas tem algumas frases em islandês, o que foi um desafio interessante, é bastante difícil a sonoridade islandesa. A história é protagonizada pela atriz Leonor Belo, que tem Síndrome de Down. É um trabalho que visa a inclusão e a diversidade de corpos e linguagens, pois também conta com a participação do ator Tony Weaver, com deficiência auditiva. A temática principal são as alterações climáticas, e como seria se a última baleia fosse morta, como a extinção desta espécie tão importante, alteraria e prejudicaria o ecossistema e o bom funcionamento do planeta.”

Além da novela “Mania de Você“, Joana desenvolve projetos autorais e retorna aos palcos. “Eu também estou gravando ‘Mania de Você’ até março de 2025 e dando continuidade ao desenvolvimento de projetos meus. Gostaria de viajar com a minha criação ‘KALI’, uma performance-instalação, que dirigi. Um trabalho que parte da pesquisa sobre o inconsciente, baseado no movimento e na instalação de vídeo. Estreou em Portugal num festival de artes performáticas, e teve reposição no sul do país. Gostaria de continuar circulando com esse trabalho no futuro, encontrando novos públicos e mantendo o universo desta criação vivo. Também vou retornar com o espetáculo de teatro ‘A Noite do Choro Pequeno’, um texto que já foi montado aqui no Brasil também. E estou disponível para que novos projetos possam acontecer.”

Joana de Verona quer desenvolver um projeto artístico que atenda a diversidade (Foto: Divulgação)

Entre o cinema, o teatro e a televisão, Joana transita com sensibilidade e intensidade, tecendo histórias que unem territórios e expandem perspectivas. “Essa ponte aérea Brasil-Portugal existe desde o meu nascimento, tanto que eu tenho família brasileira e família portuguesa. E eu nunca fico muito tempo sem vir ao Brasil, nem muito tempo sem ir a Portugal. Sempre estou entre os dois países e mais concretamente, de 12 anos para cá, pelos filmes, séries e novelas, essa ponte-aérea é frequente”.

“É um privilégio poder conhecer diferentes realidades e territórios do país através do cinema, por exemplo, o filme ‘O Touro‘, que filmamos no Maranhão, de Larissa Figueiredo; o ‘África da Sorte‘, de Renata Pinheiro, em Pernambuco; o ‘Praça Paris’, da Lúcia Murat, no Rio; a série ‘Santos Dumont’, da HBO, filmada no Rio também; o filme ‘Tinnitus’ em São Paulo, além de ‘Éramos Seis‘ e agora ‘Mania de Você’. Está sendo um prazer e uma sorte, ter a oportunidade de conhecer várias regiões do país através do trabalho. Portanto sim, pretendo continuar entre Brasil e Portugal, fazendo trabalhos interessantes, com encontros artísticos e humanos ricos, que me engrandeçam!”

Entre memórias e caminhos, Joana de Verona encontra na literatura um espelho para sua alma inquieta. “Pensando em frases, no momento, lembro de ‘Perder-se também é caminho’, de Clarice Lispector, e ‘Criar é sempre falar da infância’, de Jean Genet, entre mil outros textos importantes que me acompanham, pois ecoam em mim, me fazem refletir, me colocam um sorriso e me elucidam quando lembro deles ou os releio.” Essas palavras, carregadas de profundidade e sentido, revelam o encontro da atriz com sua própria essência criativa e humana, enquanto transita por suas múltiplas vertentes culturais e artísticas.