*Por Vitor Antunes (com Sebastião Uellington)
Cinquenta e um anos depois de sua exibição original, “Carinhoso” voltará às telas, na próxima segunda-feira, 23, pelo Globoplay. Infelizmente, é uma das novelas que retorna em fragmentos. A Globo/Globoplay ainda não informou quantos nem quais estarão nesta exibição, porém segundo a monografia “O vídeo é uma fantástica máquina do tempo, a preservação e a rememoração do arquivo de entretenimento da Rede Globo”, de Gabriel Sarturi, foram preservados os episódios de estreia – capítulos 1 e 2 condensados como um só – e os de número 3, 87, 88, 172, 173 e 174. Ou seja, sete capítulos. Sobre a trama, conversamos com Regina Duarte, sua protagonista, que trouxe uma informação curiosa sobre a novela: diferentemente do que se habituou dizer, que ela engravidou durante a novela, Regina disse que a produção sabia a todo tempo de sua gravidez. “Quando fui escalada a produção já sabia que eu estava grávida da Gabi (Gabriela Duarte, atriz)”.
Regina prossegue dizendo que esta era a sua segunda gravidez, razão pela qual sua barriga “cresceu mais e mais rápido do que eu esperava. A minha personagem tinha que casar virgem e a produção teve que ir fechando os planos mais abertos para disfarçar. No final da novela sou sempre enquadrada em meio corpo e no finalzinho eu só aparecia em closes com
bochechas cada vez mais cheinhas. Entre as boas lembranças da novela, está eu haver ficado hospedada no Plaza, o hotel mais chique de Nova York naquela época”. Regina já havia atuado grávida anteriormente, em “Irmãos Coragem“, em 1971, quando nasceu seu primeiro filho, André. Segundo o Site Teledramaturgia, para as cenas de plano aberto em que Regina grávida aparecia, entrava em cena sua dublê de corpo, Margareth Boury, filha do diretor Reynaldo Boury (1932-2022) que seguiu as carreiras de atriz e novelista.
Carinhoso é a famosa história da moça pobre, filha do jardineiro de uma
mansão. Quando vem morar com o pai, os dois filhos do patrão de seu pai se
apaixonam por ela – Regina Duarte
Além de “Carinhoso“, a arte de Regina poderá ser vista nas suas exposições do ofício ao qual tem se dedicado ultimamente. A próxima será num castelo em Sintra, Portugal, no primeiro semestre de 2025. “Meu trabalho de artes plásticas tem me dado muito prazer e alegria”.
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ESTAMOS APRESENTANDO… CARINHOSO!
Lauro César Muniz, o autor, assinava sua primeira novela solo na Globo. A trama surge sob demanda do próprio Daniel Filho. O autor explica em seu livro Solta o Verbo, da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial de São Paulo, que “Daniel me pediu uma novela para as 7 horas, bastante romântica, envolvendo o par que havia feito um grande sucesso junto ao público em uma novela anterior”. O par ao qual Lauro faz referência é Cláudio Marzo (1940-2015). O autor menciona, porém, que é a gravidez de Regina que antecipou o final da trama. “Ela estava grávida da Gabriela. Muitos anos depois trabalhei com as duas na minissérie Chiquinha Gonzaga, na qual faziam a mesma personagem”.
Lauro prossegue dizendo que o título da trama se referencia à música de Pixinguinha (1897-1973), que abriu um caminho muitas vezes retomado depois, em que títulos ou versos de músicas famosas batizam novelas. Inclusive, este já foi um tema de reportagem aqui no Site Heloisa Tolipan. Contemporaneamente, não foram poucas as novelas cujo nome se baseiam em músicas. No ar estão dois exemplos: Mania de Você e Volta por Cima.
Carinhoso também é uma das primeiras novelas a ter sequências gravadas fora do Brasil. “A minha história precisava que a personagem da Regina, uma aeromoça, estivesse fora do Brasil no início. Eu pedi que fosse em Buenos Aires, pela maior facilidade de gravar lá. Mas o Daniel me chamou e disse: Eu vou mexer um pouquinho… em vez de Buenos Aires, vamos gravar em Nova York. E assim, tivemos dois ou três capítulos da história na cidade americana. A primeira sequência era uma panorâmica da cidade, gravada pelo próprio Daniel em um helicóptero. Acho que ele gostou muito dessa experiência”.
Daniel, por sua vez… não gostou da experiência! “Morri de medo quando estava gravando as cenas aéreas de abertura da novela, feitas num helicóptero. Morro de medo de voar. Fiquei tentando convencer os norte-americanos de que minha presença no helicóptero não era necessária. (…) Não consegui escapar”, disse em seu livro “Antes que me Esqueçam“. Com Carinhoso, a TV Globo foi a primeira emissora brasileira a utilizar câmeras eletrônicas portáteis em suas produções. Conta o Site Teledramaturgia que as cenas gravadas nos Estados Unidos eram coloridas, diferentemente do padrão brasileiro, o preto-e-branco. “O jeito foi alugar uma moderna câmera e gravar todas as cenas em cores, inclusive as tomadas de Nova York que compuseram a abertura da novela. Quando a equipe voltou ao Rio, as imagens captadas em Nova York, coloridas, foram copiadas para quadruplex, em preto e branco. Como as gravações no exterior foram feitas sem som direto, os sons adicionais foram inseridos no Brasil, enquanto os diálogos foram dublados por Regina Duarte e Herval Rossano, os únicos atores que participaram das gravações nos EUA”. Mas intencionava-se que a trama fosse a cores. Porém, O Bem Amado acabou ganhando preferência.
TRÍVIA
- A letra C do logotipo da novela, que ocupava toda a tela da TV e onde apareciam as imagens de Nova York, remetia a uma janela de avião, já que a protagonista era uma aeromoça.
- De acordo com o site Teledramaturgia, “Linha do Coração”, “Linha do Amor”, “O Sonho Impossível” e “O Divertido Jogo do Amor” – o último, o preferido do autor – foram títulos cogitados para a novela.
- Gilberto Martinho (1927-2001) detestou seu personagem em Carinhoso, segundo conta em Amiga: “Sinceramente, não esperava que Felipe fosse limitar-se a abrir e fechar portas para os patrões. Falo isso sob o ponto de vista profissional: são anos de carreira em jogo, o que já fiz chegar ao conhecimento de Daniel Filho. Eu inclusive disse a ele que, se Felipe continuar nessa linha, o melhor para mim será retirar-me da novela…”. Walter Campos, porém, destacou-o como um dos melhores do elenco.
- Carinhoso marca a estreia dos atores Irma Alvarez (1933-2007), Mauro Mendonça e Fúlvio Stefanini na Globo.
- A crítica não era exatamente amistosa com Carinhoso. Uma síntese da dura crítica de Valério Andrade: “Quanto mais se afasta de Sabrina, de Samuel Taylor, mais a novela fica debilóide (sic). (…) Uma xaropada açucarada (…). Hollywood tinha razão. Não pode haver galã careca nem heroína gorda. Seria uma agressão apresentar Regina Duarte de corpo inteiro (…). Em close, o rosto da namoradinha foi ganhando a feição de lua cheia”.
- Em todas as críticas à trama, Valério, do JB, sinaliza que a novela é “um plágio”. Valério também critica duramente Marco Nanini. Arthur da Távola (1936-2008) diz que o que fica é “ser a novela recordista de audiência do horário”. E é duro com Nanini: “No teatro, é ótimo”. O próprio diretor, Walter Campos, diz que Nanini não estava em seu melhor momento.
- Arthur da Távola também não gostou do logotipo, dizendo-o “sem brilho”, especialmente quando comparado com a abertura de Uma Rosa Com Amor.
- Já grávida de Gabriela, Regina declarou ao O Globo que, se estivesse grávida de um menino, ele se chamaria Rafael ou Rodrigo.
- Margareth Boury, aos 16 anos, foi escolhida por acaso para ser dublê de Regina Duarte. Ela foi fazer testes de fotogenia na Globo. Não havia nenhum papel para ela, mas acabou escalada quando a barriga de Regina, grávida de Gabriela Duarte, passou a se acentuar mais. Então, em cenas à distância, Margareth era filmada para simular ser a protagonista. “Regina é uma professora maravilhosa”, disse a dublê ao O Globo.
- As gravações internacionais de Carinhoso se estenderam por uma semana.
- Em entrevista à revista Amiga, Lauro César Muniz se dizia “encurralado”, tendo que escrever uma obra “leve, com certa graça e edulcorada como as produções das épocas cor-de-rosa de Hollywood”. Porém, com a novela já estabelecida, ele disse ter conseguido deixar de lado “o tom água-com-açúcar”. Mas, ainda assim, a novela teve problemas com a Censura, especialmente em razão de Sérgio (Fúlvio Stefanini) ser desquitado e estar se interessando por Ivone (Rosamaria Murtinho). Na mesma matéria, Lauro diz que, através de Carinhoso, estava, finalmente, fazendo sucesso nas grandes massas.
- A bruxa estava à solta em Carinhoso: A cena final de Eduardo (Marcos Paulo) e Marisa (Débora Duarte) seria um acidente de carro que os mataria. Porém, aconteceu um acidente real que feriu o operador de câmera Marzullo. O carro em que estavam os atores perdeu o controle da pista onde era gravada a cena e entrou numa vala. Marzullo, que estava dentro do carro, não parou de filmar, e a câmera lhe cortou o supercílio. O primeiro curativo foi feito pelo diretor Walter Campos e, em um bar, foi colocado gelo sobre o ferimento.
- Em razão de estafa, a novela teve cinco diretores: Walter Campos, Walter Lacet e Walter Avancini, além de Reynaldo Boury e Marco Aurélio Bagno. Débora Duarte foi mordida pelo seu cachorro e afastada. Depois, teve cálculo renal. Gilberto Martinho teve gripe; Célia Biar, queda de pressão; Lícia Magna desmaiou durante uma gravação. Jorge Cherques também adoeceu.
- Para viver a aeromoça Cecília, Regina Duarte teve três aulas teóricas e uma prática em um voo para Buenos Aires. A personagem trabalhava na extinta companhia aérea Varig.
- Cláudio Marzo tinha intenção de deixar de fazer TV. Tanto que dizia não querer renovar seu contrato com a Globo: “Não estou a fim de fazer carreira”, disse à revista Amiga. Cláudio fez uma novela por ano, até 2008. Ele morreu em 2015.
- Em sua exibição original, Carinhoso teve entre 70 e 80 pontos de Ibope, com uma média de 72. A única reapresentação da trama foi entre 20/09/1978 e 18/05/1979 – pouco antes de o Vale a Pena Ver de Novo ganhar esse nome.
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