Herson Capri monta espetáculo que questiona a homofobia e declara: “Ser alçado a galã foi escolha das emissoras”


Em cartaz com “A Vela”, peça que questiona e critica a homofobia, Herson Capri revisita a carreira e destaca os pontos altos no teatro e TV. O ator estará na série “Novela”, estrelada por Monica Iozzi e Miguel Falabella na Amazon. Correndo o Brasil com “A Vela”, seu sonho é viver Portinari no teatro

*Por Vítor Antunes

Um homem intelectualizado, professor de literatura e especializado em língua inglesa, que, embora bem ilustrado é homofóbico, expulsa seu filho de casa quando ele revela sua homossexualidade. Esta é a premissa de “A Vela”, peça de Rafael Gama que está em cartaz em São Paulo após haver passado pelo Rio de Janeiro. Além deste trabalho, o ator está em cartaz na reprise de “Os Imigrantes”, novela da Band exibida pela TV Brasil, onde tem conquistado bons índices de audiência. Capri promete para breve o lançamento da série “Novela”, para a Amazon Prime, obra que conta com Mônica Iozzi e Miguel Falabella nos papeis protagonistas. Preparava-se para gravar “Minha Mãe é Uma Peça”, de Paulo Gustavo (1978-2021), quando o ator protagonista faleceu.

Ser alçado a galã foi uma questão das emissoras. No teatro eu fazia vários tipos de papel e eu sempre procurei conteúdo, então a minha decisão se pautava em cima disso. Na TV (a escalação) fica mais a cargo da direção e aí eles chamavam para fazer trabalhos..”, frisa. Capri não acredita que o trabalho em TV seja menos prazeroso, pelo contrário: “Tenho um prazer enorme em fazer uma cena. Em novela grava-se muitas, cerca de 200 num ano. Que ator faria uma quantidade dessas? É um presente para um ator, um exercício fantástico de interpretação”.

Herson Capri e Leandro Luna em “A Vela” [Foto: Caio Galucci]

“A VELA” E UM ATOR QUE TEM ALGO A DIZER

Na peça, cuja direção cabe a Elias Andreato, Herson Capri vive um homem que apesar de intelectualizado, e supostamente libertário, não lida bem com o fato de ter um filho homossexual e o expulsa de casa. Vinte anos depois, o jovem performa uma drag queen, e vem cobrar posicionamentos do pai. Segundo Herson, a importância da peça está no fato de ela estar inserida num campo de discussão contemporâneo, que é o do preconceito: “A peça fala de homofobia. A plateia vem rindo do fato de o personagem ser tão homofóbico até determinado ponto, mas depois vem o rever a emoção. A identificação da plateia é enorme, muita gente reconhece ali um homofóbico familiar. “A Vela” tem essa proposta de botar o dedo na ferida da homofonia, especialmente no Brasil, país onde mais se mata homossexuais no mundo”. Ainda segundo o ator, o preconceito “não tem  sentido nenhum. Especialmente por estar calcado em dois pilares: ignorância no assunto e falta de inteligência”. E prossegue:

É falta de fazer a sinapse correta. Todo preconceito é burro e ignorante – Herson Capri

Herson conta-nos que a peça foi, inicialmente, montada de forma online no ano passado, em razão da pandemia. Como a peça foi exitosa, acabou sendo montada no Rio, de maneira presencial, entre março e abril e em julho e, agora, na capital paulistana e segue pelo interior.
A Vela” não trata-se do primeiro mergulho do ator nesta seara. Em 2009, junto com sua ex-mulher, a produtora e Susana Garcia, dirigiram “Eu Sou Minha Própria Mulher”, espetáculo protagonizado por Edwin Luisi. Este que ganhou vários prêmios como ator pelo projeto. “Eu sou …” também abordava a questão da homossexualidade, porém na extinta Alemanha Oriental, que era bastante repressora nas temáticas que envolviam questões LGBTQIA+ e de gênero, em razão do artigo 175. Quando houve a entrada de Hitler (1889-1945) no poder este código, que até então estava esquecido, retornou com força, prevendo inclusive a castração aos homossexuais. Este parágrafo só saiu oficialmente do código alemão em 1994.
Capri é elogioso ao seu companheiro de cena, Leandro Luna, além do autor do espetáculo, por haver conseguido, também, falar de literatura de forma “gostosa, palatável”, sem ser algo forçado.

Herson vive professor de literatura em “A Vela” [Foto: Caio Galucci/Divulgação]

O ator acredita que o teatro seja o melhor espaço para se debater questões inerentes à sociedade:

“O teatro tem essa prerrogativa: Ele pode entrar na discussão, quer politica, quer social, quer filosófica, com sutileza, apenas contando uma história. Quando o teatro tem conteúdo ele é muito mais gostoso para o ator, pelo menos para mim. Quando ele diverte e traz um conteúdo forte, que se propõe a mexer com a cabeça das pessoas e transformá-las, trazendo a elas alguma evolução civilizatória, eu acho algo muito forte – Herson Capri

Lançando mão da ‘prerrogativa do teatro’, Capri parece sempre ter algo contundente a dizer em seus trabalhos. Em sua estreia no teatro, a peça era uma biográfica da revolucionária Joana D’arc. Passou por Plínio Marcos (1935-1999), de quem tornou-se amigo e ganhou uma peça teatral. Esta montagem, de relativo sucesso e produzida pelo próprio Herson, chamava-se “Sob o Signo da Discotèque”, e criticava a importação exacerbada de música americana no Brasil naqueles idos, especialmente pós-explosão da Discoteca.

Na montagem de “Pegue e não Pague”, escrita por Dario Fo (1926-2016), que mais tarde receberia o Prêmio Nobel de Literatura, discutia-se a miséria. Nesta, uma de suas maiores emoções profissionais: Haver sido abraçado por Henfil (1944-1988)

Herson Capri e Antônio Leite em “Sob o Signo da Discotèque”. Peça escrita por Plínio Marcos para Herson Capri [Foto: Biblioteca Nacional/Correio de Notícias (PR)]

Um de seus primeiros sucessos teatrais foi “Lição de Anatomia”. Em plena ditadura militar, a montagem escrita por Carlos Mathus polemizou por ter, durantes longos minutos, todo seu elenco despido. Herson conta-nos que a montagem tinha inspiração, também, numa linha psicológica chamada “Análise transacional”. Embora pareça algo hermético, a peça fez enorme sucesso, a ponto de haverem nove sessões por semana, de terça a domingo, e em seu ano de estréia contou, além do próprio Herson, com um iniciante Kadu Moliterno, Geraldo Del Rey (1930-1993), os atores Cacilda Lanuza (1930-2018), Raymundo Mattos , Beth Caruso e Imara Reis.  Hoje em dia, uma peça faz quatro sessões, quando no muito.

“A diminuição de sessões no teatro se deve à diminuição do poder aquisitivo e ao achatamento cultural – Herson Capri

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Regina Helena fez as fotos do cartaz de “Lição de Anatomia”. Sucesso dos Anos 1970 [Foto: Reprodução]

Seu sonho, porém, é fazer, no teatro, a biografia de Candido Portinari (1903-1962). Já tem os direitos para a montagem da peça que está em processo de elaboração, mas faz uma ressalva “Acho que posso envelhecer um pouquinho mais para fazer o Portinari”. O artista diz ser um grande apaixonado pela obra do pintor, a quem considera “o maior pintor brasileiro de todos os tempos, com uma obra monumental de mais de 5500 itens, todos pautados numa crítica social, mas também na alegria da brasilidade”, explica.

UM GALÃ OCASIONAL

Tido como um dos rapazes mais bonitos de sua geração, não tardou para que Herson Capri fosse alçado ao cargo de protagonista e/ou de galã. Agradece o fato de ter sido pois assim conseguira ferramentas suficientes para dar um conforto à sua numerosa família – cinco filhos oriundos de seis casamentos.

“Eu sempre tinha uma ideia de manter o provimento da família, de manter o estudo formal dos meus filhos, o conforto deles e seus planos de saúde. Eu me pautava muito, então, do salário que eu estava ganhando para prover a família e a coisa dava certo. Consegui manter a minha família num patamar razoável e era isso o que me movia em televisão”.

Herson Capri e Silvia Pfeifer. Ele, o galã de “Tropicaliente” (Foto: CEDOC/TV Globo)

“Como é que eu vou me queixar por me haverem dado papéis de vilões ou de galãs na TV? Tenho que agradecer ao destino por haver feito muitas cenas e trabalhado com o meu ofício. (…) Eu posso ter criticas às novelas ou à disparidade de audiência entre a primeira colocada e as demais – coisa que só acontece no Brasil –, mas a quantidade de cenas que fiz me deram experiência” – Herson Capri

Perguntamos a Herson se ele tem o hábito de se ver em seus trabalhos e ele negou: “Eu não me assisto. Mas quando tem alguma reprise muito antiga, eu vejo e, às vezes, me surpreendo ‘olha, até que eu não estava tão mal, até que eu estava bem…’”. Disse ele ter ainda mais paúra de ver as suas primeiras cenas em uma novela. Afirma ser “muito crítico. Sempre acho que pode ser melhor, e é verdade, sempre pode. É uma obsessão, uma autocrítica. Me sinto bem assim, em não ficar com o ego pulando”. E continua:

“Gosto do que tem a ver com o trabalho em si. O entorno eu não gosto tanto. Interpretar é um ponto alto. Acho que é uma profissão muito bonita, trata-se de um trabalho lindo, que eu gosto de fazer – Herson Capri

Em sua primeira novela, “Vila do Arco“, baseada n’O Alienista, de Machado de Assis (1839 –  1908), viveu Costa. Na Tupi fez mais um outro trabalho, a novela “Tchan, a Grande Sacada“. Após esta, transferiu-se para a Band, quando em sua segunda novela estreou como protagonista em “Os Imigrantes“, atualmente em reprise na TV Brasil. Embora descendente de italianos, Herson não sabia falar a língua nativa dos seus antepassados. Aprendeu apenas para este trabalho.

Além desta novela, a rede pública exibe “A Escrava Isaura“, da Record, e ambas ajudaram na elevação dos índices, via de regra modestos, da emissora. Em razão destas, o canal público chegou a pontuar à frente da RedeTV e da TV Cultura.

Herson Capri em “Os Imigrantes”. Exitosa na Band, a novela encontrou sucesso na reprise em canal público (Foto: Reprodução/Rede Vida)

PATERNIDADE

Uma família numerosa e um pai apaixonado. O ator diz sempre ter tido uma relação muito amorosa com os filhos e viveu a paternidade em várias fases da vida. Sua filha mais nova, Sofia, tem 7 anos, a mais velha, Laura, 46: “Olhando com uma distância eu sempre fui amoroso, afetivo e acolhedor com eles até na hora de dar uma bronca. Tenho filhos que são de caráter, do bem, doces, carinhosos, e com os quais sou muito feliz”, diz o homem, de 70 anos, que brinca ser “pai-avô de Sofia”.

Meus filhos são a maior motivação da minha vida, do meu trabalho, das minhas atitudes. Acho que tenho uma relação bonita com a paternidade – Herson Capri

Ao que tudo indica, a dinastia Capri será mantida. Lucas prepara-se para ser ator. Luísa está terminado a faculdade de cinema. Pedro é diretor e roteirista e inclusive já trabalhou na Globo. A única que foge à regra é Laura, que é bióloga. Sofia, a mais nova, parece gostar do meio teatral e recentemente foi ver o pai pela primeira vez no teatro. Herson comenta, orgulhoso: “Queria que ela me visse n’A Vela por que ela nunca me havia visto no palco. Fiz questão de explicá-la que eu dizia dois palavrões em cena e que a história tratava sobre um pai que tem um filho menino que prefere namorar menino em vez de menina, e ela me respondeu: ‘E o que é que há?’ E ela só tem 7 anos”

Herson Capri em família (Foto: Reprodução/Instagram)

Ciente do debate político, falamos do pai de Herson, que era profundamente motivado pelas causas sociais. Pedimos que ele, num ano de eleições como este, opinasse sobre qual o olhar que tem pelo Brasil. Disse:

É muito delicado viver num país onde a cultura é achatada, onde a arte é achatada, onde todos os preconceitos são acirrados, onde há misoginia… Eu fico indignado e triste (…) A população carente está ainda mais carente, esfomeada, faminta e desempregada. Até mesmo a sociedade como um todo piorou. Ninguém tem mais dinheiro no bolso, pois que andamos todos com cartão de crédito ou pix, então nem isso o pedinte tem mais. Foi lhe tomado o direito de esmolar. A sociedade é sempre excludente, especialmente com o mais pobre – Herson Capri

Quando traz o debate público para sua arte e faz dela a sua emoção real, Herson Capri retoma a frase de Carlos Mathus: “O teatro não pode competir com a televisão, então precisa explorar o que tem de maior valor: a emoção viva”