“Fui demitido como milhões de brasileiros nesse momento. Foi um luto”, disse Miguel Falabella à CNN


Na primeira entrevista após rescisão de contrato de 40 anos com a TV Globo, ator e diretor ainda afirma: “A luz se foi e agora resta esperar por um novo sol”

*Por Elisa Torres

“A luz se foi e agora nada mais resta a não ser esperar por um novo sol, um novo dia, nascido do mistério do tempo e do amor do homem pela luz.” Citando a frase do dramaturgo americano Gore Vidal, o ator e diretor Miguel Falabella fechou com uma mensagem de esperança a entrevista ao programa “O mundo pós-pandemia”, da CNN Brasil, a primeira dele para um canal de TV fora do Grupo Globo desde a sua saída da emissora, em junho deste ano. Num papo descontraído e emocionado com Lia Bock, Thais Herédia, Luciana Barreto e a âncora Daniela Lima, Falabella  falou sobre os desafios vividos durante a pandemia e o processo de luto do desligamento da emissora onde atuou por 38 anos, na frente  e atrás das câmeras:

“Eu fui demitido, como milhões de brasileiros nesse momento, e tive que ir para casa. Foi um luto sair daquele local, onde eu passei a minha juventude. Eu tinha tempestades de madrugada, insônias não produtivas e intermináveis. Aparentemente você é o único que não dorme. Dá início a vários pensamentos, começa muita coisa, mas aí deixa para lá. Quanta coisa eu achei que fosse fazer porque tinha tempo. Mentira. Não fiz nada. Eu precisava vencer o meu luto, ficar quietinho, comigo mesmo. Nada me interessava, mas como o poder da arte é imenso, me apareceu a Mrs. Mayzel  da Amazon Prime. Ela foi me distraindo, me alegrando. Foi me dando vontade de escrever, de trabalhar, e agora eu tô que tô. Não quero mais parar”, disse Falabella, se referindo à série “The Marvelous Mrs. Maisel”, vencedora de 8 Emmys.

Redes sociais que sugam

Sobre redes sociais, Falabella diz que resolveu se “ausentar um pouco”: “As redes te sugam. E eu não tenho saco para live. Fiz umas duas, depois deixei para lá. As novas plataformas e essa coisa da tecnologia, acho tudo muito bacana, mas nada vai substituir o teatro, o ao vivo, o momento raro, único, onde há risco, erro, tudo presente”, confessou, para em seguida acrescentar, ainda sobre as redes sociais, que “o pior que pode acontecer é o cancelamento”: “Com a internet as pessoas ganharam uma voz que não tinham e esse poder, num país com tanta injustiça social e crueldade, como o Brasil, é perigoso. Quando não se tem educação e nem um pensamento estruturado, você pode ser levado para qualquer lugar, uma pessoa pode ser eleita para ser linchada, porque os espaços viraram receptáculos de ódio, rancor, injustiça”.

Humor na pandemia

Pensar em humor nos tempos de pandemia, segundo o ator, que ficou conhecido  por seus personagens cômicos para a TV e o teatro, sendo o mais famoso deles o Caco Antibes, do programa “Sai de Baixo” (1996), disse que “é hora de colocar o humor para dormir”:

“O humor ficou bem perdido na pandemia. Mas ele vai ser sempre ingrediente do meu trabalho. Eu acredito piamente que é só uma questão de tempo. Vai chegar uma vacina  logo e a gente vai voltar e, quando voltar, vai ter coisa à beça! Já tem, aliás, porque continuo produzindo. O que me move é gerar trabalho, para o meu povo, para a minha galera, para aqueles que precisam trabalhar, É gente que depende do teatro, da música, da indústria do audiovisual, como um todo, essa gente está sem oportunidade”.

Os dedos apontados

O artista se emocionou ao lembrar da polêmica da série “Sexo e as negas”, inspirada na americana “Sex and The City”, acusada de racismo. Na ocasião, Falabella sofreu duras críticas de internautas, blogueiros e articulistas. As manifestações de repúdio foram tantas que a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Social) chegou a abrir uma investigação das denúncias.

“Aquilo me doeu muito. Me xingaram de nazista, racista. Um elenco maravilhoso, todo formado por negros. Se eu soubesse, meu Deus!  Mas a escolha do título estava realmente muito equivocada. Foi um erro. Se eu tivesse trocado aquele título, tudo estaria resolvido. Porque quem me conhece, sabe. Essa questão é primordial e legítima para mim. Se o ator pode ser negro, eu prefiro que seja. Faço questão de dar espaço na produção. Porque já vai ter muita gente branca com oportunidade”.

Os horizontes

Entre os novos projetos, Falabella citou com carinho e entusiasmo o musical em homenagem à cantora Alcione, que levará a sua assinatura no texto e na direção; e a animação “Charlotte”, uma parceria com a escritora e ilustradora Vivian Suppa, uma amiga querida.

“A Charlotte é uma garotinha muito esperta que ganha óculos mágicos e começa a enxergar o mundo de uma maneira diferente. Eu sempre fui meio Charlotte, atento, ligado. Primeiro, a história virou o livro “Os Óculos Mágicos de Charlotte”, publicado em 2016 e, agora, um canal de animação para crianças, no YouTube, o “Canal da Charlotte”“, diz.

E o amor?

O antes e o depois da pandemia? Falabella brincou:

“Estou que nem o Salgueiro. Nem melhor, nem pior. Apenas uma escola diferente. Estou saindo dessa experiencia pensando de outra forma. Mais atento. Para que tanta roupa? Para que tanto sapato? Eu nunca fui muito materialista. Minha mãe me ensinou isso. Então, eu vinha nesse processo, de ver o que interessa na minha vida. Um quarto, um computador, amigos, livros e coisas bacanas para assistir. Já fui mais tolo, mais apegado ao material, mas as prioridades mudam. A riqueza é aquilo que você leva com você”.