Fábio de Luca e representatividade no humor sem estereótipos: “Já aconteceu de eu, por ser gordo, virar a piada”


Ator do Porta dos Fundos, ele relembra histórias de vida difíceis: “Ainda que eu já tenha feito papéis que poderiam ser interpretados por qualquer pessoa, já aconteceu algumas vezes de eu ser o alvo da piada. Fiz o trabalho por uma questão de sobrevivência. O autobullying já foi minha defesa” e acrescenta: “As novas gerações têm um pensamento amadurecido na forma de entender a pluralidade de formas. O que eu passei na minha adolescência, tanto nas aptidões profissionais artísticas como na seara da sexualidade não aconteceria hoje. Estou otimista quanto ao futuro”. Fábia revela que está com um projeto em pré-produção junto ao Porta e que o Especial de Natal já está pronto, episódio este que sempre gera polêmicas por sua ácida abordagem sobre os religiosos. Além deste projeto, Fábio fala sobre sua peça “Sedes”, um drama sucesso de público: “Fico grato por estar falando sobre esses temas difíceis. Na pandemia já havia altos índices de depressão e ansiedade. Eu mesmo passei por uma vulnerabilidade emocional e um período de depressão que me valeram ao menos 30kg. Uma das pautas é o suicídio, mas não apenas o da autoquíria, mas ao assassinato da própria identidade”, pontua

*por Vítor Antunes

Qual o lugar do gordo no humor? Geralmente destinado ao alvo da piada e nunca à centralidade dela, o espaço dado aos humoristas gordos era sempre permeado por algum preconceito ou reiteração de estereótipos. Historicamente na comédia, não foram poucos os atores gordos usados como escada para fechar a piada. Fábio de Luca, ator do elenco fixo do Porta dos Fundos, diz não ter fugido a este panorama: “Já aconteceu muitas vezes de eu, por ser gordo ser a piada e tive de fazer estes papeis, por uma questão de sobrevivência, por serem os únicos disponíveis. Também já passei pela fase de que, para me enturmar, fazia piadas autodepreciativas e o autobullying antes que fosse alvejado por ele”.

Durante o mês de agosto, Fábio de Luca esteve em cartaz com a montagem “Sedes”, dirigida por Thiago Bomílcar Braga, e que foi um sucesso. A montagem tratou-se de um dos primeiros mergulhos do ator no gênero dramático “Felizmente estou no gênero mais difícil que há, que é a comédia, que exige (…) o riso, senão não funciona. (…) Fiz esta peça que é um drama a fim de buscar outra profundidade dramatúrgica”. Além da encenação, Fábio está no elenco fixo do pessoal do Porta dos Fundos, e  estará no tradicional Especial de Natal do humorístico. O ator também pode ser visto no canal “Amigos da Luz“, onde traz humor à interpretação da Doutrina Espírita. Ainda que seja candomblecista, Fábio ressalta como concilia a sua fé: “Eu me considero candomblecista como religioso e filosoficamente espírita”.

Fábio de Luca problematiza o espaço do corpo gordo no humor e traz a religiosidade de forma bem humorada na Internet (Foto: Karen Gadret)

UM URSO PROTEGIDO POR GRACE KELLY

Os movimentos sociais atuais discutem o lugar ocupado pelos corpos gordos na sociedade. Nas artes, muito se questiona a recorrência do uso das pessoas bodypositive no humor, especialmente quando encerram a piada. No caso da comunidade LGBT, eles acabam sendo encaixados num lugar fetichizado, dos chamados ursos. Na perspectiva do humor, Fábio diz que “este é um bom momento, em face da discussão sobre a gordofobia”, ainda que creia haver algum exagero na coisa particionada e muito específica do ativismo, em algumas circunstâncias. “Esta discussão não havia antigamente. Mesmo a TV, há até pouquíssimo tempo atrás, era bem preconceituosa”, assinala.

Ainda que eu já tenha feito papéis que poderiam ser interpretados por qualquer pessoa, já aconteceu algumas vezes de eu ser o alvo da piada. Fiz o trabalho por uma questão de sobrevivência. O autobullying já foi minha defesa – Fábio de Luca

O ator ressalta que “o mercado, por vezes, nos encaixota. Não é possível ver um casal gordo protagonista de comédia romântica hollywoodiana, por exemplo. Mas as artes, felizmente, estão na vanguarda desse movimento e vamos conquistar em breve essa plenitude”, projeta.

Com efeito, e especialmente na televisão brasileira, poucas vezes pessoas gordas foram protagonistas. Um caso episódico foi em “A Gordinha“, da TV Tupi, de 1970. A personagem principal era vivida por Nicette Bruno (1933 – 2020) ainda que não fosse tão gordinha assim. Na maior parte das vezes, os gordos só foram vilões em papéis que exigiam comicidade, como no filme “Super Xuxa Contra o Baixo Astral“, onde o personagem Titica foi vivido pelo Rei Momo do carnaval carioca Paolo Pacelli, já falecido. Fabiana Karla viveu uma personagem com desejo sexual e bom humor, ainda que não fosse cômica, em “Amor à Vida“. mas, a centralidade das comediantes acaba passando por Cláudia Jimenez (1958-2022). Ela viveu uma personagem sensual na “Escolinha do Professor Raimundo” de modo que a sua forma física não era um impeditivo para estar com seus amores. Porém, no “Sai de Baixo” , a recorrência de piadas com esse tema acabou por fazê-la sair do humorístico. Estava descontente em ser recurso cômico.

“Nicete Bruno e Rui Rezende em “A Gordinha” (1970). Novela trouxe, ou teria trazido, o corpo gordo como protagonista (Foto: Reprodução)

 

Quanto ao corpo gordo dentro da comunidade LGBT, Fábio conta que não sabia, inicialmente, desse recorte voltado aos gays no que tange aos ursos. “Fui casado por 12 anos, quando me casei, inclusive eu era magro. No final desse relacionamento eu estava bem gordo. Não sabia, incialmente, dessa tribo, até por conta de ver na comunidade LGBT uma grande fixação com o corpo em forma, ainda mais no Rio de Janeiro. E eu nunca fui ligado à academias de ginástica. Quando da minha separação passei a usar os apps de relacionamento, fui dando matches e entendendo o fetichismo por sobre o corpo [gordo]”. Hoje Fábio está namorando.

“Eu mesmo me dei conta de que era gordofóbico. Era algo internalizado. As novas gerações têm um pensamento amadurecido na forma de entender a pluralidade de formas. O que eu passei na minha adolescência, tanto nas aptidões profissionais artísticas como na seara da sexualidade não aconteceria hoje. Estou otimista quanto ao futuro – Fábio de Luca

Fabio relembra que convivia com a sua sexualidade, na juventude, de forma muito culpada e/ou clandestina: “Quando eu era adolescente me encontrava com meninas e quando ficava com rapazes tentava me entender. Cheguei até a procurar amparo na religião, e rezava continuamente. Hoje vejo a pessoas com mais informações, mais arejadas e prontas para receber e compreender seus filhos, e a receber as minorias”.

Ainda nesta fase da vida, Fábio foi a uma boate gay pela primeira vez e, ainda menor de idade. Conta ele que “em Nova Iguaçu havia uma boate chamada “Rosa Choque”, na qual bateu um Juizado de Menores e, naturalmente, poderia dar problemas para mim. Antevendo a situação, uma travesti PCD chamada Grace Kelly me tacou no camarim e falou para eu ficar quieto e, se o Juizado passasse por lá, era para que eu colocasse uma peruca e me pintasse. Nesse dia, não apenas me descobri artista, por ser defendido por Grace Kelly, mas por haver beijado um homem pela primeira vez, compreendi que eu, efetivamente, era gay”.

Fábio de Luca acredita que a atual geração é mais evoluída na discussão sobre temáticas afirmativas (Foto: Karen Gadret)

PALCO, CIDADE E  PORTA

Ator do elenco fixo do Porta dos Fundos, Fábio antecipa-nos que o Especial de Natal do grupo já foi gravado e vai ao ar em dezembro, como de praxe. Em paralelo, está elaborando um novo projeto junto ao pessoal do Porta, que agora diversificou seus projetos e levanta outros produtos audiovisuais, como a série “Novela”, protagonizada por Mônica Iozzi e Miguel Falabella, no Amazon Prime. Geralmente os especiais de Natal do Porta são cercados de polêmicas, especialmente pela forte crítica que fazem. Ao ver de Fábio estas são voltadas aos falsos religiosos e não à religião: “Acho um grande equívoco criticarem o Porta por achar desrespeitoso com as religiões em si, quando não é isso que queremos. Nosso objetivo é criticar o que se faz através dela para manipular ou ganhar dinheiro”, frisa.

Recentemente, Fábio esteve em cartaz com a peça “Sedes” , exibida no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, Rio. Seu primeiro mergulho no drama. A peça foi escrita por Wajdi Mouawad, libanêsque também foi o autor de “Incêndios“, montada na década passada por Marieta Severo e Andrea Beltrão. O sucesso da última montagem garantiu uma nova, programada ainda para este semestre. A peça levanta a discussão sobre assuntos como a depressão e o suicídio. “Fico feliz e grato por estar falando sobre esses temas. Na pandemia já havia altos índices de depressão e ansiedade. Eu mesmo passei por uma vulnerabilidade emocional e um período de depressão que me valeram ao menos 30kg. Uma das pautas é o suicídio, mas não apenas o da autoquíria, mas ao assassinato da própria identidade. Um dos personagens abre mão de ser artista para ser antropólogo forense. Vai se matando os sonhos em vida por uma segurança ou opinião dos outros e essa peça traz essa reflexão, que cabe para todo mundo”. Essa é a primeira peça de drama do ator, ainda que já tenha feito trabalhos neste estilo dramaturgico como no filme “Vidas Partidas” e na série “Pico da Neblina“. Segundo o artista, este mergulho no drama se dá por uma experimentação artística e não por precisar provar-se como ator dramático.

Uma atividade do ator, também na Internet, é o Canal Amigos da Luz, no YouTube, voltado a trazer humor ao entendimento da Doutrina Espírita, ainda que ele seja candomblecista. “Lido com a fé de forma plural. Fui criado na casa de uma candomblecista e desde sempre eu via, achava bonitas as cores, o cheiro, os batuques. Quando fui crescendo, conheci o Livros dos Espíritos, material basilar do Espiritismo kardequiano. Ali tive muitas respostas para muitas perguntas, como a primeira delas que é “Que é Deus?” – assim, sem o artigo. Me encantei e mergulhei no Espiritismo mas senti falta do tambor e voltei a ele. Hoje eu me considero candomblecista como religioso e filosoficamente espírita”.

Fabio de Luca é religiosamente candomblecista e filosoficamente espírita (Foto: Karen Gadret)

Nova Iguaçu tem duas salas de teatro e um movimento teatral forte, que se destaca quando comparada as outras cidades da Baixada, mas ainda assim, é aquém ao movimento cultural da capital fluminense. Fábio diz querer retomar algo semelhante ao movimento que havia nos Anos 1990, como o Teatro Arcádia, uma vanguarda teatral da cidade. “Com o tempo e o sucateamento do teatro e Governos que pouco priorizam a cultura, isso foi morrendo, sendo sufocado. Tenho muita vontade de fazer oficinas, dar cursos, trazer ainda mais cultura pra Nova Iguaçu”, sonha.