Em série da Netflix, Amanda Azevedo retrata situação comum entre adolescentes que anulam as próprias emoções


‘De Volta Aos 15’, marca a estreia da atriz na televisão. “Luiza, minha personagem, vive a síndrome da boa menina. Passei por isso na adolescência. Eu era igual a ela, a boa menina que não expressava raiva, não chorava na frente dos outros, que tratava a todos muito bem, que deixava os meus interesses para trás e não sabia falar ‘não’. Isso deixa a gente com baixa autoestima e, no futuro, provoca problemas maiores”, enfatiza ela, que teve crises de ansiedade depois dos 20 anos. Na trama, ela interpreta a irmã da protagonista Anita, vivida por Maisa, que depois participou de Call Com Cleo, instaserie criada por Amanda na pandemia. Nessa fase do isolamento social por conta da Covid, a atriz encenou ainda a peça online Olhei Pro Buraco, na qual a saúde mental também estava em foco “A gente tem que se expressar, se soltar, chorar, porque se guardamos tudo isso pra gente, uma hora estoura de algum jeito. Em crises de ansiedade, a terapia me ajudou”, pontua

Amanda Azevedo estreia na TV, em De Volta Aos 15, na Netflix, e brilha com a webserie Call Com Cleo (Foto: Mariana Valente)

Amanda Azevedo estreia na TV, em De Volta Aos 15, na Netflix, e brilha com a webserie Call Com Cleo (Foto: Mariana Valente)

* Por Carlos Lima Costa

Na busca por aprovação na sociedade, para não desapontar mãe, namorado e amigos, muitas adolescentes reprimem seus desejos e vivem em função do que esperam deles, o que acaba acarretando uma série de problemas. É interpretando essa ‘menina perfeita’, que Amanda Azevedo esta na série De Volta Aos 15, da Netflix, no papel de Luiza (interpretado na fase adulta por Mariana Rios), com o qual teve total identificação, afinal ela própria já esteve nesse lugar. “A mãe escolhe o vestido que ela vai usar na festa, o rapaz com quem vai namorar, reprime muitas coisas. Então, é a síndrome da boa menina. Passei por isso na adolescência. Eu era muito a Luiza, a boa menina que não expressava raiva, não chorava na frente dos outros, que tratava a todos muito bem, que deixava os meus interesses para trás e não sabia falar ‘não’. Aceitava para estar ali com a galera. Não me entendia, não tinha um autoconhecimento, porque mascarava as minhas emoções”, desabafa ela, que interpreta a irmã de Anita, vivida por Maisa Silva e Camila Queiroz.

Aos 25 anos, Amanda considera importante a série – inspirada no livro homônimo de Bruna Vieira e dirigida ao público adolescente – tocar nesse assunto. Ela ajuda a abrir um diálogo em casa. “Conversei com meninas que as mães impunham muito como elas tinham que ser. Isso deixa a gente com baixa autoestima e, no futuro, acaba provocando problemas maiores”, destaca.

Ela já havia passado dos 20 anos, por exemplo, e ainda era uma pessoa insegura. “Eu estava sempre com a máscara da boa menina. Aí comecei a ter crises de ansiedade. Enquanto fazia testes para a série, apresentava uma peça online, Olhei Pro Buraco, que eu escrevi, na qual abordava a questão da saúde mental. Minha personagem era tipo ‘deixa a Barbie se descabelar’. A gente tem que se expressar, se soltar, chorar, porque se guardamos tudo isso pra gente, uma hora estoura de algum jeito”, explica Amanda, adepta da terapia.

Na pandemia, Amanda escreveu e encenou a peça online Olhei Pro Buraco, sobre saúde mental (Foto: Mariana Valente)

Na pandemia, Amanda escreveu e encenou a peça online Olhei Pro Buraco, sobre saúde mental (Foto: Mariana Valente)

“Nas minhas crises de ansiedade, a terapia ajudou muito a entender de onde vinha isso e comecei a olhar para todo o meu passado e, fazendo um balanço, entendi que nós, artistas, temos muito material pessoal. Então, por que não usar a experiência? Lancei mão realmente da minha história para escrever os textos da peça e foi num lugar de cura. Fiz as pazes com a minha criança interior, com a minha adolescente que se calava. A minha missão nessa peça, era dar voz a muitas pessoas que tiveram a saúde mental afetada na pandemia. Pessoas de todo o Brasil se sentiram acolhidas, porque ainda existem tabus em relação a falar desse tema. Nem todo mundo se sente confortável ou tem medo do preconceito de dividir isso nas redes sociais. Às vezes, as pessoas acham que é um problema só delas e, na verdade, é uma questão de saúde pública. Recebi comentários positivos de agradecimento por estar falando sobre isso, que é mais comum do que a gente imagina”, frisa.

A mudança na forma como Amanda se comporta na vida veio quando ela começou a fazer uma transição profissional. Publicitária formada, deixou o emprego para seguir a carreira artística. “Eu já fazia teatro desde os sete anos, mas, até nisso eu reprimi um desejo. Cursei a faculdade de Publicidade para tentar seguir um caminho convencional. Estava crescendo nas agências que eu trabalhava, mas não me sentia realizada. Então, peguei as rédeas da minha vida. Aos 22 anos, decidi recomeçar e fui atrás do que eu desejava profissionalmente. Quando a gente é artista, começa a se questionar, a querer compreender e se expandir como ser humano. Então, hoje, quero ser cada vez mais sensível, gosto de chorar, sentir. Isso me ajuda até na profissão”, enfatiza.

Mas recorda o preconceito que enfrentou ao optar por um novo ofício. “Meu círculo de amizades era muito de um lugar empresarial. Aí me perguntavam: ‘Você vai começar a trabalhar ou vai continuar tentando ser atriz’. Ouvia isso de conhecidos, de amigos, dos pais deles, tipo ‘põe seu pé no chão, vai trabalhar’, como se o artista em seu processo de criação ou de estudo, não estivesse trabalhando. Tinha muito preconceito com o horário comercial. Quando, às 15h, eu estava em um museu, falavam: ‘Que vida fácil’. Como se eu precisasse acordar às 8h e, depois, ficar até às 20h em um escritório para ser um trabalho. Me sentia um peixe fora d’água, até conhecer a minha turma de artistas que tinha rotina parecida com a minha”, ressalta ela, que contou com o apoio dos pais nessa transição. “Mas os meus cursos de teatro, eu paguei com o dinheiro que guardei de quando era publicitária, e com o que arrecadei vendendo, na internet, roupas que eu não usava mais. Faço isso até hoje”, diz.

"Se pudesse voltar a adolescência, eu curtiria mais, não me importaria tanto com a opinião dos outros, do que iriam achar", frisa Amanda (Foto: Mariana Valente)

“Se pudesse voltar a adolescência, eu curtiria mais, não me importaria tanto com a opinião dos outros, do que iriam achar”, frisa Amanda (Foto: Mariana Valente)

E vibra com a estreia na televisão com a série De Volta Aos 15. “A oportunidade é incrível. Sou uma das únicas apostas em meio a um elenco que já trabalha faz algum tempo, então, me vi com uma enorme responsabilidade e o retorno tem sido positivo. Foi um lugar acolhedor, um set com mulheres no comando de todas as áreas, então, foi um lugar sensível, de muita empatia e seguro para começar. Agora que confirmou a segunda temporada vai ser legal porque vou poder levar o amadurecimento que eu tive gravando a primeira, para continuar contando a história da Luiza”, vibra.

E relembra a transformação da personagem de 17 anos. “Quando a história começa ela é tipo a princesa da cidade de Imperatriz. É vaidosa, popular, uma menina perfeita aos olhos dos outros, sabe, educada, boa filha e namorada. Parece que vai ser mais uma patricinha de filmes adolescentes, que ela está superfeliz, mas aí a gente descobre que é uma máscara de boa menina, que ela sofre e tenta caber naquele ideal. Ela reprime muito os desejos dela para não desapontar a mãe, que é quem projeta muito as coisas nela, então, ela é uma menina que busca muito por aprovação, para ser amada, reconhecida. Aí acaba vivendo em função do que os outros esperam dela. Ao longo da série vamos descobrindo que ela tem essas camadas mais profundas e eu quis trazer isso nas delicadezas, nos detalhes, em um olhar, até porque é uma série jovem, leve”, frisa.

Na fase adulta, sua personagem é interpretada por Mariana Rios. Se na vida real, Amanda tivesse a oportunidade de retornar à adolescência como acontece na série, ela agiria diferente, não reprimiria seus desejos e vontades. “Eu curtiria mais, não me importaria tanto com a opinião dos outros, do que iriam achar, por exemplo, se levantasse a mão na sala de aula. Eu era mais tímida e não fazia isso para tirar dúvida. Tinha medo de que me achassem burra”, relembra.

De Volta Aos 15 é um grande sucesso e está no Top 10 de inúmeros países. “Tem sido uma experiência muito legal estar na Netflix, uma plataforma mundial. Primeiro por estar levando um produto brasileiro para fora. Eu morei em Nova York um tempo, tenho amigos da Coréia, da Arábia Saudita. Eu comentava que era atriz, mas não tinha o que mostrar para eles, então tem sido gratificante. E recebo mensagens de meninas de países como a Índia se identificando com a minha personagem. Isso é tão incrível, porque ultrapassa a cultura, a gente está falando sobre ser humano. Está sendo uma troca muito legal. Tenho muita vontade de gravar fora do Brasil”, pontua.

Maisa e Amanda interpretam irmãs na série De Volta Aos 15, na Netflix (Foto: Laura Campanela)

Maisa e Amanda interpretam irmãs na série De Volta Aos 15, na Netflix (Foto: Laura Campanela)

Antes de se envolver com a série, Amanda gravou a webserie Call Com Cleo, que exibia em seu Instagram no formato de monólogos. “Foi em 2020, quando teve a pandemia. Queria continuar criando, contando as minhas histórias. Estava ainda na posição de testes e esperando o sim do grande trabalho, então, decidi que iria escrever as minhas histórias. Foi o meu primeiro contato com a escrita. Hoje, já ganho dinheiro como roteirista. E foi no lugar também de experimentar comédia. Fiquei pensando como eu poderia contribuir para causar um respiro no dia a dia das pessoas que estavam em casa. Na segunda temporada, que eu fiz depois de gravar De Volta Aos 15, adicionei personagens. Fiquei tão amiga da Maisa, que a chamei para participar, foi muito legal. Quando criei o projeto, nunca imaginei que pudesse acontecer isso, então foi uma realização pessoal muito grande. Ela fez um episódio, como a melhor amiga da minha personagem”, exalta.

Em sua instaserie, Amanda dá umas alfinetadas na relação das pessoas com as redes sociais. “Tem uma hora que ela vai pegar um livro e põe um café em cima para tirar uma foto. Ela fala que dá engajamento, mas a Cleo nem gosta de café, nem lê o livro. Essas atitudes mostram nossas relações com as redes sociais. Hoje, eu construo uma relação saudável. No período que eu tive mais ansiedade, não era um lugar legal pra mim, porque eu me comparava muito, principalmente nesse começo como atriz, por ver os outros trabalhando e eu não. Depois fui entendendo que as redes representam um recorte do que a pessoa quer mostrar e não sua vida inteira. Comecei a me perguntar que recortes quero mostrar. Adoro ver pessoas realizando sonhos e mostrando isso na internet, mas também gosto de entender o que ela passou até chegar ali. Nas minhas redes quero mostrar essa caminhada e não só os resultados”, frisa ela, que considera de extrema importância o artista criar seu próprio espaço.

"A gente fica muito focada em querer se encaixar no mercado. Mas antes temos que nos perguntar o que queremos comunicar como artistas. É importante cada um criar a sua turma, produzir os seus trabalho", frisa Amanda (Foto: Mariana Valente)

“A gente fica muito focada em querer se encaixar no mercado. Mas antes temos que nos perguntar o que queremos comunicar como artistas. É importante cada um criar a sua turma, produzir os seus trabalhos”, frisa Amanda (Foto: Mariana Valente)

“Essa é uma profissão difícil, muitas vezes injusta. Então, um dos caminhos é se produzir, criar as próprias histórias. Às vezes, a gente fica muito focada em querer se encaixar no mercado. Mas antes a gente tem que se perguntar o que a gente quer comunicar como artista. É muito importante cada um criar a sua turma, produzir as suas coisas, estimular a escrita, porque senão a gente fica a mercê de ter sempre alguém escrevendo uma história que a gente se encaixe Se um trabalho é autêntico pra gente as pessoas vão gostar, vai abrir portas e você vai brilhar. Foi o que aconteceu com Call Com Cleo. Hoje, tem artistas que falam que se inspiraram na minha webserie para criar os próprios projetos. Fico muito feliz. É uma forma saudável de inspirar uns aos outros para tentar sair desse lugar da comparação”, analisa. Call Com Cleo recebeu várias indicações em festivais internacionais como o Rio Webfest.

Hoje, Amanda é uma mulher bem diferente. A mudança de carreira a deixou mais corajosa. “Ao mesmo tempo, sou muito sonhadora e curiosa. Adoro saber a história das pessoas, escutar. Tenho um espírito mais livre de querer experimentar e buscar soluções criativas para tudo. Hoje, também tenho os meus projetos autorais. Eu sou uma artista inquieta, não fico esperando receber o ‘sim’ de algum trabalho para começar a exercer meu ofício de artista. Enquanto eu não estou em um projeto maior, produzo os meus. Isso me preenche muito”, finaliza.