“É preciso ter cabeça e entender que sucesso não é o que a gente projeta”, diz Jaffar Bambirra


Aos 22 anos, Jaffar Bambirra se prepara para sua terceira novela, “Quanto mais vida melhor”, próxima trama das 19h da TV Globo, e investe na carreira musical. São mais de 30 canções escritas, uma delas em homenagem aos avós, exilados na época da ditadura militar. “Enquanto existir povo, vai existir teatro, música e cinema. Quanto mais eles nos reprimem, mais eles vão ter”, afirma o artista.

*Por Simone Gondim

Prestes a estrear sua terceira novela na TV Globo, Jaffar Bambirra já demonstra maturidade quando o assunto é carreira artística. Filho da atriz e diretora Nadia Bambirra, ele cresceu acostumado aos bastidores e tem plena consciência de que o glamour que envolve a profissão é só fachada. “Minha mãe sempre me apoiou em todos os aspectos, mas quando escolhi essa carreira ela foi a primeira a falar de todas as dificuldades que eu encontraria pela frente”, conta. “Acredito que o universo do show business pode ser ótimo para você mostrar seu trabalho, a sua arte, mas o grande problema é se tornar refém dele. Isso tira o foco e a essência, trava a pessoa. Muitas vezes é preciso ter cabeça e entender que sucesso não é o que a gente projeta, talvez esteja em coisas tão pequenas que não o vemos, ou deixamos que ele passe por estarmos esperando sempre algo maior”, observa.

Aos 22 anos, o artista esteve no elenco de “Pega pega” e “O sétimo guardião”, além de contabilizar mais de 30 canções de sua autoria e participações em filmes como “Estação rock”. A música, inclusive, é um amor antigo. “Desde criança sou apaixonado por música brasileira, escutava muita coisa no rádio e nos CDs que tinha no walkman, que iam desde Cássia Eller e Djavan até Zezé di Camargo e Luciano. Depois, fazia shows para a família, cantando, sempre como uma brincadeira, até ficar mais velho e entender que era isso que queria para a minha vida”, revela.

“O show business pode ser ótimo para mostrar seu trabalho, mas o grande problema é se tornar refém dele”, diz Jaffar Bambirra (Foto: Sergio Santoian)

Neto de exilados políticos – Nadia é filha dos economistas Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, que passaram 16 anos longe do Brasil e foram responsáveis por formular a teoria marxista da dependência, ao lado de Ruy Mauro Marini -, Jaffar tem plena consciência do desastre causado por uma ditadura. “Estamos vivendo um momento de desmonte do legado deixado por tantas pessoas, algumas que morreram para que pudéssemos ter a nossa liberdade, nosso direito de sermos e expormos nossos sentimentos e questionamentos. É um absurdo termos um presidente que trata um torturador como herói nacional. Apoiar a ditadura é apoiar o assassinato e o ‘desaparecimento’ de 434 pessoas – isso somente o que foi contabilizado – pelas mãos de quem deveria nos proteger. É apoiar uma das maiores catástrofes sociopolíticas da história do nosso país”, indigna-se.

Theotônio e Vânia foram importantíssimos na vida do ator, que lhes dedicou uma canção, “A-vós”, lançada em agosto, mês em que a Lei da Anistia completou 41 anos. “Minha mãe chora todas as vezes que ouve essa música. Ela nasceu na clandestinidade e com 1 ano saiu do país, morou no Chile e no México. O exílio deixa marcas que ninguém vai conseguir apagar. Essa música não é só para os meus avós, mas para todos que lutaram e lutam até hoje”, afirma Jaffar. “O maior legado que meus avós me deixaram é a esperança por uma sociedade mais justa e igualitária. A esperança na juventude, mas também o desejo de mudança no olhar para o outro, em atitudes e gestos, entender que cada um é uma engrenagem de transformação”, acrescenta.

(Foto: Sergio Santoian)

Por enquanto, Jaffar tem lançado singles – além de “A-vós”, ele é autor de “Kimbala”, uma parceria com Julia Mestre, “Quando fui seu par” e de duas músicas que fizeram parte da trilha da novela “Pega pega”, “Ilustração” e “O jarro e a flor”. Mas o artista não descarta a possibilidade de um álbum com uma seleção de canções próprias. “Tenho o desejo e planos de gravar um disco, sim. Acredito que um álbum tem muita força enquanto obra, é mais completo, apesar de os singles serem uma ótima opção tanto como divulgação do trabalho, como de viabilidade de projeto”, diz.

Em tempos de Covid-19, o ator, assim como boa parte da classe artística, viu muitos de seus projetos darem uma pausa forçada. Ele reconhece que não foi fácil, mas era necessário parar. “É difícil, a gente quer sempre estar em movimento, trabalhando, mas o isolamento é extremamente importante para contermos a pandemia. Busquei tirar esse tempo para estudar mais e estar pronto para quando tudo voltar”, explica. Parte da quarentena Jaffar escolheu passar isolado na casa da mãe, fora da agitação do Rio de Janeiro. “Foi reconfortante. Em meio a todo o caos, tive o privilégio de estar em contato com a natureza. Decidi ficar para poder me isolar tanto da pandemia quanto dessa loucura que estamos vivendo na nossa cidade, mas também para ajudar minha mãe com as funções da casa”, descreve.

“Enquanto existir povo, vai existir teatro, música e cinema”, acredita Jaffar Bambirra (Foto: Sergio Santoian)

Sobre os recentes ataques à cultura e aos artistas em geral, Jaffar só encontra uma palavra: absurdo. “Sempre é preciso acreditar em uma recuperação, mas é incrível como em tão pouco tempo conseguiram um desmanche tão grande na nossa cultura. Tudo que tinha sido construído nos últimos 20 anos foi jogado no lixo, por pessoas que ignoram a cultura como parte imprescindível da educação e da formação do nosso povo”, lamenta. “Fico muito triste, mas sei que eles podem fazer o que for: enquanto existir povo, vai existir teatro, música e cinema. Quanto mais eles nos reprimem, mais eles vão ter. A arte é força pulsante do ser humano, é impossível parar”, acredita.