Depois de 39 anos, ‘Partido Alto’, com Betty Faria, marca o 2º lugar nos trends do Globoplay e ultrapassa ‘Travessia’


Exibida em 1984 e marcada por seus bastidores turbulentos – inclusive contando com o abandono da trama por parte de um dos autores, e baixa audiência na época de sua primeira exibição, “Partido Alto” está desde a semana passada na plataforma Globoplay. A trama de Glória Perez e Aguinaldo Silva vem surpreendendo na audiência no stream global e obtendo bons índices. Até a última segunda feira, 17/04, esteve entre os programas “em Alta”, perdendo somente para “Todas as Flores”. À frente, inclusive, de fenômenos como “Vai na Fé” e da atual trama das 21h, escrita pela mesma autora, Gloria Perez e que derrapa no Ibope. O Site Heloisa Tolipan conversou com alguns atores do elenco, dentre os quais Betty Faria e as atrizes Bia Sion e Neuza Caribé, que relembraram a produção e falam sobre a boa acolhida à trama, depois de quase quarenta anos. Glória Perez também fala sobre como foi o processo da escrita e a parceria com Aguinaldo. “Não tinha como dar certo. Temos métodos diferentes”

*por Vítor Antunes

“Partido Alto“, novela exibida na Globo há 39 anos e que, entre outros temas, abordava a ascensão do funk e os primeiros bailes da Furacão 2000 – que só explodiriam na década seguinte –, além de falar sobre o jogo do bicho e as escolas de samba, figurou até ontem, segunda-feira, dia 17, no segundo lugar no Globoplay, entre os programas em alta, ou seja, os mais procurados. Ultrapassando uma trama da própria Glória Perez, “Travessia”, malfadada novela das 21h – e o atual sucesso da Globo, “Vai na Fé”. Betty Faria, que foi uma das protagonistas da trama, Neuza Caribé, intérprete de Zezinha, e Bia Sion, que deu vida à Su, comentam o sucesso no streaming.

No passado, com baixa audiência e problemas nos bastidores – crises entre os atores e os autores – especialmente, “Partido Alto”, ficou restrita à memoria daqueles que a assistiram em 1984. A novela, escrita por Glória Perez e Aguinaldo Silva, teve Betty Faria, Raul Cortez e Elizabeth Savalla nos papéis protagonistas, nunca foi reprisada justamente por não ter repercutido bem nas pesquisas naquela ocasião. Além disto, a parceria entre os autores, que não se conheciam e tinham métodos de trabalho muito diferentes, resultou numa ruptura entre eles. Aguinaldo abandonou o barco e a trama foi conduzida apenas por Perez. Surpresa com a bem aventurança do folhetim junto ao público, Betty Faria diz ter muito carinho por Jussara, sua personagem, especialmente por havê-la inserido no contexto das escolas de samba, já que a moça inicia a novela como porta-bandeira e termina como destaque de alegoria, após envolver-se com o bicheiro Célio Cruz (Raul Cortez). A atriz, com mais de 30 novelas em seu currículo, também afirma não ter previsão de voltar aos folhetins televisivos e antecipa-nos de que esteve gravando um filme franco-português, da diretora Teresa Villaverde. Destaca, também, sua amizade com o coautor de “Partido Alto”, Aguinaldo Silva: “A pessoa com quem mais trabalhei. Ele gosta de mim, confia no meu trabalho”. Longe das novelas desde 2019, quando fez “A Dona do Pedaço”, Faria diz não ter uma previsão de voltar às novelas imediatamente.

Só volto às novelas se for por um papel que me deixe muito apaixonada. Novela exige muito tempo de vida. Eu estou querendo fazer mais coisas, eu sou muito inquieta, mas se tiver um lindo papel, eu faço sim – Betty Faria

Escrita por Aguinaldo Silva e Glória Perez, “Partido Alto” se redime da audiência mediana de sua exibição original e ocupa o segundo lugar no Globoplay (Foto: Reprodução/TV Globo)

ENREDO DE SAMBA E BATIDA DA FURACÃO

Em 1984, Glória Perez vinha de uma única experiência como roteirista de TV. Havia sido colaboradora de Janete Clair (1925-1983) em “Eu Prometo”, exibida entre o ano anterior e fevereiro de 1984. Aguinaldo Silva, por sua vez, havia escrito apenas duas minisséries: “Padre Cícero” e “Bandidos da Falange”, sendo que esta última foi ao ar em 1982. Nenhum dos dois havia tido experiência solo como novelista. Porém, conheciam bem a carpintaria dramatúrgica e passaram a estar cotados como autores das próximas novelas.

A parceria entre eles surgiu diante de um imbróglio entre a alta cúpula da Globo. É o que  contou Glória Perez em entrevista realizada em 2020. “Eu queria fazer uma novela das Seis. O Dias Gomes (1922-1999) também queria que eu fizesse uma novela no mesmo horário, mas o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, diretor da emissora], queria que eu escrevesse na novela das oito. E Daniel Filho, por sua vez, queria que o Aguinaldo Silva fizesse uma novela das oito. Resolveram então fazer um “casamento” entre nós, juntando duas pessoas que não tinham se visto e se conheceram no elevador da emissora, na subida para fazer o contrato. Foi assim que nos apresentamos”.

Não foi uma experiência positiva. Os métodos eram muito diferentes. O Aguinaldo planeja com antecedência tudo e eu escrevo por impulso. Eu nunca sei o que vai ter no capítulo seguinte, a contrário dele. Isso não podia dar certo. É algo que foi muito sacrificado, mas é uma novela que tem muita coisa interessante – Gloria Perez

Há uma semana no Globoplay, “Partido Alto” supera duas tramas contemporâneas, “Vai na fé” e “Travessia” (Foto: Reprodução)

Partido Alto”,  trazia junto a si uma proposta moderna, onde não havia, inicialmente, uma clareza sobre quem é o vilão, já que o objetivo era mostrar as pessoas de forma humanizada. Este motivo, além da divergência entre os autores, pode ter colaborado pelo seu insucesso na época. Curiosamente, Glória lança mão do mesmo expediente em “Travessia”, também marcada por uma audiência mediana. Na última sexta feira, 14/04, a atual novela das 21h assinalou média de 27 pontos. Bem distante de sua antecessora, “Pantanal”, que na reta final chegou a alcançar 36 pontos. “Partido Alto“, por sua vez assinalou 46,8 de média. “Corpo a Corpo“, sua sucessora, 52,6.

Além da narrativa ousada, “Partido Alto” também abordava duas realidades do Rio de Janeiro: aquele que há antes e o que há depois do Túnel Rebouças. Os conflitos das famílias da Zona Sul carioca, versus a expressividade pujante do Encantado, Zona Norte do Rio. Neste bairro suburbano havia uma escola da samba, a Acadêmicos do Encantado, assim como os bailes funks da época – já realizados pela Furacão 2000 – e ainda muito influenciados pelo break. Esse dualismo estava presente, inclusive na própria abertura da trama.

Gloria Perez relata que logo depois de fazer “Partido Alto”, tentou lançar, por volta de 1985, uma trama ousada, “Barriga de Aluguel”, na Globo. No entanto, a emissora não se interessou pela novela, que foi levada à Manchete. Como o projeto original pertencia à Globo, a extinta emissora não pôde gravar a trama, e Glória Perez acabou escrevendo “Carmem”.Barriga de Aluguel’ só seria levada ao ar pela líder de audiência em 1990 e é um dos maiores sucessos tanto da emissora, como da novelista.

Leia Mais: Gloria Perez escreveu duas novelas cujos autores deixaram as tramas. Veja 10 folhetins que sofreram mudanças

Bia Sion foi Su em “Partido Alto”. Atriz relata que esta novela tem valor especial em sua carreira” (Foto: Reprodução/Globoplay)

♪ NA PASSARELA DO SEU CORAÇÃO ♫ 

O tema de abertura da novela foi “Enredo do Meu Samba”, de Jorge Aragão, o que demarcava a identidade da trama, na qual uma das personagens importantes era Jussara (Betty Faria). Um núcleo relevante do folhetim situava-se na quadra da escola de samba fictícia Acadêmicos do Encantado. Procurada pelo Site Heloisa Tolipan, Betty Faria surpreendeu-se com o atual sucesso da trama no streaming. Afirma que Jussara ocupa um lugar especial em seu coração. “Foi uma novela linda que me botou bem num personagem popular que eu adoro fazer. Me botou dentro da escola de samba. Era um papel delicioso: Uma manicure que era destaque na escola de samba. Também tive que ter aulas sobre como evoluir como uma porta-bandeira. Fora que trabalhei com dois grandes parceiros, que eram os meus pares românticos. Um era o Raul Cortez (1932-2006) e o outro o José Mayer”.

Betty chegou à trama por convite de Aguinaldo Silva, com quem já havia estado em “Bandidos da Falange”, minissérie de 1983. “Aguinaldo é um dos autores que eu mais trabalhei, ele gosta de mim, confia no meu trabalho”. Tanto, conta-nos a atriz, que o coautor da trama está escrevendo suas memórias e dedicou a ela um capítulo inteiro. Prossegue contando-nos a intérprete de Jussara que “Por volta do capítulo 80 os autores se desentenderam e a trama seguiu escrita por Glória”. Em algumas ocasiões, Faria diz que levava seu filho, João aos estúdios. “Eu o levava sempre para as gravações externas em algo leve ou que não fosse demorasse muito”. Porém, numa dessas situações, relembra Neuza Caribé, que o então menino foi levado por Betty, com uma amiga à TV. “A amiguinha dele era a hoje diretora Amora Mautner”.

Betty Faria era Jussara, uma manicure e componente de escola de samba: “Gosto dos tipos populares” (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

Na trama oitentista, Neuza Caribé, interpretava Zezinha. “Eu havia feito, com Janete Clair (1925-1983), ‘Eu Prometo’”, sendo esta última, uma  novela que Glória coescreveu com Clair, especialmente após o falecimento desta. Conta-nos Neuza que as cenas do bairro do Encantado, eram, na verdade, gravadas nas cercanias da Globo, no Jardim Botânico. “E os bailes [funk] eram em clubes mesmo, com o Romulo Costa [líder da ] Furacão 2000 que estava bombando”.

Neuza Caribé está desde 1986 sem fazer televisão. Sua última novela foi “Selva de Pedra”, o remake. Contudo a atriz não se afastou nas artes cênicas. Hoje trabalha como assistente de direção de Ernesto Piccolo. Inclusive participa da montagem de “Simples Assim”, peça que está em turnê nacional. Revela-nos que, terminou a trama grávida de Tatiana Dias Gomes, musicista.

Neuza Caribé e Cininha de Paula em cena de “Partido Alto” (Foto: Reprodução/Globoplay)

Outra a também vir pelo time de Glória Perez foi Bia Sion, que deu vida à personagem Su. “A autora me havia assistido na peça “Band-Age” e gostou muito do meu trabalho. Quando foi escrever a novela convidou-me a fazê-la e escreveu esse personagem para mim. Tanto que ela tem o meu nome, invertido. A personagem chama-se Susana Beatriz. Meu nome é Beatriz Susana”, relata. E prossegue dizendo que “Partido Alto foi um momento especial na minha carreira. Recentemente até mandei uma mensagem para a Gloria e para o Aguinaldo agradecendo”.

Su lançava mão de um lenço de tule para domar a vasta cabeleira. O item ganhou as ruas e as passarelas. Virou um modismo, nascido por fruto do acaso. “Eu tinha cabelo muito grande, que ficava caindo no meu rosto. O Roberto Talma (1949-2015), diretor, pediu que eu desse um jeito no cabelo, porque ele caía no rosto na hora de gravar. Na peça “Band-Age” eu usava esses lacinhos de filó. Propus de levar para a televisão e ver como ficava. Inicialmente, a peça era apenas para tirar o cabelo do meu rosto. Só que a moda começou a pegar, de modo que a Yes Brasil, uma marca da época, passou a vender os lenços, assim como passou a ter também em todos os camelôs. Eu era, realmente, muito reconhecida na rua”, relembra a artista.

Bia Sion e o laço de tule que ganhou as ruas em 1984 (Foto: Reprodução/Globoplay)

Desde 2018 fora das novelas, sendo a última “Deus Salve o Rei”, Bia continua na ativa. A atriz também é cantora e tem alguns álbuns autorais nas plataformas de áudio, como os discos “A levada do jazz” e “Varal da vida”. No último mês lançou um single, “Luz de Bruma”, e está preparando outras canções com o seu parceiro musical, Fred Góes.

Outra que também promete novidades é Betty Faria. A atriz está recém chegada de Portugal, onde gravou nas aldeias do interioranas do país europeu, “passando frio na Serra da Estrela”, segundo a atriz. Trata-se de um filme de longa-metragem da diretora portuguesa Teresa Villaverde chamado “Justa”, uma produção franco-lusitana.