De férias em Paris, Valeria Almeida repercute sua passagem pelo “Encontro”, debate negritude e direitos humanos


Na Globo desde 2011, Valéria Almeida foi, gradativamente conquistando seu espaço na emissora carioca. No dia do seu aniversário, 3 de julho, estreou como apresentadora do programa “Encontro”, substituindo, junto com Tati Machado, a titular da atração, Patrícia Poeta. A presença de ambas foi um sucesso, os índices de audiência aumentaram e agora cabe a elas a liderança eventual do programa, quando da ausência de Patrícia. Entusiasta da causa afro afirmativa, Valéria celebra o aumento de pretos no jornalismo – algo que já foi quase que restrito à presença de Glória Maria, Dulcineia Novaes, Zileide Silva e Heraldo Pereira. Hoje são muitos, inclusive que podem lançar mão do próprio cabelo como afirmação de identidade, algo que não era permitido. Há repórteres que queixavam-se que os editores diziam que seus “cabelos ocupavam espaço demais na tela”. Além deste tema, Val fala sobre a importância de se discutir os Direitos Humanos na sociedade moderna

*por Vítor Antunes

Direto de Paris, onde desfruta de merecido descanso, Valéria Almeida conversa com exclusividade com o site Heloisa Tolipan sobre os reflexos após um mês exatamente de ter dividido o comandado com Tati Machado do programa “Encontro“, substituindo Patrícia Poeta, que estava em férias. A apresentadora do “Bem Estar” – quadro fixo do “Encontro” e do “É de Casa” – foi promovida a apresentadora eventual do matutino. “Seguimos aqui, nessa nova etapa, juntas, eu e Tati, com a Patrícia Poeta, somando”. A dupla aumentou em um ponto a média do show anteriormente conduzido por Fátima Bernardes, virou meme e foi muito bem recebida pelo público de casa. Atualmente, nas férias de Valéria, quem assumiu sua função no “Bem Estar” foi a ex-BBB, médica e comunicadora Thelma Assis. 

Militante da causa dos Direitos Humanos, a jornalista percebe estar havendo, do cidadão médio, um avanço na compreensão deste assunto, ainda que ele permeie, num âmbito geral, por muita informação distorcida. “Sou uma defensora e uma fiel propagadora do que está contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque realmente acredito no direito à vida com dignidade, respeito e igualdade. Infelizmente, diante de tantas desinformações e mentiras o termo Direitos Humanos parece [ao cidadão comum], ter sido transformado em uma instituição que só defende pessoas privadas de liberdade, sempre que o termo vem à tona. Quando isso acontece, a conversa se encerra antes de começar”. Ainda sobre esse tema, Valéria critica os que lançam mão do lema “Direitos humanos para humanos direitos“: “Vejo este discurso como uma estratégia adotada por quem se sente no direito de definir quem deve ser tratado como humano”.

Voz ativa da causa negra, Valéria celebra uma maior afro-representatividade no jornalismo e diz que entre suas inspirações constam Glória Maria (1949?-2023), Zileide Silva e Dulcinéia Novaes. Elas “sempre foram uma conexão entre minha família, minha origem e a vida que eu desejava ter”. Para a repórter, a inclusão de pessoas negras é fundamental: “Eu só acredito no trabalho coletivo e inclusivo”. Ela comenta, também, sua perspectiva sobre as razões que fizeram os jornalistas pretos não assumirem seus cabelos crespos na tela: “Somos uma sociedade gerada à base da escravidão e da animalização de pessoas negras”.

Nossos fios de cabelo foram associados à sujeira, à desordem e à propagação de doenças. Quando a gente faz uma análise de tempo, poucas gerações separam a vida liberta de hoje com a vida de sequestro e cativeiro. Essa mudança de olhar ainda exige um trabalho. (…) E a TV é só um recorte da sociedade – Valéria Almeida

Valéria Almeida: Jornalismo, cultura e africanidades pela ordem do dia (Foto: Thaís Monteiro)

UM SORRISO NEGRO

A presença de Valéria Almeida na Globo remonta não apenas ao “Bem Estar” ou ao “Encontro“. Vai mais além e dialoga com o “Profissão Repórter“, jornalístico liderado por Caco Barcellos, que leva para a rua jovens jornalistas em busca da notícia. De lá para cá, Val foi imprimindo cada vez mais identidade e personalidade ao seu fazer profissional.

Entrou para o “Bem Estar” quando ele ainda era um programa independente e permaneceu nele quando transformou-se em um quadro do “Encontro”. Após a ruidosa saída de Manoel Soares do matutino, que coincidiu com a entrada em férias da titular do programa, Patrícia Poeta, ela e Tati Machado foram as escolhidas para assumir a atração. Ambas desempenharam muito bem o papel, subiram em um ponto a audiência. Sobre o período que ficou à frente do show, Valéria diz que “foi uma experiência muito bonita e prazerosa e aconteceu no melhor momento da minha vida, quando senti que estava completamente pronta pra assumir a responsabilidade de estar à frente de um programa que tem uma história de muita credibilidade e sucesso. Cumprir essa missão ao lado da Tati Machado foi um presente. Nossas energias e conhecimentos se complementam e entre nós havia uma grande vontade de fazer o programa dar certo. O resultado dessa química chegou na casa das pessoas de um jeito muito bonito e potente”.

Outra apresentadora do “Bem Estar” é Michelle Loreto. Inclusive, em face da gravidez dela, Valéria também poderá estar mais vezes à frente do rodízio da apresentação do quadro que fala sobre saúde. Assunto do qual o Brasil é muito carente de informações. Diante dessa situação, qual dado sobre desinformação de saúde ou ausência de assistência básica urbana surpreendeu Valéria ao flagrar-se diante dele? Ela responde que “pouco me surpreende (no sentido mesmo de surpresa), mas muito me afeta, porque sei o que a ausência de atendimento causa e também o que significa sentir vergonha por se achar dependente do Estado, por não saber que, na verdade, o acesso à saúde é um direito humano garantido pela Constituição. Eu nasci e cresci numa periferia, passei boa parte da vida como usuária exclusiva do SUS, que é um sistema que admiro, mas que ainda não dá conta de atender a todos com a qualidade que a gente espera. Então, vejo que, no meu cotidiano de trabalho, apresentando o “Bem Estar” há três anos, junto o que tenho de vivência com o que adquiro de informação e compartilho com alma, da mesma forma que falo com a minha família. Acredito que dessa forma consigo entregar para as pessoas ferramentas pra que elas tentem garantir que suas vidas tenham qualidade e dignidade”.

Valéria Almeida e Tati Machado à frente do “Encontro”: O carisma de ambas foi definitivo (Foro: Reprodução/TV Globo)

No dia que estreou como substituta no “Encontro“, Val completou 40 anos. O que significa esta idade para ela e como vislumbrava esta fase da vida durante a juventude? “Eu desejei fazer 40 anos mais do que desejei ter 15 ou 18, como muita gente sonha. Visualizava uma vida bonita e acima de tudo, cheia de saúde! Que venham, pelo menos, mais quarenta! Cá estou, agradecida pela benção que é viver, e pronta pra envelhecer sambando!”.

Perdi muita gente importante pra mim quando ainda eram muito jovens! Minha mãe partiu com 33 anos, quando eu tinha 10. Dois anos depois, minha tia teve um AVC gravíssimo, com 35 anos, e, aos 42 anos, morreu. Então, fazer 40 anos com saúde virou minha primeira grande meta de vida – Valéria Almeida

A RAIZ DA LIBERDADE

Uma pauta importante que norteia o discurso e a ação de Valéria Almeida é a dos Direitos Humanos. Tanto que é  especializada nisso, em Responsabilidade Social e em Cidadania Global. Nos últimos anos, muito se discutiu sobre este tema, inclusive lançando-se mão do argumento “Direitos humanos para humanos direitos“. Havia quem achasse que o direito à humanidade era desculpa para uma punição pouco enérgica. Para a jornalista, trata-se de ideias apartadas. Esse direito humano seletivo é, para ela “uma estratégia adotada por quem se sente no direito de definir quem deve ser tratado como humano. Infelizmente, muitas pessoas que têm seus direitos negados também repetem esse discurso, por desinformação ou por falta de acesso a uma educação que estimule a reflexão”.

E ela prossegue: “Sou uma defensora e fiel propagadora do que está contido na Declaração Universal do Direitos Humanos. Acredito no direito à vida com dignidade, respeito e igualdade, e acima de tudo, almejo isso pra todos nós. Defendo a prerrogativa do direito à humanidade sem me preocupar em ficar sempre dando título ao debate. E faço isso na TV, em palestras, em consultorias corporativas e em rodas de amigos. Se posso sensibilizar alguém, não perco a oportunidade. Acredito muito no poder das ações que visam a conscientização e sensibilização das pessoas. A minha fé no ser humano me move!”

Infelizmente, diante de tantas desinformações e mentiras que transformam o termo Direitos Humanos em uma instituição que só defende pessoas privadas de liberdade, sempre que o termo vem à tona a conversa se encerra antes de começar. Sinto que quando o diálogo é iniciado sem nomenclaturas, as pessoas se abrem e refletem mais, entendendo o que importa, independentemente do grau de escolaridade e de ativismo – Valéria Almeida

Valéria é pós graduada em Responsabilidade social (Foto: Thais Monteiro)

Valéria Almeida é especialista em Direitos Humanos (Foto: Thaís Monteiro)

A cosmetologia voltada ao consumidor preto é algo muito novo. Até bem pouco tempo atrás não havia cremes de cabelo voltados ao fio crespo, especialmente para os do tipo 4 de curvatura. Para maquiagem, era algo ainda mais difícil quando a pessoa era mais retinta. Valéria pegou esta transição na variedade cosmética e vê este processo com “muita alegria. Somos mais da metade da população e a grande maioria de nós têm histórias muito tristes pra contar, com relação à aparência, porque o processo de autocuidado sempre foi muito prejudicado pela falta de interesse da indústria. Os homens se viam obrigados a rasparem a cabeça e as mulheres a alisarem. Quando vejo hoje uma infinidade de penteados em cabelos crespos e cacheados, maquiagens maravilhosas e ousadas, além de me sentir livre pra colocar minha personalidade pra fora, fico realizada de ver outras mulheres e homens poderem ser como são e se sentirem lindos!”

As novas gerações crescem fortalecidas, reconhecendo-se lindas e podendo se expressar esteticamente como bem querem! Amo ver essa transformação tão positiva acontecer. Muitas de nós detesta ver fotos antigas em que os rostos estão mais claros, num processo agressivo de clareamento, por falta de cosméticos adequados – Valéria Almeida

Em tratando-se de cabelos, eles também eram uma questão para o jornalista preto. Às mulheres, muitas tiveram de alisá-lo ou abaixá-los “para não chamar mais atenção que a notícia”. Aos homens, coube a máquina cortadora. Perguntamos à Valeria a razão que, na visão dela, acabava por invisibilizar o cabelo crespo na tela: “O cabelo crespo é parte importante e significativa de nossa origem e nosso orgulho. Mas, numa sociedade gerada à base da escravidão e da animalização de pessoas negras, nossos fios foram associados à sujeira, desordem e propagação de doenças. Quando a gente faz uma análise de tempo, poucas gerações separam a vida liberta de hoje com a vida de sequestro e cativeiro. E a TV é só um recorte da sociedade. Em muitos ambientes corporativos, mulheres precisavam alisar os cabelos e os homens a o cortarem pra conseguirem assumir um cargo. Essa mudança de olhar ainda exige um trabalho constante de educação de quem não é negro e de fortalecimento da autoestima de quem é”. Além de Valéria, na Globo os repórteres Diego Moraes e Francini Augusto lançam mão no cabelo black. Em uma de suas redes sociais, Daniella Dias, também da Globo, afirmou que no início de sua carreira, em outro veículo, disseram-lhe que seu cabelo “ocupava espaço demais na tela”. Na CNN, é o jornalista Pedro Nogueira a ostentar sua cabeleira.

Pedro Nogueira. Repórter da CNN é um dos poucos a ostentar um cabelo black no jornalismo contemporâneo (Foto: Reprodução/CNN)

NEGRO É A INSPIRAÇÃO

Por muitos anos, as jornalistas pretas na TV eram apenas Glória Maria, Zileide Silva e Dulcinéia Novaes. Valéria diz que elas foram seu norte, também. “Foram uma conexão entre minha família, minha origem e a vida que eu desejava ter. Elas fizeram com que a Valéria da periferia de Santos, litoral de São Paulo, criada por avós que pouco tiveram acesso à educação, acreditasse que sonhar valia a pena e que realizar era possível, ainda que difícil. Hoje, vejo com prazer outros profissionais, homens e mulheres, ocuparem bons espaços e inspirarem outras pessoas. Eu me emociono cada vez que vejo pessoas de diferentes tons de pele, fios de cabelo, origens, sexualidade e identidade de gênero sendo parte da transformação, enquanto simplesmente existem e realizam seus próprios sonhos. E falo isso considerando todos que fazem a televisão acontecer, não só em quem está diante das câmeras. Eu tenho a satisfação de trabalhar com diretores, assistentes de direção, roteiristas, produtores, cinegrafistas, técnicos de áudio, figurinistas e caracterizadores negros, héteros, gays e lésbicas, cis e trans, pessoas de diferentes regiões do Brasil e de diferentes classes sociais. Quando todas essas pessoas se somam com as que não são negras, a troca é tão rica e construtiva que só me faz acreditar em um futuro cada vez melhor, mais leve e justo pra todos nós”.

 Fico feliz por fazer parte de um momento da história em que cada vez mais mulheres e homens negros ocupam as telas e os bastidores exibindo o orgulho de serem quem são até no fio de cabelo! Isso é lindo, potente e inspirador – Valéria Almeida

Cada trecho desta reportagem, em seus intertítulos, cita uma música de Dona Yvonne Lara (1921-2018): “Sorriso Negro“. Portanto, para encerrar, em mais uma referência à matriarca do Império Serrano, qual o sorriso e o abraço negros que trazem felicidade à Valéria? “O do meu marido, com certeza! Somos casados há 13 anos e seguimos conversando pelo abraço, sem precisar dizer nada! Nos abraçamos pra celebrar, acalmar, dizer o quando nos amamos… nós dançamos abraçados, desrespeitando o ritmo de qualquer música, porque o que vale mesmo é garantir o carinho que traz felicidade”.

Valéria Almeida e Peterson Gomes. O amor preto cura (Foto: Reprodução/Instagram)