*por Vítor Antunes
Ela esteve presente nos momentos mais importantes da televisão brasileira, marcando uma geração com sua atuação visceral e presença magnética. Em 1968, foi parte de um marco que revolucionou a linguagem das novelas: Beto Rockfeller. Aquela produção foi um divisor de águas, trazendo uma narrativa mais ágil, personagens multifacetados e diálogos mais próximos da vida real, algo até então inédito. Bete Mendes estava lá, testemunha e protagonista de um momento que mudaria para sempre o formato das telenovelas no Brasil. Hoje, décadas depois, ela continua brilhando, trazendo consigo o peso e a beleza de uma carreira marcada por grandes momentos na televisão e no teatro.Depois de sua última participação em novelas com Tempo de Amar, em 2017, Bete retorna com força total aos folhetins, não apenas em um, mas em dois grandes projetos. De um lado, ela estreia em Garota do Momento, a nova novela das 18h da Globo, que promete capturar o imaginário do público a partir da próxima segunda-feira, dia 4.
De outro, uma obra do passado ressurge das brumas do tempo: Sinhazinha Flô, novela de 1977, prevista para estrear no Globoplay no dia 18 de novembro. No entanto, Sinhazinha Flô traz consigo uma carga extra de discussões, especialmente nas redes sociais, devido ao fato de estar incompleta. A trama, escrita por Lafayette Galvão (1935-2019), passou quase despercebida à época de sua exibição, mas, surpreendentemente, parece estar despertando um novo interesse no público. Para Bete, essa novela foi um ponto alto em sua carreira, pois marcou sua segunda protagonista, apenas três anos após ter brilhado em O Rebu, novela que teve quase todos os seus capítulos perdidos, com apenas um único preservado e disponível no Globoplay.
“Estou muito feliz em participar da novela Garota do Momento e pelo retorno de Sinhazinha Flô, na qual interpretei a própria Sinhazinha. Minhas lembranças de Sinhazinha Flô são de muita alegria em ter participado”. De acordo com Bete, o ideal seria que os poucos capítulos restantes de Sinhazinha Flô permitissem ao público compreender a trama. “Ao exibir uma novela em fragmentos, espero que a trama seja entendida, curtida e acompanhada pelo público. Foi muito gostoso interpretar uma personagem de época, com roupas, hábitos e relacionamentos tão diferentes dos meus.”
Há um lamento subjacente à fala de Bete sobre como a memória artística no Brasil é, muitas vezes, negligenciada. “A memória artística em nosso país sempre ficou aquém do que temos de riquezas em todos os setores”, ela reflete. “Hoje, estou acompanhando um maravilhoso resgate, em filmes, teatro, novelas, artes plásticas, literatura… Creio que o que necessitamos é nos amarmos mais, querermos mais nossa história, e acho que estamos em um bom caminho.” Suas palavras soam como um chamado ao despertar, um convite a redescobrir o valor do nosso patrimônio cultural.
Bete Mendes é mais do que uma atriz; ela é um símbolo de resistência, uma figura que atravessou as décadas se posicionando politicamente, em uma época em que isso era não apenas raro, mas perigoso. No duro contexto da ditadura militar, Bete se posicionou, lutou e, após a redemocratização, transformou essa força em ação política. Ela foi eleita deputada, em um tempo em que havia tão poucas mulheres na política, que um jornalista chegou a dizer, em uma matéria da revista Manchete, que Bete e outras deputadas “embelezavam as sessões do Congresso”. A frase, cheia de condescendência, refletia a visão estreita sobre o papel da mulher na política, mas Bete enfrentou esse desafio com a mesma bravura com que encarou um acidente de carro, ainda na época da Tupi, que a afastou da novela As Divinas… E Maravilhosas. Era uma adversidade imensa, mas Bete se reergueu.
Dennis Carvalho, seu ex-marido, em uma entrevista à revista O Cruzeiro, disse sobre ela há 50 anos: “Ela é sensível e muito inteligente, consegue monopolizar as atenções gerais em todos os lugares que aparece, por sua vivacidade e sabedoria. Ela passou por muitas experiências de vida, ainda que seja muito jovem.” Na época, Bete ainda estava se recuperando do acidente, mas mesmo assim, como Dennis assinalou, “ela possuía uma enorme vontade de viver.” Hoje, essa vontade permanece inquebrantável. Corajosa e resiliente, Bete Mendes continua sendo um coração doce e valente, que devolve ao público o prazer de sua presença em uma novela, em uma época em que o etarismo ainda é uma barreira a ser superada.
Ela é uma inspiração para muitas, e sua trajetória mostra que a arte pode ser um espaço de resistência, de luta e, acima de tudo, de transformação. Em Garota do Momento, ela traz sua energia única, e em Sinhazinha Flô, ela nos faz lembrar do poder da memória e da importância de preservar nossas histórias. E assim, Bete Mendes segue, como uma estrela brilhante que continua iluminando o caminho para todos nós.
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