Antonio Haddad, de Os Outros, afirma que há escolas, como a de seu personagem, que não sabem lidar com o bullying


“Os Outros”, incensada série de Lucas Paraizo segue gerando discussões, especialmente pela (alta) voltagem em que está estabelecida: milícia, intolerância, bullying, aspereza e dificuldades na interrelação entre vizinhos. O principal conflito da série parte das mãos, literalmente, de dois atores: Antonio Haddad e Paulo Campos, que, numa briga acabam por desembocar a virulenta – e eletrizante – narrativa da série do Globoplay. Antonio Haddad, 17 anos, colhe os louros do sucesso com Marcinho, seu personagem, e diz que além de anunciar seus mais novos trabalhos: “B.A: Nem Tudo Está Morto”, da HBO Max e “Betinho – No Fio da Navalha”, do Globoplay. O ator de 17 anos também estará fazendo uma peça no Teatro Oficina em homenagem ao diretor Zé Celso Martinez Correa, que morreu mês passado. Trata-se da biografia do poeta Rimbaud (1854-1891)

*por Vítor Antunes

Série sensação do último mês, “Os Outros” segue gerando discussões, ainda que ligeiramente ofuscada pelo documentário biográfico de Xuxa Meneghel. Depois de semanas ocupando o primeiro lugar entre os produtos mais vistos na Globoplay, a série de Lucas Paraizo hoje está em 6º. Na centralidade do thriller urbano, estão dois personagens e suas famílias: Rogério (Paulo Mendes) e Marcinho vivido por Antonio Haddad, 17 anos. O ator está em seu primeiro trabalho de grande exposição neste formato híbrido TV/streaming e repercute os motes da série, tais como intolerância nas relações interpessoais e o bullying: “No caso da série, tudo poderia ser apenas uma briga na quadra do condomínio (…). Quanto ao bullying, a gente como sociedade tem que discutir isso”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que mais de 40% dos estudantes adolescentes admitiram já ter sofrido com a prática de “bullying”.

Além desta série, Tom pode ser visto em  “B.A: Nem Tudo Está Morto“, na HBO Max. Em breve estará em “Betinho – No fio da Navalha“, da Globoplay. Sobre o projeto da gigante americana ele diz que é algo moderno que aborda um Brasil em 2050 “momento em que a Amazônia virou um polo industrial”. Ele dará vida ao sociólogo Herbert de Souza (1935-1997) , o Betinho, mentor e líder da Ação da Cidadania, órgão fundado em 1993 para promover dignidade às pessoas em situação vulnerável socialmente.

O bullying é injusto e escolhe o vulnerável . A gente como sociedade tem que discutir isso, e através da conversa e não pela violência – Antonio Haddad

Desde muito cedo na profissão de ator, ainda que seja jovem, Antonio não vê como problemática a divisão de sua vida entre trabalho artístico e demandas sociais e/ou escolares, quando muitos outros atores mirins acreditam ser algo de difícil conciliação. Para ele é natural. “Foi uma escolha minha. Isso é essencial. Importante que seja algo prazeroso [o trabalho artístico]para o jovem, porque pode ser algo difícil para ele em algum momento, claro, especialmente se não for algo feito de forma voluntária. Mas para mim foi algo natural, divertido. É algo como estar na hora do recreio”.

Antonio Haddad. Ator está na celebrada “Os Outros” e em outros dois trabalhos no audiovisual (Foto: Gabriel Bertoncel)

FLICTS

Um dos livros de Ziraldo, “Flicts”, tem como personagem principal uma cor. Ela não se reconhece em lugar nenhum, nem no arco-íris, nem nas bandeiras, nem na caixa de lápis de cor. Até seu nome, Flicts, é incomum, frente ao Amarelo, Vermelho ou Azul. A incompreensão da cor parece ser a mesma que norteia dois dos personagens de Antonio Haddad no audiovisual . Marcinho, de “Os Outros” é super protegido pelos pais e envolve-se numa confusão enorme. Ela é a motivadora da escalada de violência da série. Na escola, o personagem é alvo de bullying e isto colabora para o avolumamento da crise entre os personagens Rogério e Marcinho. Na série “B.A: Nem Tudo Está Morto“, da HBO Max, a cena se orienta num Brasil  futurista, em 2050, distópico, no qual a Amazônia virou um pólo industrial e uma doença atinge aos adultos deixando-os sem cor.

Presente em “os Outros”, o bullying não fez parte da vida de Tom , mas ele observa que “A série retrata, também, a falta de habilidade das escolas em lidar com o bullying. Aquela em que Marcinho estuda, só pôde oferecer a ele um panfleto”.

Paulistano, Antonio precisou passar por uma preparação para atenuar o sotaque. “Chegando no Rio eu acordava paulista e estimulava o sotaque carioca. Havia uma preparadora para isso, além de uma de corpo. Nossa preparação foi muito na base das sensações, do contexto dos personagens. Ainda que na série houvesse um escalonamento de violência e agressividade, a nossa relação, entre o elenco era muito doce. Em cena a gente entendia a realidade que os personagens tinham e as coisas apareciam. É magnifico trabalhar com gente que se entrega tanto. Eu ficava surpreendido. Essa construção de violência presente na série também foi uma criação coletiva. Tive muito amparo da equipe”, conta-nos ele. Chegando à capital fluminense hospedou-se na Barra da Tijuca, bairro que sediava as locações de “Os Outros“, aclamada série da Globoplay sobre uma agressiva relação entre vizinhos. Diante desta árida relação, “A série se propõe a discutir a sensação que o Rogério (Paulo Mendes) cria no Marcinho e como isso se desenvolve. Foi algo bonito, enriquecedor, e houve muita dedicação a todos os envolvidos”, relata Antonio, que do elenco, já conhecia Drica Moraes e Milhem Cortaz.

A tônica de “Os Outros” não está apartada da sociedade que discute duramente sobre qualquer assunto – desde seu personagem de novela favorito à sucessão presidencial. “Acho  interessante que a série traga esse recado e nos mostre até que ponto uma discussão pode ser interrompida para que ela não escalone para outro nível, para o irreconciliável, em que todos estão querendo provar que estão certos”

A série propõe uma humanidade, em se pensar, ouvir, se comunicar menos agressivamente e mudar de perspectiva – Antonio Haddad

Antonio Haddad fala da importância da ponderação em meio a um ambiente hostil (Foto: Gabriel Bertoncel)

FUTURO

Outro projeto em que Antonio está é “Betinho – No Fio da Navalha“. Uma série biográfica sobre o sociólogo fundador da Ação da Cidadania Herbert de Souza, falecido em 1997 – oito anos antes de Antonio nascer. Betinho foi um “dos responsáveis por tirar o Brasil do mapa da fome”, sinaliza ele, cuja mãe “formou-se em Sociologia por causa dele”.

Ainda neste ano, o ator estará na peça “Rimbaud na África“, montada no Teatro Oficina, em São Paulo. A apresentação única, que conta a trajetória do poeta francês que transformou-se em traficante de armas ainda não tem data fechada e será, também, uma homenagem a Zé Celso Martinez Correa (1937- 2023). “Como não tem data fechada, o interessado em nos ver pode acompanhar o Insta da trupe, @_arcan_os. Entendemos Zé Celso como um mentor da arte brasileira, como tradutor do tropicalismo. O cara era o teatro. É muito bonito estar nesse lugar”.

Meses antes de falecer, Betinho foi homenageado pelo Império Serrano (Foto: Domingos Peixoto/Wikimedia)

Desde cedo entre os sets e coxias, Tom não vê como um problema ter começado a carreira -ainda mais – jovem. “Fiz minha primeira peça em 2008. Era muito criança e minha carreira começa num contexto familiar, entre amigos. Eu desde cedo já desmontava palco, decorava texto… Inclusive houve uma relutância da minha família por um tempo, mas o ofício sempre me fez bem”, diz o garoto, filho da produtora cinematográfica Berenice Haddad. Ele prossegue: “Eu me acho sortudo por poder ser ator, já que esse é o sonho de muita gente é um privilégio para mim. Tenho a sensação de hora do recreio”.

Diferente de muitas pessoas, ser ator foi uma escolha minha e isso é essencial. Precisa ser uma escolha, um prazer para o jovem. Eu vejo como algo natural e divertido para mim. Nos trabalhos que fiz, mesmo em peças mais densas, havia sempre uma pessoa brincando comigo – Antonio Haddad

Durante a preparação para o personagem de “Os Outros”, Antonio perguntou-se “o que o Marcinho queria?”, ou seja, qual o conflito que motivava o seu personagem. Devolvemos a pergunta ao ator, perguntando o que ele quer, qual o sonho que o motiva: ” Vou pela forma mais ampla: Quero aprender mais. Aprender novas formas de atuação, continuar contando histórias e fazendo a gente se perguntar como evoluímos enquanto sociedade”, filosofa.