O ‘storyboard’ do amor pensado agora e no amanhã pós-isolamento social


Nesta crônica, o jornalista Alexei Waichenberg enfatiza: “Se meu objetivo é, no fim, rachar a cabeça do Ser amado e ali imputar os dados do que estou sentindo, para não ter erro, é melhor usar as duas formas de apresentação, a eletrônica – online, wi-fi, aplicativa – e a escrita, de preferência sem estilística, direta, sem manipulações, para que nenhuma margem de dúvida sobreponha as águas límpidas e proporcione ao saltador uma manobra perfeita ao apresentar o seu mergulho”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

Qual a melhor sequência para anunciar o próximo amor? Como devemos apresentar esse trailler ao cliente, ao potencial copatrocinador dessa empreitada? Seria essa uma apresentação virtual, encerrada nos quadrados tecnológicos, que tem roubado a cena de paisagens imbatíveis? Ou seria física mesmo, uma imagem depois da outra, passo a passo, quadro a quadro, ritmado, a par e passo? Que cara deve ter esse material? Moderno, descolado, meio sem compromisso – design; ou clássico, romântico, quase careta – vintage?

Bom, feitas as perguntas, a reflexão: Primeiro é preciso entender que a palavra próximo, aplicada ao amor, muitas vezes tem conotação de ato sub-reptício, enganador. Não é disso que estou falando. Digo do amor mais próximo de acontecer, o desejado. Em inglês seria a imensa diferença entre o next e o close to me. Vamos estudar pois o alvo. Saber afinal que efeito pretendemos causar ao consumidor final desse amor. Pausa pra um whiskinho, que o meu amor eu sirvo é com whisky.

Bem, se meu objetivo é, no fim, rachar a cabeça do Ser amado e ali imputar os dados do que estou sentindo, para não ter erro, é melhor usar as duas formas de apresentação, a eletrônica – online, wi-fi, aplicativa – e a escrita, de preferência sem estilística, direta, sem manipulações, para que nenhuma margem de dúvida sobreponha as águas límpidas e proporcione ao saltador uma manobra perfeita ao apresentar o seu mergulho.

“Eu estou falando de amor, de entrega. Eu não tenho culpa se Shakespeare inventou essa armadilha de amor romântico” (Foto: Bob Shaid)

Olha eu aqui perdendo o foco e me lavando de figuras óbvias do bom português. É que quem já me ouviu falar de amor sabe que, para encará-lo, costumo escolher a plataforma mais alta para o salto. Às vezes a empolgação é tanta que um sujeito pouco sensível mergulharia numa piscina sem água. Felizmente não me aconteceu.

O que irrita é gente que fica na borda. Esperando uma ajuda, uma certeza, uma segurança, uma boia. Nesses casos sugiro comprar uma mala de ferramentas e partir para consertar o que está quebrado em casa. Eu estou falando de amor, de entrega. Eu não tenho culpa se Shakespeare inventou essa armadilha de amor romântico. Também não fui eu quem pegou na mão do Victor Hugo ou do Baudelaire pra escrever coisa nenhuma. Não liguei para o Wagner encomendando uma ópera mais pesadinha. Não mandei minha mãe nua, aos 18 anos, na casa do Modigliani e muito menos dei dicas ao Delacroix ou ao Rousseau. Eu só sofro as magníficas e barrocas consequências dessa malta toda.

Havia um texto, num curso de interpretação para televisão que eu fiz, achando naturalmente que eu seria o melhor (essa piscina estava vazia) que dizia: “A minha vocação é ser intenso”. E é. Eu não me lembro de fazer nenhum tipo de revisão, nem de carro, nem cardiológica nesses meus 412 anos, como disse a amiga Sonia. Na hora que pifar, pifou, mas antes disso eu tenho em mim todos os sonhos do mundo, citando Pessoa e quero me embriagar de mulheres, homens, vinhos e canções, citando Baudelaire, com alguma licença poética não autorizada, se me permite a Anitta.

Opa, escrevendo aqui para vocês, me veio uma luz. Vou mandar uma mensagem onde se lê: E aí? Blz? Toma um whisky virtual comigo hoje e vamos sonhar juntos numa live? Mensagem ainda não visualizada. Melhor desfocar, né? Bom dia!

* Alexei Waichenberg, jornalista com sintomas de amor crônico (on the rocks)