Peça desenvolvida a partir de depoimentos de quem vive com HIV destaca preconceito com o vírus ainda hoje


Montagem inédita do diretor Ricardo Santos aborda as relações que se estabelecem quando atravessadas pelo vírus que ainda carrega muito estigma

Normalizando a reflexão sobre o HIV na sociedade estreia, hoje, às 21h, através a plataforma Sympla, o espetáculo ‘Cuidado quando for falar de mim’. Idealizado e dirigido por Ricardo Santos, vencedor do Prêmio Shell, este projeto conta com encenação da peça e rodas de conversa nascidas nas trocas estabelecidas em reuniões de acolhimento da ONG Grupo Pela Vidda. A partir desses encontros, Ricardo percebeu o quanto era urgente falar do HIV, seus impactos na vida da população, os avanços da medicina e os estigmas de uma doença social.

A montagem inédita de Ricardo Santos aborda as relações que se estabelecem quando atravessadas pelo vírus (Divulgação)

A montagem inédita de Ricardo Santos aborda as relações que se estabelecem quando atravessadas pelo vírus (Divulgação)

“Fiquei com a ideia na cabeça e segui na pesquisa para além do Grupo. O ponto de partida está em falar das relações que se estabelecem quando atravessadas pelo HIV, vivendo ou convivendo com o vírus. Ao longo de dois anos de pesquisa entrevistamos transexuais, homens e mulheres cisgênero, lésbicas, gays, pessoas na terceira idade, enfim, foi uma ampla amostragem. A partir dos depoimentos colhidos, percebemos nessas trajetórias um aprofundamento e uma forma de refletir sobre grupo de risco, morte civil, violência doméstica, aborto, feminização do vírus, superação, acolhimento. São trajetórias que esbarram em muitas outras questões para além do HIV”, salienta Ricardo.

Tendo a dramaturgia construída com base em fatos reais, o espetáculo encontra o ficcional em alguns pontos e traz o cotidiano como forma de aproximação, criando pontes de identificação. “Em cena, as trajetórias dos personagens têm em comum o atravessamento pelo HIV, não o vírus. Não pretendemos trazer na essência da montagem o olhar da vitimização, tampouco o lugar de inferiorização”, pontua o diretor, que encontrou uma nova forma de levar o depoimento à cena, o flashback ao vivo, onde quem conta interfere diretamente no passado e no presente, já que este se dá no momento em que a cena ganha vida.

Para acessar com acerto um tema ainda visto por muitos como tabu, Ricardo contou com a assessoria técnica de profissionais da área, como a infectologista referência em HIV /AIDS, Márcia Rachid, e a advogada e ativista reconhecida na luta por direitos de quem vive com HIV, Regina Bueno. Assim como Salvador Corrêa, ambas participarão das rodas de conversa após o espetáculo, reforçando sua intenção de fazer refletir sobre viver com o vírus que, embora tenha tratamento, carrega a mesma mácula da época em que surgiu.

“Ao passo que a ciência muito avançou em relação ao HIV, o estigma e o preconceito em quase nada avançaram. Não se fala sobre o HIV, simplesmente teme-se o vírus”, pondera. “Porque é possível dizer sem rodeios que se é diabético ou hipertenso e não se fala do mesmo modo sobre o HIV, se todos têm a mesma classificação técnica de doença controlada? O HIV é um vírus social, carregado de estigmas e repleto de fantasmas do passado, que vive impenetrável no imaginário e no consciente coletivo”, ressalta o diretor.

Imagem do espetáculo que pretende fazer refletir sobre viver com o vírus que, embora tenha tratamento, carrega a mesma mácula da época em que surgiu (Divulgação)

Imagem do espetáculo que pretende fazer refletir sobre viver com o vírus que, embora tenha tratamento, carrega a mesma mácula da época em que surgiu (Divulgação)

Assegurar o direito de ser respeitado, independente da sorologia, é de suma importância para Ricardo, que acredita que o silêncio adoece e mata. “A frase do título é uma forma de alerta. Envolve o respeito. Pressupor o que de fato não se conhece é uma forma de preconceito. Os espaços de diálogo conquistados por meio da mobilização estão abalados por um crescente silêncio que sufoca as vozes críticas. Hoje é possível viver bem com HIV, mas não é como viver sem ele”, finaliza.