Crise na Portela: Diante de um quase rebaixamento e um desfile difícil, coletivo portelense reclama por mudanças


A azul e branco de Madureira revela mais uma de suas contínuas dissensões políticas. Chapa Respeita a Portela, opositora à atual mandatária, publica um manifesto de desagravo à atual gestão, a “Portela Verdade”. Os rivais requerem mais transparência na prestação de contas, além de maior respeito aos componentes e à história da agremiação. A maior campeã da história do carnaval ficou na décima posição em 2023, margeando com o rebaixamento

*por Vítor Antunes

Ainda que o centenário da Portela marque a sua longevidade, o ano de 2023 tem sido difícil para a memória do portelense. Os problemas já começaram antes mesmo dos desfiles, com uma fantasia, acusada de racismo. Durante a passagem da agremiação de Madureira pela Sapucaí, uma chuva de problemas técnicos: carros quebrados, uma evolução equivocada e por aí vai. A Águia aponta para 2024 um cenário conflitante, devido à divulgação de um coletivo que, ainda na noite de ontem,  publicou um manifesto cobrando mudanças urgentes na escola centenária: “A Majestade do Samba (deve) passar por uma reformulação administrativa incondicional e urgente”, diz o manifesto após o deferimento da 10ª colocação da azul-e-branca. O grupo “Respeita Portela” é oposição ao “Portela Verdade”, chapa que conduz a escola atualmente. Os conflitos internos na Portela não são incomuns. Um deles, iniciado em 1975, deu origem ao Quilombo, e em 1984, e à Tradição.

No ano do centenário da Portela, mais uma de suas dissensões políticas (Foto: Alex Ferro/Riotur)

HOJE EU VENHO RECLAMAR!

O samba de 1988 da Portela dizia: “Hoje eu venho reclamar! O que é que tem o que há?”. Talvez este seja o espírito do portelense depois de um resultado insatisfatório no carnaval 23. O coletivo “Respeita Portela”, oposição ao atual grupo mandatário na agremiação, a chapa “Portela Verdade”, faz reivindicações urgentes na escola, que teve uma das piores colocações da sua história e esteve cotada ao rebaixamento junto à crítica especializada no ano de seu centenário. Num ano em que havia 12 escolas no grupo principal, a agremiação ficou em décimo lugar. Pior que esta, só a de 2005, no fatídico desfile da águia sem asas, e no qual a “Vaidosa”, ficou em penúltimo lugar.

Cenário de diversos entreveros políticos – um entre os Anos 1970 e 1980 e outro na gestão Nilo Figueiredo (1937-2022), nos anos 2000, a Portela pôde respirar quando Marcos Falcon (1964-2016) assumiu a presidência da escola. Tanto que fora campeã em 2017, num título dividido com a Mocidade, escola que, atualmente, também está em crise. A iminência do rebaixamento fez reacender a chama do conflito. A oposição aos atuais dirigentes publicou um manifesto duro, cobrando mudanças imediatas.

Em seu quarto mandato, (o Portela Verdade) desconfigurou-se notoriamente. O resultado da descoordenação e dos problemas internos pelos quais atravessa a chapa foi o desastroso desfile de celebração ao centenário da mais tradicional agremiação do Carnaval carioca – Manifesto do Respeita Portela

Desfile da Portela em 2023. Uma problemática auto-homenagem (Foto: Tata Barreto/Riotur)

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O posicionamento da oposição foi além. Fez eco à voz dos críticos profissionais e do público das arquibancadas quanto à falta de esmero da escola no que se refere à realização de alegorias e figurinos. “Fantasias mal acabadas e entregues momentos antes do desfile, alegorias sem finalização, carros quebrando em meio à passagem pela Sapucaí e dívidas gigantescas com fornecedores, que vieram se recusando a prestar serviços justamente no ano do centenário da escola, prenunciaram a desgraça”, dispara.

Os divergentes vão além e cobram, inclusive, respaldos comprobatórios das movimentações financeiras da alviceleste: “O que há com a administração atual da Portela? O que os seus gestores fazem dos recursos que recebem das fontes que financiam as escolas do Grupo Especial? Por que uma agremiação moralmente ilibada, pioneira em tantos quesitos, com uma constelação de personagens que perpassa gerações, tem sido destruída internamente de forma tão cruel e avassaladora?”, perguntam. A contrário dos torcedores que pediam a saída imediata do casal Márcia e Renato Lage, por divergências artísticas – além da afamada rusga entre Márcia e a porta-bandeira Lucinha Nobre durante as eleições nacionais – o coletivo respeita a história dos carnavalescos e os exime de culpa pelo fracasso portelense, ainda que ressalte a divergência ideológica com os artistas plásticos. No ano passado, uma das fantasias da escola foi acusada de reiterar estereótipos racistas.

Fantasia da Portela que fazia menção ao desfile de 1975, “Macunaíma”. O boneco preto do herói de Oswald de Andrade foi trocado por um muiraquitã (Foto: Reprodução)

Há que se ressaltar que Márcia e Renato Lage são profissionais de excelência e não podem ser responsabilizados pelo caos instaurado na avenida (…) .Divergir do conceito e da estética por eles e impressos em seus trabalhos é absolutamente aceitável, sobretudo diante da retomada do cenário democrático no Brasil. Mas condená-los pela má administração estabelecida na Portela é equivocado – Manifesto do Respeita Portela

A grita dos descontentes estende-se também ao fato de a Portela, desde 1970, não ser campeã sozinha. No último título que vencera isoladamente, Clara Nunes (1942-1983) ainda estava viva, e o carnavalesco era Clóvis Bornay (1916-2005). Eles também cobram respeito aos segmentos da escola. “Há um hiato, portanto, de 53 anos sem subir ao pódio com a dignidade que (a Portela) merece. A mesma dignidade precisa ser dispensada aos seus componentes, independentemente de segmentos”, reclamam.

Procurada, a chapa “Portela Verdade” ainda não se pronunciou. O espaço segue aberto para o posicionamento destes.

Opositores não culpam o casal Lage pelo fracasso portelense, mas exigem da diretoria uma administração mais transparente (Foto: Ismar Ingber/RioTur)

REVINDICAÇÕES DO COLETIVO RESPEITA PORTELA, NA ÍNTEGRA

O coletivo Respeita Portela, cuja chapa homônima concorreu nas eleições da azul e branco de Oswaldo Cruz em maio de 2022, sinalizou naquela ocasião a importância de a Majestade do Samba passar por uma reformulação administrativa incondicional e urgente. Em função dos obstáculos que nos foram impostos, sendo o principal deles o não acesso aos contatos dos sócios para que pudéssemos realizar uma campanha equânime, perdemos a disputa para a Portela Verdade. Em seu quarto mandato, a chapa fundada pelos saudosos Marcos Falcon e Monarco, desconfigurou-se notoriamente. O resultado da descoordenação e dos problemas internos pelos quais atravessa a Portela Verdade foi o desastroso desfile de celebração ao centenário da mais tradicional agremiação do Carnaval carioca. A Portela ficou em 10º lugar. É a pior colocação desde 2005.

É preocupante que uma instituição centenária como a Portela, historicamente fundamental para a compreensão da evolução dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, tenha as suas fraturas internas e complexidades de gestão expostas no dia de seu desfile único no Sambódromo. Compartilhamos do desejo de união, imprescindível para que resgatemos o reordenamento institucional com vistas ao tão sonhado título individual, que desde 1970 a Portela não alcança. Há um hiato, portanto, de 53 anos sem subir ao pódio com a dignidade que merece. A mesma dignidade precisa ser dispensada aos seus componentes, independentemente de segmentos. Fantasias mal acabadas e entregues momentos antes do desfile, alegorias sem finalização, carros quebrando em meio à passagem pela Sapucaí e dívidas gigantescas com fornecedores, que vieram se recusando a prestar serviços justamente no ano do centenário da escola, prenunciaram a desgraça.

Ala de baianas da Portela no desfile de 2023. Escola de Madureira margeou o rebaixamento (Foto: Ismar Ingber/RioTur)

O que há com a administração atual da Portela? O que os seus gestores fazem dos recursos que recebem das fontes que financiam as escolas do Grupo Especial? Por que uma agremiação moralmente ilibada, pioneira em tantos quesitos, com uma constelação de personagens que perpassa gerações, tem sido destruída internamente de forma tão cruel e avassaladora? A comunidade anseia por respostas. Os sócios merecem uma explicação. A sociedade civil, perplexa e entristecida com o rocambolesco espetáculo de 2023, busca compreender por que motivos a Portela se desconstrói ano após ano. É chegado o momento de cobrar dos que comandam hoje a escola justificativas públicas para o que vem ocorrendo. Há que se ressaltar que Márcia e Renato Lage são profissionais de excelência e não podem ser responsabilizados pelo caos instaurado na avenida na noite de segunda-feira, 20 de fevereiro.

Nos últimos módulos de julgamento, Lucinha Nobre desfilou sem a peruca que compunha a sua indumentária.  (Foto: Ismar Ingber/RioTur)

Divergir do conceito e da estética por eles impressos em seus trabalhos é absolutamente aceitável, sobretudo diante da retomada do cenário democrático no Brasil. Mas condená-los pela má administração estabelecida na Portela é equivocado. O coletivo Respeita Portela, que não possui qualquer relação com administrações anteriores, tem como premissa a transparência e o diálogo amistoso, sem deixar, no entanto, de se opor à atual gestão, justamente por discordar do obscurantismo dos processos impostos por seus mandatários que, durante as eleições passadas, garantiram uma era de austeridade fiscal e lhaneza na agremiação. O Respeita Portela, em conformidade com os princípios democráticos, convoca todos os sócios para a assinatura de um abaixo-assinado pedindo uma assembleia aberta, extraordinária, em caráter de urgência, para que a administração da Portela preste as devidas contas do exercício 2022/2023, incluindo o Carnaval do centenário. Também aproveitamos a ocasião para iniciarmos um cadastramento dos sócios a fim de que toda e qualquer chapa futura concorrente possa ter acesso aos associados até que haja mudança no estatuto da Portela para este fim. Aos sócios que desejarem nos ajudar neste levantamento solicitamos que enviem e-mail para [email protected]