Zezé Motta: “Este foi um dos anos mais difíceis. Perdi três pessoas da família e testei positivo para Covid-19”


Com a morte da mãe, de um primo e de um sobrinho – sendo os dois primeiros por Covid-19 -, e de diversos amigos, a atriz tem recorrido à análise. “Tem funcionado bem. É para juntar os caquinhos e dar uma equilibrada na cabeça e no coração”, explica ela, que também teve a doença, mas de forma assintomática. Em novembro, a eterna Xica da Silva voltou a pisar em um palco para apresentar o show Coração Vagabundo – Zezé Canta Caetano, e não vê a hora da pandemia passar e poder voltar a antiga normalidade. “Ultimamente, antes da quarentena, reclamava que a vida era agitada, corrida. Confesso que agora morro de saudade daquela agitação e do palco”, explica

* Por Carlos Lima Costa

Meses de resiliência e superação. Assim tem sido 2020 para a atriz Zezé Motta, que segue firme apesar dos contratempos que tem enfrentado. “Este foi um dos anos mais difíceis da minha vida, perdi três pessoas da família. Em maio, faleceu a minha mãezinha com 95 anos. Foi muito triste, porque eu não pude ir ao hospital nem ao enterro. Ela não foi internada com o coronavírus. E sim com uma alteração nos batimentos cardíacos. No atestado de óbito: Covid-19. É possível que ela tenha adquirido no hospital”, desabafa. Nos cerca de 15 dias em que esteve internada, Maria Elazir teve ainda pneumonia.

Em janeiro, Zezé já havia perdido o sobrinho Luiz Antônio durante uma cirurgia no coração e, recentemente, em novembro, morreu o primo Adiel, vítima de Covid-19. Ele tinha diabetes, já havia amputado uma perna e estava com a outra bem comprometida. “Ele se internou para ver essa questão das dores e acabou infectado pelo Covid-19. Foi um ano muito difícil, estou fazendo análise virtual e tem funcionado bem, pra juntar os caquinhos e dar uma equilibrada na cabeça e no coração, porque é muito complicado, a gente não sabe lidar muito com a perda. Pedi socorro à psicanálise para dar conta, para ter um apoio emocional. É muito doloroso, ainda mais assim uma perda atrás da outra”, pontua.

Zezé Motta faz análise para superar as perdas de 2020 (Foto- Vinícius Belo)

Zezé Motta faz análise para superar as perdas de 2020 (Foto: Vinícius Belo)

O irmão por parte de mãe, que permaneceu mais de duas semanas em um hospital, também testou positivo para Covid-19, assim como a própria Zezé. Chamada para participar de uma campanha da Avon com várias atrizes negras, em outubro, ela foi surpreendida. “Hoje em dia é de praxe as empresas realizarem o teste para o Covid-19. Aí me deram a seguinte resposta: ‘A gente tem uma notícia triste. Você atestou positivo, então, não vai ser possível fazer a campanha, mas pode fazer a do batom pelo celular e nos enviar.’ Fiquei superangustiada, mas não senti absolutamente nada. Aí fui fazer campanha para a Natura. Fiz também o teste, não deu nada, mas disseram que eu tinha tido contato com o vírus. Foi assintomático”, revela ela, que no dia da morte do ator Eduardo Galvão (1962-2020), perdeu ainda um amigo de infância com 80 anos, também por Covid-19.

Em termos profissionais, Zezé, antes da pandemia, havia lançado o CD O Samba Mandou Me Chamar. Começou a turnê pelo Rio de Janeiro, Paraty, São Paulo e aí precisou interromper por conta da quarentena. Somente em novembro, voltou a se apresentar. Desta vez com o show Coração Vagabundo – Zezé Canta Caetano, uma noite somente.

“Este é um show que eu fiz há mais de 30 anos e fiquei com gosto de quero mais. Ía ser um final de semana, acabaram sendo quatro. Na época, apareceu uma novela, que absorve muito tempo, esse projeto ficou para depois e acabou não acontecendo mais. Queria retomar. Aproveitei que o Teatro Prudential me pediu para fazer uma apresentação com um terço da capacidade do público. Foi uma emoção incrível, do tamanho de um mundo. Até comentei durante o show que ultimamente só tinha feito lives, mas nada se compara ao tablado, a emoção de reencontrar com o público. Quando passar a pandemia terei esses dois shows na manga”, recorda.

A atriz e cantora planeja retomar turnê do CD O Samba Mandou Me Chamar (Foto: Vinícius Belo)

A atriz e cantora planeja retomar turnê do CD O Samba Mandou Me Chamar (Foto: Vinícius Belo)

Zezé, que pode ser vista nas séries 3% e Arcanjo Renegado, respectivamente da Netflix e da Globoplay, tem permanecido a maior parte do tempo em casa, aproveitando para ler livros, assistir filmes na televisão e voltou a ter aula de piano, que antes não estava conseguindo tempo. “Ultimamente, antes da quarentena, reclamava que a vida era agitada, que levantava cedo para começar a fazer tudo, que não dava tempo para almoçar. Reclamava dessa vida corrida. Confesso que agora estou morrendo de saudade dessa vida louca. Espero voltar logo para essa agitação e para o palco”, sonha.

E em casa, pela TV, tem observado os vários acontecimentos de violência e racismo. “Está demais. Precisa dar um basta nisso. Uma loucura ligar a TV. Não é ficção, está acontecendo. Existe um racismo estrutural. Eu fico impressionada de saber que tem gente que se considera parte de grupo superior simplesmente pela cor da pele, que loucura. Essa discussão ficou adormecida. Tive essa sensação, de que por conta do que aconteceu nos Estados Unidos voltou a se falar Não tem como ficar calada quando acontece violência por racismo. Estou sempre atenta a qualquer assunto que me incomoda”, pondera.

Zezé já foi vítima de racismo. “Me senti discriminada várias vezes. Sou de um tempo em que a gente quando ia visitar um amigo nos prédios apontavam sempre o elevador dos fundos. Era ordem que os porteiros recebiam de que não podíamos ir para o elevador social. No início da carreira, fiz muitas personagens como empregada doméstica. Nada contra essa classe que é importante. Mas naquela época, na TV, as empregadas não tinham vida própria, não tinham pai, mãe, família. O cenário delas era sempre a casa do patrão. Era desconfortável estudar arte dramática e depois não ter espaço. Já melhorou, mas falta muito espaço ainda para os negros”, reclama.

Zezé lembra o sucesso da personagem Xica da Silva (Foto: Vinícius Belo)

Zezé lembra o sucesso da personagem Xica da Silva (Foto: Vinícius Belo)

Há muitos anos, Zezé foi uma das criadoras do Centro de Informação e Documentação do Artista Negro. “Quando cobrávamos a quase invisibilidade do negro na mídia alegavam que não sabiam onde encontrar os atores negros. Então, organizamos o CIDAN que posteriormente se tornou uma página na internet. Ficamos sem patrocínio e ela não continuou, mas foi útil para os produtores. O Lázaro Ramos, por exemplo, foi visto na peça Ó Paí, Ó, por um diretor que ficou impressionado com a atuação dele, e que anos depois foi convidado para dirigir o filme Madame Satã e lembrou do Lázaro, mas não sabia como achá-lo. Ele o encontrou através do nosso cadastro e aí ele não parou mais”, ressalta.

Não faltam histórias na vida de Zezé. Ela estreou com o pé direito, no emblemático espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, com direção de José Celso Martinez Corrêa, em 1968, em plena ditadura militar no Brasil. Na época, durante temporada no Teatro Ruth Escobar, os atores foram agredidos pelo  Comando de Caça aos Comunistas.  “Eles estavam muito armados com soco inglês, cassetetes. Quando acabou o espetáculo invadiram a coxia. Entrei no camarim do Rodrigo Santiago (1943 – 1999). Ficamos empurrando a porta para que eles não entrassem. Aí abriram o extintor de incêndio, puseram pela fresta, perdemos as forças e acabei levando um cassetete no braço, que doeu por muito tempo. Não concordavam com a peça, achavam que éramos comunistas. Depois continuamos em cartaz com cicatriz, mancando, com dor”, conta.

Por tudo que viu acontecer no Brasil nos anos posteriores, não imaginava ver o país como está. “Demos não sei quantos passos para trás com esse atual governo. É triste e angustiante para quem lutou pela liberdade de expressão”, frisa.

Zezé tem cinco filhas do coração (Foto- Vinícius Belo)

Zezé tem cinco filhas do coração (Foto- Vinícius Belo)

Xica da Silva, a personagem que interpretou no filme homônimo, de 1976, foi um divisor de águas na sua carreira e vida pessoal. Ainda hoje é seu papel mais emblemático. O sucesso foi tremendo e ajudou a construir uma forte imagem nela como se fosse um furacão no amor. “Sem dúvida. Não posso reclamar da vida. Não precisei batalhar muito nesse campo, culpa da Xica da Silva. Mas claro que como todas as pessoas sou apenas uma mulher. Já aconteceu de me interessar por alguém e este não querer nada comigo. E encarei este fato como algo normal”, assegura.

Mas por conta da imagem que os homens criaram influenciados pela personagem, Zezé viveu situações inusitadas. “Ouvi coisas assim depois de transar: ‘Quando o filme vira realidade’,  e ‘Ah, meus amigos não vão acreditar que eu transei com a Xica da Silva’. Isso era uma ducha gelada. Não dava para levar a sério”, aponta.

Zezé brilha nas séries 3% e Arcanjo Renegado (Foto: Vinícius Belo)

Zezé brilha nas séries 3% e Arcanjo Renegado (Foto: Vinícius Belo)

Ao longo da vida, Zezé se casou cinco vezes. A maturidade chegou, mas ela não perdeu o interesse no amor. “Sou muito romântica, dinâmica, ativa. Raramente me lembro que tenho 76 anos. No momento, estou só, não pretendo me casar mais. Mas quero sim viver ainda uma história bonita com alguém. Não quero envelhecer sozinha não”, garante. Mas a menopausa não dá um sossego? “É mito, não existe. Se você acredita, vira uma velhinha. Para a questão da menopausa, existe reposição hormonal. Você tem que ter consciência de que tem que se exercitar, ter vida e alimentação saudável”, assegura.

Zezé engravidou aos 25, aos 29 e aos 36, mas as três gestações não vingaram. Não ter filhos foi uma lacuna. “Foi um vazio até surgirem as minhas cinco filhas do coração, essas pessoinhas que me chamam de mãe”, finaliza.