Zélia Duncan lança álbum e faz balanço da patrulha na web: ‘Não coleciono seguidores. Quero trocar experiência’


Especialmente visceral, o disco comemorativo de 40 anos de carreira foi produzido e gravado em casa nesse momento de pandemia, algo que foi um desafio para a cantora, já que sempre trabalhou nos seus projetos em estúdio. Ao longo das 15 faixas, somos levados a um universo que a cantora diz que é rodeado por um ‘clima de mistério’. Em um balanço sobre os anos de atuação, a compositora diz que tem se arriscado mais no presente do que no passado. “Consegui manter um frescor pessoal, que tem a ver com o amor pelo meu ofício e a vontade de me arriscar e me desafiar para manter esse frescor. A desumanidade continua me assustando, mas a humanidade me encanta”

Zélia Duncan lança álbum e faz balanço da patrulha na web: 'Não coleciono seguidores. Quero trocar experiência'

*Com Bell Magalhães

No ano em que comemora 40 anos de carreira, Zélia Duncan lançou o álbum ‘Pelespírito’, produzido durante a pandemia. Dirigido por Pedro Cardoso, o clipe da música que dá nome ao novo trabalho estreou no Fantástico no último dia 23, e mostra uma Zélia na intimidade do próprio lar. Por conta do distanciamento social, o disco foi produzido e gravado em casa, algo desafiador para a cantora que sempre trabalhou nos seus projetos em estúdio.

“O maior desafio foi gravar a minha própria voz. Usei o meu laptop velhinho, uma interface e um microfone, e só me ouvia na caixa de som bluetooth ou no fone de ouvido”. Apesar dos obstáculos, a cantora diz que é foi um aprendizado: “Aprendi a gravar tudo desde o começo e até me arrisco em mais. A primeira vez que ouvi o disco no estúdio, eu comecei a chorar pelo resultado. Não precisamos regravar nenhuma passagem, o que é uma vitória para mim”. Além da artista, Webster Santos, em São Paulo; Juliano Holanda, em Pernambuco; Léo Brandão, em Curitiba; Christiaan Oyens, em Londres e Ézio Filho, no Rio de Janeiro, dividiram as composições do disco.

Zélia Duncan lança ‘Pelespírito’ e fala da gravação: “Aprendi a gravar desde o começo e até me arrisco em algumas coisas mais” (Foto: Denise Andrade)

Outro desafio foi lidar com a concepção de um álbum em plena pandemia. O sentimento, segundo a cantora, é de um vazio constante. “É o que tem sido difícil. Mesmo com as lives, caio nessa espécie de abismo. A cada música, um abismo, e, depois, passamos para a próxima música para cair no próximo abismo. Nada chega perto do perigo da plateia. O show ao vivo é perigoso, porque tudo pode acontecer. Quando cai uma live não é a mesma coisa. Estamos longe do que define a nossa profissão, que é o encontro”.

Em um mundo em que precisamos adotar medidas que nos separam de outros, a arte teve um papel imprescindível na vida de todos. Para Zélia nunca passamos por um momento no qual a cultura esteve tão sucateada: “A cultura está nos consolando, nos fazendo pensar, e nos unindo, que sempre foi o papel dela. Infelizmente, estamos em um momento onde ela é desprestigiada, e isso é o retrato do que estamos vivendo”, desabafa.  

Capa do álbum 'Pelespírito', de Zélia Duncan (Divulgação)

Capa do álbum ‘Pelespírito’, de Zélia Duncan (Divulgação)

A cantora diz ter esperança que a situação mude: “Sou um escorpião cascudo à beça e o otimismo não é uma coisa que me define, mas sempre lembro de uma frase que era comum na minha casa na infância que é: ‘Não há mal que sempre dure ou bem que nunca se acabe’, então certamente vai melhorar. Gostaria que a minha geração saia dessa lama para que a próxima possa fazer a revolução, pois estamos caindo. O Brasil nunca foi justo e sempre foi perigoso para mulheres e minorias, mas estamos nesse momento desse orgulho da ignorância. Parece que conseguimos regredir mesmo com o país difícil que existia. Fico torcendo que consigamos conquistar a esperança de um futuro melhor”, desabafa.

"Nada chega perto do perigo da plateia. O show ao vivo é perigoso porque tudo pode acontecer. Quando cai uma live não é a mesma coisa" (Foto: Denise Andrade)

“Nada chega perto do perigo da plateia. O show ao vivo é perigoso porque tudo pode acontecer. Quando cai uma live não é a mesma coisa” (Foto: Denise Andrade)

Nas redes sociais existe uma cobrança muito grande para que pessoas de influência se posicionem sobre determinados assuntos, principalmente os que envolvem política. Por medo de receberem uma onda de críticas ou de perderem os fãs, muitos preferem não se envolver com esses tópicos, mas são cobrados da mesma forma. Sobre os colegas da classe artística que se encontram na mesma situação, Zélia diz que prefere focar nos que, de fato, estão fazendo a diferença, apesar de dizer não julgar quem se omite: “Não aponto o dedo para ninguém, mesmo para um colega. Cada um faz o que pode e quem deixa de fazer por medo, lamento, porque é um momento importante de se fazer isso. Não penso que seja produtivo julgar as pessoas estando em um momento de tanta polarização”, afirma.

Como uma mulher que levanta muitas bandeiras, a cantora diz que o importante é olhar para quem está na luta, e não quem foge dela: “É mais importante olhar para quantos estão se posicionando, que não são poucos. ‘Olhe para a cadeira cheia, e não quem não veio te ver’. Vamos olhar para os artistas que estão no front, que estão se posicionando e se expondo”. 

"Não aponto o dedo para ninguém. Quem deixa de fazer por medo, lamento, porque é um momento importante de se fazer isso" (Foto: Denise Andrade)

“Não aponto o dedo para ninguém. Quem deixa de fazer por medo, lamento, porque é um momento importante de se fazer isso” (Foto: Denise Andrade)

Sobre a necessidade de agradar, Zélia é categórica e fala que não é uma ‘colecionadora de seguidores’: “Leio várias críticas e xingamentos diariamente, mas saio bloqueando tudo. Acho até que tenho mais pessoas bloqueadas do que me seguindo no Instagram (risos), mas não estou preocupada com isso. Não sou colecionadora de seguidores. Acho legal que me sigam e que troquemos ideias, mas não sinto que seja tão importante quanto parece ser para todo mundo. Não sou a detentora de nenhuma verdade, mas estou atrás de uma possível comunicação. Quero conversar com pessoas que querem trocar, com quem tem dúvida, mas não vou ficar dando murro em ponta de faca. Os outros, se você quer saber, eu nem lembro que existem (risos). Estou tão ocupada com outras coisas que às vezes lembro ‘nossa, Fulano! Por onde anda?’”, brinca.

"Leio várias críticas e xingamentos diariamente, mas saio bloqueando tudo. Tenho mais pessoas bloqueadas do que me seguindo no Instagram" (Reprodução Instagram)

“Leio várias críticas e xingamentos diariamente, mas saio bloqueando tudo. Tenho mais pessoas bloqueadas do que me seguindo no Instagram” (Reprodução Instagram)

Desde 1981, quando enviou uma fita para um concurso da Sala Funarte de Brasília, que atualmente leva o nome da amiga Cássia Eller, até hoje, a presença de Zélia sempre foi potente e inconfundível. Em um balanço sobre os anos de atuação, a compositora diz que tem se arriscado mais no presente do que no passado. “Consegui manter um frescor pessoal, que tem a ver com o amor pelo meu ofício e a vontade de me arriscar e me desafiar para manter esse frescor. Sinto que sou mais aventureira hoje do que quando comecei”. Ao longo dos anos, alguns valores profissionais antigos foram deixados de lado: “Só pensava em cantar muito bem. Era muito técnica, tinha uma obsessão em ser perfeita. Agora, acredito que o mais importante para um cantor, por mais que ele tenha uma boa voz, é ser capaz de passar uma mensagem importante. Vejo que isso é um amadurecimento. Dou muito mais valor ao caminho do que a chegada, um agudo ou extensão impressionantes”, pondera.

"Acredito que o mais importante para um cantor é ser capaz de passar uma mensagem importante. Vejo que isso é um amadurecimento" (Reprodução Instagram)

“Acredito que o mais importante para um cantor é ser capaz de passar uma mensagem importante. Vejo que isso é um amadurecimento” (Reprodução Instagram)

No meio do caminho, precisou se reinventar. Em 1991, Zélia saiu do Brasil e foi para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes, para cantar em um hotel: “Ali, sem querer, eu comecei a me reinventar. Não tinha noção de que, indo para longe, conseguiria a minha fuga, mas me reencontrei. Fui me fortalecendo, compondo e fazendo uma ‘cara’ para mim mesma”. Outra mudança que veio com os anos foi o novo olhar sobre as diferenças e as próprias particularidades: “Me acostumei com a minha vontade de me arriscar e gosto muito de mudar. Por incrível que pareça, as diferenças não me assustam mais. Mesmo sendo uma pessoa que é aberta ao diálogo, ainda olhava para algumas coisas assustada”, afirma, e segue: “A natureza humana é extremamente subjetiva. Tem gente que não gosta de chocolate, e isso era absurdo para mim antes (risos). A desumanidade continua me assustando, mas a humanidade me encanta”, finaliza.

"Consegui manter um frescor pessoal, que tem a ver com o amor pelo meu ofício e a vontade de me arriscar e me desafiar para manter esse frescor" (Reprodução Instagram)

“Consegui manter um frescor pessoal, que tem a ver com o amor pelo meu ofício e a vontade de me arriscar e me desafiar para manter esse frescor” (Reprodução Instagram)