Zeca Pagodinho lança o álbum “Ser Humano” e declara ao site HT: “Hoje em dia está tudo muito artificial. Falta corpo a corpo”


Disco traz parcerias com grandes nomes da música brasileira, como Pepeu Gomes, Arlindo Cruz, Monarco e Marcos Valle, e mostra todo o positivismo pelo qual o cantor ficou conhecido

Com mais de 30 anos de carreira e um sucesso nacional que já lhe conquistou um público grande e fiel, Zeca Pagodinho é desses artistas do catálogo brasileiro que poderiam parar de produzir hoje, se quisessem, e ainda assim encherem shows e viverem tranquilos. Ainda assim, apenas com a insinuação de que ele poderia abandonar os palcos, o cantor de 56 anos é firme na resposta: “Nunca!”.

É uma tarde de quarta-feira e Zeca está nos estúdios da gravadora Universal, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde está esperando a gente para falar sobre seu novo disco, “Ser Humano”, o primeiro de inéditas em quatro anos. “Eu precisava me renovar como artista e fazer um show novo também. E o pessoal também precisa gravar! É um dinheirinho, uma música nova que entra…”, comenta.

Zeca Pagodinho – “Ser Humano”

O bem ao próximo e a positividade são marcas registradas de Zeca Pagodinho, um dos poucos artistas que consegue alinhar a sua persona televisiva e midiática com quem é de verdade: boa praça, tranquilo, humilde e brincalhão. Como ele mesmo canta na faixa “Ser Humano”, ‘está sempre junto e misturado com seu povo’, seja quando está ajudando os moradores de Xerém a enfrentarem as chuvas fortes, doando ovos de Páscoa para as crianças da comunidade ou quando está preparando um novo disco: “A gente faz reuniões, mas nunca é nada ‘profissa’. É tudo na base da bermuda e chinelo. A música “Samba na cozinha” explica isso muito bem. Alguém leva um leitão, um aipim, faz uma batucada no meu quintal lá em Xerém e, aí, decidimos tocar um pouco. Eu fico circulando e, quando alguém canta alguma coisa boa – foi o que aconteceu com “Ser Humano” – eu  gravo. Quando chegamos a 20 canções e seis precisam sair, daí eu entrego porque o meu coração não aguenta essa parte”, conta o artista, sobre o processo criativo que está intrínseco ao seu círculo social.

Zeca Pagodinho distribui ovos de páscoa para as crianças carentes de Xerém (Foto: Reprodução Facebook)

Zeca Pagodinho distribui ovos de páscoa para as crianças carentes de Xerém (Foto: Reprodução Facebook)

Estes não têm sido meses fáceis para Zeca Pagodinho: em novembro do ano passado, ele precisou fazer uma cirurgia delicada na coluna, que resultou em alguns meses de fisioterapia. Em janeiro deste ano, seu filho mais velho, Elias Gabriel, faleceu aos 28 anos por complicações pneumológicas. Dois meses depois, o artista perdeu o pai, Jessé da Silva, aos 87 anos. No meio disso tudo, ele teve fé e conseguiu forças para seguir adiante: “Fé em Deus, nos santos, nos orixás! Fé e respeito, acima de tudo, sempre!”.

Com um mocassim azul-marinho, bermudão e camisa de botões que deixa à mostra uma cruz de ouro, presente do pai – “Foi a herança que ele me deixou. Isso e a dignidade!” -, Zeca poderia ter feito um disco melancólico ou até mesmo amargurado. Entretanto, “Ser Humano” é mais uma celebração do positivismo do que qualquer outra coisa. Uma ode à crença de que o homem ainda tem o dom da gentileza em si: “A música serve para falar de coisa boa, para pregar o bem e a alegria. Principalmente o samba, né? Nele, você fala do romântico e do cotidiano. Por exemplo, tem uma música no disco, “A Monalisa”, que o cara fala ‘Da Vinci não te pintou. porque não te conheceu’. Ele tirou uma onda aí!”, ri, com bastante bom humor.

Ao longo das 14 faixas, o sambista vem repleto de colaborações, com nomes como Dudu Nobre, Arlindo Cruz, Pepeu Gomes, Monarco, Xande de Pilares, Marcos Valle, o novato Juninho Thybau e até Pedro Bismarck, o eterno Nerso da Capitinga. “Eu não tenho barreiras musicais. Para mim, quando o cara é bom, ele é bom e pronto. O Pepeu [Gomes], por exemplo: os Novos Baianos tinham uma coisa de samba ali. Eu era pequenininho e ainda me lembro disso”, diz o cantor, enquanto começa a cantar a capella “Brasil Pandeiro”.  “A guitarra dele encaixou muito bem na música “A Monalisa”. E ele é meu amigo de muito tempo, sempre nos encontramos nos lugares e falamos que somos fãs um do outro”, comenta casualmente.

Zeca Pagodinho e Monarco nos bastidores da gravação do disco "Ser Humano" (Foto: Reprodução)

Zeca Pagodinho e Monarco nos bastidores da gravação do disco “Ser Humano” (Foto: Reprodução)

Criterioso, Zeca admite que se sente responsável por apresentar novos talentos e que não escolhe ninguém simplesmente por indicação: “Me sinto, claro! Aprendi muito isso na ‘escola’ de Beth Carvalho: a nossa palavra tem um peso. O ‘Zeca indica’ significa que aquilo é bom. Porque não importa se é meu filho, irmão ou amigo, se não for bom eu não posso fazer nada”. E emenda: “Assim como eu fui descoberto, espero que essas pessoas façam o mesmo daqui para a frente”.

Mesmo com toda a sua positividade, Zeca não deixa de comentar sobre o atual estado da indústria fonográfica mundial, onde a produção computadorizada vem substituindo o apelo humano mais e mais: “A música está sem espaço. Tudo está ficando muito eletrônico e a poesia está enfraquecendo. Eu estava gravando ontem um programa com a Regina Casé [“Esquenta!”], e tinha um grupo cantando uma música que era só “me chama, me chama, me pega, me pega”, alguma coisa assim. Aí falei com o Arlindo Cruz ‘que letra, hein?!’. Era só aquilo e uma coreografia! E eu tinha acabado de falar sobre Vinicius de Moraes e Sílvio Caldas. Ninguém lê mais, está faltando cultura nas pessoas! Em todo gênero há músicas ruins – no funk, no samba… -, mas, ultimamente, a situação está mais difícil. Às vezes, escuto um ‘a gente vamos’ que me dá vontade até de vomitar quando ouço”.

Zeca Pagodinho lança o disco "Ser Humano", o 27º da carreira, e declara: "A música está sem espaço. Está tudo muito eletrônico e a poesia está enfraquecendo" (Foto: Divulgação)

Zeca Pagodinho lança o disco “Ser Humano”, o 27º da carreira, e declara: “A música está sem espaço. Está tudo muito eletrônico e a poesia está enfraquecendo” (Foto: Divulgação)

Outra coisa que Zeca não acha muito agradável é o excesso de tecnologias nas atuais relações sociais. “Esse negócio [de smartphone] é chato, né? Eu não sei nem ligar. Veja, por exemplo, o que acontece lá em Xerém: o pessoal chega – não precisa ser profissional -, pega o violão – que também não é um grande violão, é o que está ali – e começa a tocar, a se divertir. Mas tem que estar ali, pegar na pele. Acho que hoje tudo está muito artificial! As pessoas estão até namorando pela internet, né? Está faltando pegada, corpo a corpo”. É como o próprio Zeca canta, falando talvez de si mesmo: “Na correria você sempre encontra tempo de demonstrar o que é ser gente de verdade/ Sempre buscando o bem da humanidade”.