* Por Junior de Paula
Alguns dos maiores encontros musicais dos últimos tempos saiu da cabeça inquieta de uma pessoa: Zé Ricardo. Músico, compositor, cantor e, mais recentemente, curador e diretor artístico, ele foi o responsável por cuidar das parcerias do Palco Sunset, o mais charmoso do Rock in Rio, da curadoria do Vivo Open Air e, em 2014, estreia um novo posto: o de diretor artístico da Miranda, casa de shows mais do que cool com vista para a Lagoa.
“Tudo aconteceu muito naturalmente. Até de uma maneira surpreendente. Comecei esse tipo de trabalho em 2003 fazendo jams sessions descompromissadas com grandes nomes da MPB no Open Air, no Rio de Janeiro. Deu tão certo, que acabei sendo responsável pela parte musical do evento nas edições seguintes em São Paulo e Lisboa também. Até que, em 2007, recebi o maravilhoso convite da Roberta Medina para criar o Sunset para o Rock in Rio. O Sunset foi realmente o sol da minha vida profissional. A partir daí, vieram as edições do Rock in Rio em Lisboa, em Madri, e no Brasil. Junto com isso o Ano do Brasil em Portugal com a Funarte e, agora, a Miranda”, explica este carioca que, na certidão de nascimento, atende pelo nome de José Ricardo Santana de Farias.
Bom de papo e bom de ideias – quem mais juntaria Zé Ramalho + Sepultura, Gogol Bordello + Lenine, João Donato + Céu? -, Zé abriu uma brecha na agenda apertada para um papo sobre música, rumos e sonhos.
– Quando foi que você percebeu que poderia ser um bom curador?
– Por ser cantor e compositor desde que me entendo por gente, fazer direção artística nunca foi um objetivo. Quando um projeto dá certo a responsabilidade aumenta. O que me move é sentir em mim, hoje, estreando na Miranda, o mesmo frio na barriga do primeiro projeto que fiz. A mesma atenção e amor. Ser bom ou não é relativo. Eu me considero um diretor artístico apaixonado pelos projetos que faço.
– Com tantos compromissos e solicitações como diretor artístico, como fica o Zé Ricardo músico e compositor?
– Meu trabalho de direção artística tem ajudado muito meu trabalho de cantor, músico e compositor. Tenho tido a oportunidade de trabalhar com alguns dos meus ídolos, dirigir e criar conceito dos shows que fazemos juntos. Isso, muitas vezes, se desdobra em composições, aprendizado e o que é mais importante em amizades duradouras. Tudo na vida depende de um bom planejamento e de uma boa equipe para executar o planejado. A chance de estar em outros países como diretor artístico possibilita levar meus shows e abrir mercados. As duas funções andam de mãos dadas e cada uma me ajuda a fazer a outra melhor.
– Qual seu sonho de mistura? Quem você gostaria de ver dividindo um palco em um festival hipotético. Pode viajar e chamar até os artistas que já morreram!
– Queria ter feito o encontro do Simonal com o Marvin Gaye. Imagina que groove? Também Tom Jobim e Ray Charles, Bob Marley e Cássia Eller. Esses eu fico fazendo somente nos meus sonhos. Na vida real, tenho tido a honra e a sorte de realizar os shows que sonho. Ainda quero ver dividindo o palco Lenine e Dave Mathews.
– Quais seus planos para a Miranda? O que quer fazer de diferente e o que quer manter por lá?
– A Miranda é uma casa sensacional. Que já recebeu grandes nomes da MPB. A minha entrada vai ajudar a potencializar essa história que já é de sucesso. Estou criando projetos exclusivos para Miranda, como o Samba do Entardecer, o Rio Bossa Club e o Laters Hours. Aplicando novas idéias de gestão, reformulando a equipe e apresentando a casa fora do Brasil para agentes e artistas. Estou abrindo novas frentes de captação de patrocínio para que a casa possa investir também em novos artistas e projetos independentes. A minha idéia é fortalecer cada vez mais a marca Miranda e transformá-la, ao longo do tempo, em uma casa de referência para artistas do mundo todo. É um desafio. Para ser vencido a longo prazo. Além da vontade de realizar mais um projeto especial, aceitei o convite por admirar a força e a coragem da Ariane Carvalho (empresária à frente da casa de shows Miranda), que ainda investe e acredita na música brasileira com tanto entusiasmo e brilho nos olhos. A nossa música precisa de mais pessoas assim.
– Que análise você faz sobre a música feita no Brasil hoje em dia?
– Acho que existe muita gente nova e boa fazendo música de qualidade e que mesmo com o auxilio da internet não consegue fazer com que sua música chegue a um número maior de pessoas. Os músicos seguem em guetos. Mas mereciam ser ouvidos por muito mais gente. E tenho certeza que seriam se pudessem ser ouvidos. A nova geração dos artistas que sempre representaram a nossa MPB está comprimida em pequenos nichos. Na minha opinião, grande parte da música que atinge a “massa” hoje em dia no Brasil está nivelada por baixo. Não existe o menor capricho nas letras, na poesia, nos arranjos… Deixou de ser música e virou somente entretenimento. Sem conteúdo. Não sou contra nenhuma expressão artística. Acho que tem lugar para tudo. O que considero extremamente perigoso é quando a falta de cuidado com a produção musical vira referência. O pensamento não pode ser: ‘O povo não entende mesmo, então manda qualquer coisa’. Eu acho que um povo tão musical como o brasileiro merece a chance de ouvir tudo. Para poder escolher a partir daí. Isso, hoje, definitivamente não acontece. Como diz Gilberto Gil, “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”.
– O que você tem ouvido no repeat do seu iPod?
– Janelle Monáe , Justin Timberlake, Daft Punk, Márcia Castro, Flávio Renegado, Fat Freddy’s Drop, António Zambujo, Maria Rita, o raro primeiro CD do Emílio Santiago… enfim.. Tem muita gente incrível no repeat do Ipod graças a Deus!!!!
– Planos para 2014…
– Muitos! Em abril, lanço meu CD novo pela Warner. Vão ser 11 faixas. O CD está sendo gravado em Los Angeles, com produção do Moogie Canazio. Eu tive o prazer de gravar com músicos fantásticos, como Sean Hurley e Aaron Sterling, baixista e baterista do John Mayer, entre muitos outros. Em junho, vou sair em turnê com o CD pelo Brasil e em alguns países da Europa. Além de todos os projetos novos que virão para Miranda durante o ano, vou fazer o Rock in Rio Lisboa e preparar o Rock in Rio Las Vegas, que será realizado em maio de 2015. Além disso sou pai, amigo, marido, filho, etc… Dá para perceber que, para mim, 2014 praticamente já acabou né?
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.
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