*Por Rafael Moura
‘Música preta, sou teu instrumento, vim pra te servir’, O verso da canção ‘Preta Yayá’, traduz muito a missão de Xenia França como artista. A cantora baiana é um grande holofote que reluz toda a beleza da nossa cultura com uma voz suave, potente e marcante. Para essa ‘Deusa de Ébano, foi dentro das tempestades energéticas na pandemia que ela procurou aprofundar as reflexões mil que já fazia. “Se eu não me humanizar, se eu não me der o direito de abstrair a vida, de olhar para ela, eu não vou conseguir ser livre para falar do que eu quiser, de amor, de qualquer assunto”. Desse questionamento, surgiu a vontade de gravar ‘Paixão’, de Gonzaguinha (1945-1991). A faixa lançada no disco ‘De volta ao começo’, de 1980, encantou a cantora desde sempre e ela chegou a fazer um tributo aos 70 anos de Gonzaguinha.
A canção, que é como ‘uma flecha no peito’ rasgado de emoções, passou a fazer parte durante muito tempo do repertório da artista levando a plateia de seus shows à contemplação durante o bis. O pianista Fábio Leandro, que acompanha a cantora, fez o arranjo e introduziu uma citação de ‘Loving You’, da diva americana Minnie Riperton (1947- 1979), em parceria com R. Rudolph, que se tornou um grande hino da soul music, e um marco na música negra, com vibratos altíssimos executado com maestria pela nossa musa de Candeias, município que fica a 46 km de Salvador. A regravação ‘Paixão/Loving You’ teve o acompanhamento do ‘Quadril – Quarteto de Cordas’, formado por Alice Bevilaqua e Mica Marcondes (violinos), Elisa Monteiro (viola) e Vana Bock (violoncelo).
Durante esses quase dois anos de pandemia, a reflexão se tornou um ato cotidiano para a cantora. Xenia, que tem sua formação espiritual nas religiões de matriz africana, fez uma imersão em busca da autorreflexão e autoconhecimento, entre processos de questionamentos sobre o motivo de ser artista, das questões que parecem inexplicáveis, se conectando ao universo das artes plásticas e acompanhando o renascimento e reconhecimento de um vasto grupo de novos artistas negros e negras dentro da arte contemporânea. Essa ode à beleza ganhou também um videoclipe, dirigido por CiRi e Anderson Capuano, que teve como nave a Pinacoteca de São Paulo. O vídeo exalta ainda a exposição ‘Enciclopédia negra’, com obras dos artistas Micaela Cyrino, Panmela Castro, Kika Carvalho, Monica Ventura e Moises Patricio.
Segundo Xenia, gravar ‘Paixão’ é uma forma de presentear o seu público após a pausa imposta pela pandemia e o momento de reclusão. “A artista, canta a complexidade que é a existência de toda mulher negra fazendo desta obra uma manifestação transcendental. Nessa experiência musical, que é criada não a partir do que se vê mas, a partir do que se sente, Xenia, ao trazer as suas recordações também nos convoca a revisitar o passado. Ao falar de amor, nos devolve o desejo por declaração. Ao entoar a energia cósmica que esculpe a voz e as palavras, nos arremessa de volta as nascentes do saber que regem o feminino, força vital que mantêm ligados o presente, o passado e o futuro em uma melodia matriarcal”, destaca Diane Lima, curadora independente, pesquisadora e crítica.
Momentos de contemplações são de suma importância para os artistas, uma relação dicotômica, afinal, com uma intensa agenda, sobra pouco tempo para esse mergulho no interior. “O tempo foi intenso nos meus últimos três anos, eu estive no Rock In Rio para dividir o Palco Sunset com o ícone pop Seal, navegando em turnê por alguns dos festivais mais importantes do país: Recbeat, Coala, Coma, Queremos, Psicodália, Virada Paulista, entre outros. Além de três turnês pelos Estados Unidos, com apresentação em um dos mais renomados festivais de Nova York, o Summerstage, no Central Park, e o Globalfest, que me rendeu matéria no jornal The New York Times. Também subi ao palco do Kennedy Cultural Center of Performance Arts, em Washington, e SXSW, em Austin. Fiz shows na Colômbia, no Teatro Pablo Toblón, em Medellín, e Centro Cultural de los Andes, em Bogotá, e em Berlim”, conta.
Seu bem sucedido álbum de estreia ‘XENIA’, 2017 a fez colher muitos louros: duas indicações ao Grammy Latino de 2018. Na categoria Melhor Álbum Pop Contemporâneo com a composição ‘Para que me chamas?’, parceria com Lucas Ciriillo, e como Melhor Canção em Língua Portuguesa. Ela ainda foi destaque no exterior, no COLORS – um dos programas de música contemporânea mais importantes da atualidade no Youtube. O clipe de ‘Pra que me Chamas?’ concorreu ao Berlin Music Video Awards e ao Women Music Award como Melhor Videoclipe. O videoclipe Nave, foi indicado ao Music Video Festival de São Paulo.
Após o lançamento de Paixão/Loving You, Xenia finalizará seu novo álbum, feito em uma imersão durante todo esse processo de descobertas ao longo da pandemia, que repete a produção musical do álbum anterior, com Lourenço Rebetez, Pipo Pegoraro e da própria artista. O novo projeto tem patrocínio do Programa Petrobras Cultural e será lançado no início de 2022. Estamos ansiosos.
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