* Com André Vagon
Além de se consagrar como uma grande marca de cosméticos nacional através de suas campanhas, lançamentos e a participação maciça nas semanas de moda do país, O Boticário vem se firmando, aos poucos, como empresa sólida no mecenato das artes no Brasil. Essa é a conclusão que o público chegou ao conferir a abertura da segunda edição do Festival O Boticário na Dança, que já começa a pleno vapor. Com apresentações no Rio, São Paulo, Curitiba e Recife entre 29 de abril e 8 de maio, o evento começou na Cidade-Maravilha nesta virada de mês (30/4), com a companhia israelense Batsheva Emsemble, que exibiu o espetáculo “Decadence” no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, escolhido como quartel-general do festival. A este espetáculo, super aplaudido, seguiu-se outro nesta noite de quinta-feira (1/5), agora a memorável apresentação da Akram Khan Company, fundada em 2000 pelo coreógrafo Akram Khan (britânico com origem em Bangladesh) e pelo produtor Faraooq Chaudhry (paquistanês e ex-bailarino formado pela London Contemporary Dance School). E, logo de cara, é possível confirmar o forte viés dessa companhia por espetáculos dramáticos onde a narrativa cênica se mistura com o preciosismo de uma dança contemporânea do mais alto nível, sublinhado por referências orientais que, provavelmente, tem a ver com a origem dos dois profissionais. “iTMOi” (in The Mind Of igor), criada para celebrar o centenário de “A Sagração da Primavera” (Le Sacre du primtemps, 1913), de Igor Stravinski (1882-1971) é espetáculo de primeira linha, daqueles que o público aplaude de pé, com vontade de que durasse um pouco mais.
Concebida pelo compositor e maestro russo sob encomenda de Sergei Diaghilev (1872-1929), o todo poderoso empresário-produtor do Ballets Russes, a “Sagração da Primavera” original chocou o mundo e, junto com “O Pássaro de Fogo” (L’Oiseau de feu, 1910) e “Petrushka”(idem, 1911), é a santíssima trindade de clássicos que pôs a companhia e suas estrelas – Vaslav Nijinsky, Anna Pavlova e George Balanchine – no epicentro da modernidade que revolucionou o cenário da dança erudita, catapultando todos ao estrelato. Agora, sem usar a música de Stravinski, nem a respectiva coreografia criada por Nijinsky, a Akram Khan Company cria um espetáculo perfeitamente alinhado com seu repertório, mantendo a mesma contundência da obra que pretende homenagear. Para isso, ela mantém os padrões e interrupções usados pelo compositor, alternando música instigante com silêncios viscerais na trilha composta especialmente para este balé por Nitin Sawhney, Jocelyn Pook e Ben Frost. E, embora no programa do espetáculo esteja escrito que “iTMOi” apresenta “um mundo onde os conceitos de belo e feio são quebrados, se revelando próximos”, beleza é pouco para descrever o resultado do conjunto.
Cenicamente, o espetáculo segue a linha narrativa que procura contar uma história com começo, meio e fim, estilizada, mas seguindo em parte a estrutura dos balés de repertório clássico. Para isso, a companhia se dá até ao luxo de contar com uma profissional contratada especialmente para cuidar da dramaturgia, Ruth Little. Sem dúvida alguma, é dança-teatro e nesse caminho também se aproxima de Pina Bausch (1940-2009), um expoente desse tipo de trabalho. Porém, se comparado com a própria versão da companhia alemã para “A Sagração da Primavera” (Das Frühlingsopfer, 1975), a Akram Khan vai mais fundo, pois, ao contrário da primeira, praticamente todos os 11 bailarinos assumem personagens definidos, com funções que levam ao ápice do ritual do sacrifício. E, para isso, a companhia não hesita em fazer uso do kathak, uma das oito formas de dança clássica indiana, originária do norte do país e usada por nômades contadores de história. Dessa forma, movimentos contemporâneos se misturam a outros típicos dessa antiga forma de dançar que, a partir do Século XVI, absorveu características de outros povos orientais, originários da Pérsia e da Ásia Central.
E mais: nesse rico caldeirão de referências, a Akram ainda chega a incluir no balé uma espécie de figura mitológica com enormes chifres, aparentemente um fauno, talvez inspirada por outro clássico de Nijinsky, que coreografou “L’après-midi d’un faune (1912) a partir da música de Debussy. Obviamente há espaço para essa licença poética com a inclusão dessa selvagem criatura em um balé que lida com o primitivo, relatando o sacrifício de uma jovem em função da chegada da primavera.
Mas, se o tema é tribal, o resultado não poderia ser mais sofisticado. Da refinada música à união de movimentos contemporâneos com kathak, da primorosa iluminação concebida por Fabiana Piccioli ao uso de elementos cenográficos – como um pêndulo e um painel que reproduz, ao contrário, o efeito de tela chinesa –, tudo é um primor, com destaque para o figurino de Kimie Nakano, importante para definir quem é quem na história, com adereços que colaboram nessa narrativa. Por esta forma de contar história através de balé e pela visceralidade do todo, o resultado cênico lembra o trabalho de um profissional que faz falta no atual cenário da dança contemporânea nacional: o coreógrafo Fábio de Mello que, com seu Balé Contemporâneo do RJ, causou rebuliço nos anos 1980/90 e, nos últimos anos, tem se dedicado à ópera e ao carnaval, revolucionando a forma de criar as comissões de frente.
Confira abaixo as fotos de quem compareceu ao espetáculo!
Serviço:
Rio de Janeiro
Data: 30 de abril a 4 de maio
Horário: 21 horas
Local: Theatro Municipal
Endereço: Praça Marechal Floriano, s/n – Centro
Preço: de R$ 10 a R$ 60
Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria do teatro ou pelo site www.ingressos.com.br
Informações: Rio de Janeiro – (21) 4003-2330 (capitais e regiões metropolitanas)
Importante: a administração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro proíbe a entrada de pessoas trajando bermuda, short, top, camiseta sem manga, bem como chinelos (exceto para crianças até 10 anos).
Menores de 14 anos somente acompanhados dos pais ou responsável legal.
Confira a programação do evento nos próximos dias:
São Paulo Focus Cia de Dança (2/5), Batsheva Batsheva (3 e 4/5)
Rio de Janeiro Louise Lecavalier (2/5), TAO Dance Theater Cisne Negro (3/5), Cisne Negro Cia de Dança e Balé Teatro Guaíra (4/5)
Curitiba Akram Khan (5/5), Focus Cia de Dança (6/5) e Batsheva (7/5)
Recife Primeiro Ato (7/5) e Tao Dance Theater (8/5)
* André Vagon é coreógrafo pós-graduado em psico-motricidade, diretor de cena em eventos corporativos, estudioso e professor de dança, tendo atuado por mais 20 anos como bailarino profissional. Crítico de dança do site, para ele a vida é puro movimento
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