*Por Rafah Moura
A noite quente já dava sinais de que seria um espetáculo incrível, afinal duas mulheres gigantes, Vanessa da Mata e Assucena estariam no palco mais icônico do Rio de Janeiro: o Circo Voador. Vanessa é suave e imponente como a flor do algodão, e em seu novo disco ‘Vem Doce’, ela vai da MPB tradicional ao forró, passando pelo reggae. “O título do álbum era outro, um nome completamente diferente. O nome surgiu depois de mostrar as 13 canções para o meu grande amigo Zé Pedro. E foi ele quem batizou. ‘Ele me disse que eu já tinha um título maravilhoso, simples, único. Como se eu tivesse criado uma expressão e colocado ali. Vem Doce abraça o disco inteiro, mesmo com algumas músicas tendo aspas bem fortes de protestos, tipo uns cutucões que a sociedade tem que encarar de frente”, explica a cantora.
Além de uma grande cantora, Vanessa é reverenciada por sua verve compositora e como boa letrista, escreveu boa parte do disco. “Eu sou uma autora antes de ser cantora, porque essa foi a primeira oportunidade que apareceu na minha carreira. Tenho muito orgulho de ser um grande número dentro dos 5% de autoras que fazem parte do mercado fonográfico brasileiro. Eu integro essa fatia desde antes do meu primeiro disco, tendo letras cantadas por Caetano e Bethânia, Daniela Mercury, Ana Carolina. Ser cantora das minhas próprias criações, isso é muito foda, é o motivo de um grande orgulho”, reflete.
O álbum traz ainda algumas colaborações bem especiais como: Ana Carolina na letra de ‘Eu Repeitiria’; e Marcelo Camelo, na de ‘Oi’. O tom do reggae vem com a ajuda de Dom Lucas, na faixa ‘Me Liga’. O forró vem na dobradinha com João Gomes com ‘Comentário a respeito de John’, um cover de Belchior. A sensação do trap e rap, o cantor L7nnon leva sua voz marcante para ‘Fique Aqui’. Já no título do álbum, ‘Vem Doce’, o produtor e beatmaker, Papatinho acompanha a cantora com guitarras pra lá de swingadas. “Colaborações são sempre uma delícia, ainda mais quando são espontâneas. Todas as minhas trocas são assim, como foi com Ben Harper. Vou sentindo e fazendo conforme vai aparecendo. E os meninos [João e L7nnon] vieram para meu universo, o que trouxe uma sinergia imensa, num processo universalizado na minha musicalidade”, frisa.
Vale destacar que ‘Vem Doce’ é uma montanha russa e emoções, pois traz dores, amores, conflitos e protestos. Da Mata acredita que um artista é uma figura pública e ter um papel ativista na sociedade é de suma importância. “Hoje em dia, com a liberdade que nós mulheres temos, acho importante sermos e fazermos. Despertando, abrindo diálogos, alertando, espairecendo. O que não pode é ter a inércia. Quanto mas tivermos a consciência de que a arte é um grande movimento e sentimento, mais enriquecedora essa experiência será. Eu que vim do interior do Brasil e chegar numa cidade como São Paulo me faz sentir e ter empatia, emoções que são imprescindíveis dentro do meu expressar”, ressalta.
A Opinion Box realizou, em 2023, uma pesquisa com mais de 2 mil brasileiros, com idades entres 16 e 50+ anos, sendo 48% homens e 52% mulheres, para entender mais sobre o consumo de música no Brasil e o hábito dos consumidores. Dos entrevistados, 79% ouvem música todos os dias e apenas 3% ouvem menos de uma vez por semana. A nossa música é maior patrimônio da nossa cultura. Ela traz uma expressão quase barroca, que nos faz rir, se emocionar, chorar, pois está diretamente ligada aos sentimentos.
“Nós temos um posicionamento geográfico, em um continente de língua hispânica, que nos deu esse fortalecimento na nossa língua. O nosso português tem uma sonoridade incrível e melodiosa, tem sexualidade, docilidade, significados, junções e mais vogais o que faz dele naturalmente musical”, explica. E completa. “A gente acertou muito em fazer música e nos mesmos a consumirmos num auto centrar de identificação, o que traz uma força gigantesca, ainda mais pelas nossas raízes ancestrais que é maravilhosa e que faz dela única no mundo. Ainda tem as letras que se tornaram uma ótima concentração intelectual, trazendo definições do dia a dia, bem rotineira-literária. Acho uma arte sensacional. É uma delícia participar dessa página da nossa cultura, principalmente, como compositora”.
Estamos acompanhando a ascensão e crescimento de uma nova música brasileira. Em que artista consagrados estão abraçando a nova geração. E Vanessa acredita que esse movimento é fundamental para fortalecer o mercado. “Essa é uma troca muito saudável dos artistas consagrados com os novos. A turma que está no ápice falando de quem está começando. Bethânia fez isso comigo e eu faço muito com outros artistas. Ter essa união é extremamente necessária para não acontecer o que vimos no início dos anos 90 com o axé, o pagode e o sertanejo em que muitos cantores e grupos eram desunidos e isso enfraquece qualquer meio. Quanto mais nos unirmos estamos fortalecendo o mercado e criando novos ouvintes, novas rotinas e ensinando que é possível dançar e se divertir com a MPB”.
No fim dessa conversa, perguntamos a Vanessa, que neste ano completou 31 anos de carreira, que conselho ela daria para a jovem expoente na carreira musical, lá de 1992. “Vá em frente. Você está fazendo tudo certo, se dedicando e focada na composição. A sua compenetração, mesmo sendo dura e pressionada, foi o certo a se fazer naquele momento e que irá te levar a lugares inimagináveis”.
Assucena: autoralidade e disco solo
A baiana, ex-As Baías, Assucena apresentou à plateia carioca seu primeiro álbum solo ‘Lusco-Fusco’. Acompanhada pelo multi-instrumentista Rafael Acerbi (violão/ guitarra/ beats), a artista, neste show mostrou todas as cores e cantos que compõem esse disco que nasceu cheio de camadas assim como, releituras de canções consagradas da MPB que marcaram sua formação musical, com destaque para a obra de Gal Costa.
Assucena é uma flor branca e que tem formato de trompete e frequentemente é associada à pureza, inocência e renovação, características que dão match total com a cantora que é uma grande intérprete de voz ora doce, ora potente, acostumada a emocionar o público com suas letras e interpretações. O álbum, inteiramente autoral, Lusco-Fusco, gravado sob direção artística da própria artista, faz dessa estreia já um grande sucesso, e que conquistou os cariocas.
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