A cantora e compositora Valeria Sattamini lança dois singles que são uma prévia do disco Os Olhos da Menina, que sai ainda neste mês, no dia 25. O álbum foi composto no Nepal durante uma viagem de peregrinação espiritual e ajuda humanitária às vítimas do terremoto de 2015. A canção que intitula o CD já foi lançada e, nesta sexta-feira, será divulgado o segundo single, Película. “O disco possui um viés muito pop, não é uma coletânea de mantras. Ele traz estes ensinamentos de uma forma muito atual, que é o meu jeito de cantar. Tem muita alegria e brasilidade, mas também tem muita guitarra e um pouco de rock. É um álbum popular que está falando sobre a espiritualidade budista. No entanto, não tenho nenhuma pretensão de catequizar ninguém, todos podem escutar este CD”, afirmou. O repertório conta com um grande apanhado sonoro que conta com mantras, rock, baladas e reggae.
A canção Película é o próximo lançamento da cantora que vai dar um gostinho do que vem por ai. A letra fala sobre projeções criadas pela paixão. “Como em um filme, projetamos as imagens internas de nosso ego no outro, como se ele fosse uma tela em branco. Apesar de, à primeira vista, parecer mais uma canção romântica, a letra é uma dica sobre como sair dessa encrenca. Se olharmos para nossos dramas como quem assiste a um filme percebemos que nada é real e passamos a desenvolver um olhar mais lúcido e lúdico diante da vida, aprendendo a fluir com ela ao invés de tentar controlá-la”, explicou.
A letra título do disco, Os Olhos da Menina, foi divulgada no dia 30 de março e resume muito bem as percepções da artista em relação a sua estadia na Índia e no Nepal, que durou cerca de 70 dias. Ela foi motivada a ir para aquela região devido à ajuda humanitária que alguns amigos estavam prestando ao país devido o terremoto de 2015, através do projeto Ajuda Nepal. A partir disso, Valeria embarcou em uma viagem que passaria por oito cidades importantes na trajetória de Buda, sendo a maioria no norte da Índia e somente uma no Nepal, Lumbini, que ficava na fronteira. Nesta última, ela resolveu passear de bicicleta em um parque enorme que fica ao redor do sítio arqueológico onde Buda nasceu. “A bicicleta era muito antiga e tinha até uma mola que rangia muito. Comecei a acompanhar o ritmo do barulho que fazia e acabou vindo a melodia de Os Olhos da Menina. Foi um dia muito feliz”, comentou. Depois disso, não tocou mais na canção e foi parar, mais tarde, em Katmandu. “Nos primeiros dias, uma menina de rua veio falar comigo, era muito simpática e comunicativa. Ela sabia um pouco de inglês e por isso conseguimos nos comunicar bem. Comprei comida para ela, a mãe e o irmão pequeno. Segui o meu caminho e fiz uma prece para que ela e outras garotas de rua tivessem um destino melhor. Depois disso, quis ver a aparição de uma menina que é considerada a manifestação da Deusa Hindu”, relembrou. Na tradição, eles acreditam que a deusa vive dentro de três garotinhas virgens que nascem em regiões distintas da província. Para preservar a jovem, ela só sai de casa uma vez ao ano e só tem contato com um homem que é o próprio pai. “Apesar disto, todos os dias, às 16h, ela aparece na janela por dois minutos. Fiquei muito impressionada com a força de seu olhar. No entanto, a letra não fala só desta jovem como de todas as outras meninas que conheci naqueles dias e, inclusive, esta primeira, que descobri mais tarde que havia saído da rua e ido para a escola. Inicialmente, era para ser uma música leve, mas tudo mudou quando cheguei a Katmandu e vi toda aquela destruição do terremoto. Nos olhos das crianças, via que eles era um povo muito amoroso, gentil e aberto”, afirmou.
A artista escolheu esta canção para ser a faixa-título de seu terceiro álbum porque a letra também fala dela mesma, de seu olhar sobre o mundo e a prática budista. “Estou falando destas meninas e mulheres que encontrei por lá, que transmitiam toda a repressão que viviam e toda a força no olhar. Apesar de serem pessoas de uma cultura totalmente diferente da minha, nós tínhamos muitas coisas parecidas, afinal, estamos em uma sociedade patriarcal. A minha visão foi ampliada depois desta viagem para as questões femininas”, informou.
Esta viagem de 70 dias foi a grande inspiração que motivou a artista a transformar a sua percepção espiritual em um terceiro álbum. “Antes de viajar para o Nepal, já havia pesquisado algumas músicas que tinham relação com o meu lado espiritual, falar sobre isto era o meu propósito desde o início. Tinha feito alguns shows com estas composições, mas sem a pretensão de que aquilo virasse um disco. No entanto, quando eu cheguei lá o formato do álbum ficou muito claro na minha cabeça, precisava contar esta história. O CD é quase um diário de bordo, mas também funciona como uma autobiografia do meu lado espiritual, falando sobre o que acredito e como experimento a prática do budismo na minha vida. As canções estão dividas em capítulos que passeiam por cada uma destas questões”, comentou.
Não foi só o rangido da bicicleta que influenciou na sonoridade de suas composições. As melodias que o público irá encontrar neste disco relembram o estilo da região. “Em algumas faixas, tentamos colocar alguns elementos da canção indiana. Uma delas existe uma prece tibetana, já que há muita influência deste viés do budismo naquela região do Nepal. Este som me encanta muito e resolvi adaptá-la para virar uma música de forma a ter uma pegada oriental e pop”, afirmou.
A conexão com o lado espiritual esteve presente sempre na sua música, mesmo que não fosse de forma explicita. Valeria é monja zen-budista e instrutora de meditação, sendo assim cultiva há um bom tempo a introspecção. Esta característica de sua personalidade interfere em seu talento vocal. “Nas aulas de canto, aprendi a controlar a respiração, mas a meditação me ajudou a usar a maneira de relaxar na respiração na minha técnica vocal. Ao mesmo tempo, quando a gente medita, nós focamos para conseguir expandir os nossos pensamentos. É como se toda a falação interna que existe fosse diminuída e, dessa forma, consigo perceber melhor os sons e odores. A nossa mente fica menos poluída e a criatividade melhora”, afirmou.
LETRA
Película
(Valeria Sattamini / Euza Borges)
Filme velho guardado e revelado
É o que te dou de presente
Na espera que a película vire carne em brasa roxa
Como aquela vez que fizemos fogo
Eu e você
Toda vez que te olho
É assim que me vejo
Toda vez que te olho
É assim…
Toda vez que te olho
Dispara o meu desejo
Toda vez que te olho é assim
Água fria de rio toca minha pele
Beijo elétrico de peixe
Chuva na janela e eu querendo ir pro meio da rua
Como aquela vez que fizemos fogo
Eu e você
Toda vez que te olho
É assim que me vejo
Toda vez que te olho
É assim…
Toda vez que te olho
Dispara o meu desejo
Toda vez que te olho é assim
Na cachoeira
A água é fria
E o sol é quente
Demais
Vamos pra sombra
Deitar na pedra
Que a tarde é longa
Demais
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