Um papo cheio de good vibes com a turma do Natiruts sobre maconha, Bob Marley, reggae e estereótipos. Vem ver!


Alexandre Carlo, o vocalista, conversou com HT sobre o preconceito com a maconha, e as letras do grupo com pegada de amor e tranquilidade na vida

Maconha e reggae. Associação às vezes errada, mas muito comum. O ritmo alçado por Bob Marley ganhou uma estereotipagem de apologia, o que coloca no mesmo balaio a turma da erva e a galera que prefere entregar um som good vibes. Nesse terreno de preconceitos e dedos indicadores, os caras do Natiruts sobressaem como os responsáveis por fugir da temática nas canções e alçar o reggae ao mainstream. Mas, em conversa com HT, o assunto foi debatido a sério.

Alexandre Carlo, o vocalista e fundador, admitiu que o caldo entornou. “O estereótipo já está criado. E criado de forma completamente deturpada. Talvez o caminho seja primeiro retirar esse estigma de erva maligna”, considera, já tomando partido de sua inspiração, Bob Marley. “É cada vez mais difícil convencer os jovens de que um homem como Bob Marley, que foi um defensor do uso da verdadeira cannabis, tenha sido uma pessoa do mal como querem alguns”.

Natiruts - Crédito. Ricardo Nunes

(Foto: Ricardo Nunes)

Conhecidos por pregar a liberdade para dentro de cabeça, e o desvínculo com as “noias da TV”, como uma faixa mesmo sugere, o Natiruts se apoia nos ensinamentos de Marley para difundir seu som. “Alguma coisa temos a aprender por aqui. Que seja aprender a amar”, filosofa o vocalista, que bateu na corrupção, e ainda falou sobre o DVD #NOFILTER, que foi gravado sem figurino pensado e pós edições.  “O cuidado minucioso com a estética nem sempre indica falsidade ou a tentativa de esconder incapacidades ou defeitos”, nos disse Alexandre.

Dê o play nos sucessos que a gente selecionou e confira o papo antes do grupo partir para uma turnê em Portugal, e seguir para um luau no Clube Álvares Cabral, em Vitória.

HT: Por que o nome Natiruts?

AC: Nati vem do antigo nome Nativus. E Ruts é uma referência a um dos estilos de reggae, o roots.

HT: Brasília é o berço do rock BR. Como foi começar uma banda de reggae por lá? Como se conheceram e definiram um fio condutor?

Talvez tenha sido um dos mais improváveis projetos da época. Por outro lado indica uma veracidade e uma autenticidade incríveis. Eu já tinha  composto quase todas as canções que fariam parte do primeiro disco. Mas não queria me lançar como artista solo. Queria ter um grupo nos moldes dos Waillers, então as pessoas foram aparecendo naturalmente. Como se o destino definisse as melhores opções.  E realmente foram as melhores na época.  O disco foi um fenômeno no Brasil.

HT:  Sempre que entrevistamos bandas do mesmo gênero de vocês abordamos com a temática da maconha recorrente em letras de reggae por alguns grupos. Vocês nunca sequer tocaram nesse assunto durante toda a carreira até o momento. Acham que essa abordagem, mesmo que de forma pequena, pode queimar o gênero por um todo? Cria-se um estereótipo…

Bom, a primeira coisa a dizer é que essa maconha, que é comprada em becos escuros, vem carregada de ganância, mortes, ambição, traição e não tem absolutamente nada a ver com a cannabis relatada nas canções de Bob Marley – que era cultivada com amor e respeito à natureza. Então esse é o ponto principal para mim. A questão da energia que ela carrega. O estereótipo já está criado. E criado de forma completamente deturpada. Talvez o caminho seja primeiro retirar esse estigma de erva maligna, que foi criada justamente pelo sistema que oprime o povo, para depois recomeçarmos uma nova discussão. O assunto cannabis é muito mais profundo para ser respondido em poucas linhas. Envolve fatores culturais, preconceito, dinheiro, outros negócios impulsionados pela sua ilegalidade como a venda de armas, e tem relação com a história também. É um hábito de origem africana. O que posso dizer, do que vejo hoje, é que cada vez mais será difícil convencer os jovens de que um homem como Bob Marley, que foi um defensor do uso da verdadeira cannabis, tenha sido uma pessoa do mal como querem alguns. Suas letras, suas músicas estão cada vez mais expostas depois do advento da internet.

HT: O novo álbum não possui quaisquer recursos de pós-edição, muito menos aquela básica repetição de faixa por conta da gravação, nem figurino especial para a ocasião. Por que essa ideia depois de dois DVD’S naquele estilo tradicional? Talvez pelo produto final soar menos falso?

O cuidado minucioso com a estética nem sempre indica falsidade ou a tentativa de esconder incapacidades ou defeitos. É uma questão de escolha. De momento. Antes do DVD acústico “Natiruts no Rio de Janeiro”, o reggae não havia experimentado um projeto com grandiosidade de produção, que fizesse frente em termos estéticos aos DVDs de outros estilos como r&b, rock, sertanejo, axé. Então existia um porque para se embrenhar em algo mais sofisticado. Com o “#NoFilter” a gente estava mostrando ao público que por trás daquela estética existia uma banda de verdade, que sobe ao palco e simplesmente toca.

HT: Como foi a escolha por incluir músicas de Charlie Brown Jr., Paralamas do Sucesso e Legião Urbana no disco? Por que essas bandas e por que aquelas canções específicas?

CBJr foram nossos parceiros de geração e de estrada. É uma homenagem mesmo. Legião e Paralamas são nossas referências.

HT: Que situação problemática do nosso cotidiano precisa de mais filtro?

Corrupção.

HT:  Vocês pregam tanto aquela coisa de liberdade para dentro da cabeça, de ouvir a música e só sentir o bem que ela traz. Mas como manter tanta “good vibes” em meio a tantas mazelas na nossa sociedade, em meio “às nóias da TV”?

A quem você acha que interessa noticiar apenas o que é ruim? Se só noticiam as mazelas, as pessoas vão acreditar que a vida é feita de mazelas. Quem quer que seja que manda na grana do mundo, já aprendeu que o universo é energia. A água, seu corpo, a parede da sua casa, o vento, tudo é energia. E a energia pode ser direcionada para mais ou para menos. Quando a Natiruts fala em pensar positivo, não é propaganda de margarina de domingo de manhã, é um exercício. É ter consciência de que se tudo no universo é energia, quem tem o hábito de pensar, desejar o bem, tem a maior probabilidade em atrair isso para sua vida. É óbvio que isso não significa que passaremos a vida inteira sem problemas, até porque estamos encarnados nesse mundo de energia densa que é a Terra. Alguma coisa temos a aprender por aqui. Que seja aprender a amar.

HT: Até que ponto o Natiruts se rende ao modus operandi do mainstream musical sem perder a essência e os princípios adquiridos lá no planalto central?

Essa coisa de perdeu a essência, não sei se é muito real. As bandas que começaram de uma forma e se transformaram em outra não perderam a essência, mas sim descobriram a essência que procuravam.  E o que define se uma banda vai continuar ou não, independentemente se a essência era A e virou B, é aquele carinha que sai de casa, gasta tempo e dinheiro com ingresso para ir prestigiar aquele artista que, de alguma forma, o satisfaz com sua música.

[O segundo parágrafo do texto foi alterado às 11h50min do dia 19 de maio. A fala correta de Alexandre Carlo é: “É cada vez mais difícil convencer os jovens de que um homem como Bob Marley, que foi um defensor do uso da verdadeira cannabis, tenha sido uma pessoa do mal como querem alguns”.]