* Por Carlos Lima Costa
Um dos maiores nomes da música brasileira, Roberto Menescal, um dos pais da Bossa Nova, compositor de clássicos como O Barquinho e Você, – as duas em parceria com Ronaldo Bôscoli (1928-1994) -, além de brilhar no nosso país e no mundo, tem sido há anos muito atuante no que se refere aos direitos autorais dos músicos. Roberto acompanha há décadas as grandes revoluções no mercado fonográfico, desde a relação dos artistas com as gravadoras até o surgimento dos streamings. “No passado, a gente ganhava dinheiro com a venda dos discos. Hoje, as músicas são disponibilizadas no YouTube, no Spotify, enfim nos streamings. E temos direito a ganhar um percentual. Ainda é baixo, mas estamos lutando. Por exemplo, há três anos, cheguei a ouvir a seguinte frase: ‘Estamos tocando sua música, divulgando e você ainda quer cobrar?’. Mas, através das músicas, também há anúncios nas plataformas. Quer dizer, ninguém queria pagar nada, mas conseguimos 10% da receita gerada e queremos 50%. As empresas ainda estão lutando contra, mas pode ter certeza que vamos chegar lá. Já imaginou se a classe inteira dissesse que ninguém pode tocar nada? Vão vender anúncio de quê? Esses dias, até estava compondo uma canção que termina assim: ‘Minha música pode ser sua, mas o direito é meu’. E vou gravar com vários cantores”, revela em entrevista exclusiva.
“Gravadoras como eram antes não tem mais. Vou dar um exemplo: a gente ganhava uma média de dez por cento da venda dos discos, porque elas pagavam a gravação, a mixagem, a distribuição e a divulgação. Então, ganhavam 90%. Mas, hoje, muita gente está gravando em seus estúdios caseiros ou nos dos amigos. Fazem tudo e negociam suas músicas direto com as plataformas. Em vez do artista ganhar dez por cento hoje, o certo seria dividir com os serviços de streaming 50% para cada lado. Tenho quase certeza de que esse vai ser o novo normal”, acrescenta Menescal, que tem boa parte de seu repertório disponibilizado na internet.
E ressalta outra negociação: “Consegui agora com a Universal (antiga Polygram, onde ele foi diretor artístico durante alguns anos), que os meus royalties subissem de 10% para 39%. Falei: ‘Vocês não estão mais fazendo capa, não estão prensando. Tudo isso era dinheiro que vocês gastavam. O justo era me dar 50%. Então, sem briga na Justiça, sem nada, subiram para 39%”, relata ele que, na época em que começou a tocar, um cantor costumava lançar um disco (vinil e, posteriormente, CD) todo ano com 12 músicas em média.
Com o advento dos streamings, isso mudou. Os artistas mais jovens muitas vezes disponibilizam uma canção no streaming a cada 15 dias. Muitas músicas acabam se tornado um sucesso efêmero. “Tem muitas que se eternizam como Eu Sei Que Vou Te Amar e outras que surgem, alegram e vão embora. Sempre foi assim. Cada uma tem uma função”, minimiza ele que já presidiu a Abramus – Associação Brasileira de Música e Artes, instituição que defende os direitos autorais.
Trabalho full time via internet com diversos países durante a pandemia
Aos 84 anos, e em plena pandemia, Roberto Menescal assegura que nunca trabalhou tanto. “Ao longo da minha carreira, viajei muito. No Japão, por exemplo, estive 31 vezes, porque lá adoram a nossa música, principalmente a Bossa Nova. E, agora na pandemia, fiquei surpreso com a enorme procura de artistas estrangeiros querendo gravar nossa música, gente que eu não conhecia. Gravei com uma menina russa, com uma artista espanhola, uma portuguesa, uma americana. Com a tecnologia, estamos conseguindo gravar à distância”, comenta.
Ele conta ainda que fez um clipe de O Barquinho com nove cantores japoneses, que queriam cantar em português. “Ficou espetacular, uma pronúncia engraçada. Gravei aqui o piano e a guitarra e lá, eles completaram com a bateria e o baixo. Quer dizer, daqui de casa consigo gravar com o mundo inteiro”, constata.
Roberto nos conta que se desfez de quase todos os cerca de 1 mil vinis que tinha guardados em dois armários. “Fiquei com uns 30, o resto eu dei tudinho, porque se não a gente fica louco. Hoje, não é nem mais vinil, disco, nada. Você vai nas redes e vê e escuta tudo que desejar”, analisa. Da mesma forma que não sente falta da mídia física, não é saudosista na vida.
“Me falam sempre que eu vivi uma época fantástica de Copacabana, Ipanema. É verdade! Acho que ninguém mais vai viver aquilo. Mas não morro de saudade. Eu tenho saudade é do futuro, do que vem por aí. Vibro com tudo que está chegando, com as parcerias musicais que tenho realizado pelo mundo sem sair de casa. Isso é fantástico. Então, lembro de fatos bacanas, mas saudade de querer voltar, não. Estou muito bem hoje em dia, bem de saúde, de trabalho. Como falei, na pandemia eu pensei que não fosse trabalhar e estou trabalhando como nunca. Gravo quase todo dia, principalmente com o exterior”, diz. Sem contar as inúmeras lives que participa.
E está atento aos novos talentos. “O pessoal mais jovem me procura e conversamos muito. Eu estou de olho nos jovens como a Analu Sampaio. Tem Sofia, a neta do João Gilberto (1931-2019). Tem muita gente me procurando. E eu não quero ficar parado naquilo que fiz no passado”, ressalta.
Furação Anitta sob a ótica de Menescal
Roberto, e o que tem a comentar sobre Anitta, que, aos 28 anos, tem levado o suingue do Brasil para o mundo? “Tenho que dar os parabéns a essa mulher inteligente. Estava vendo ela falando em inglês para um dos maiores programas de entrevistas dos Estados Unidos. Uma menina que se preparou e está aí para o mundo. Tem uma música que ela canta, Will I See You, que é um barato, ela cantando com uma guitarrista americano (Poo Bear). Mas não gosto do negócio lá na laje, com aquele biquíni de fita isolante (assim, ela gravou o clipe de Vai Malandra, no Vidigal, em 2017). Mas eu não combato”, frisa Menescal, que gostou ainda de Girl From Rio, com a melodia de Garota de Ipanema. “Que barato ela cantando de forma meio jazzística. Então, tem trabalhos da Anitta que eu gosto e outros não, como em tudo”, reflete ele, cujo mais recente álbum é um projeto voltado para as crianças.
A criação democrática de Menescal para todas as idades
O projeto Bossinha Legal surgiu tendo como inspiração Maria Júlia, de 6 anos, a mais nova dos seis netos de Menescal, com quem ele gravou pela primeira vez. Inclusive, acaba de lançar o clipe de animação de O Barquinho, um dos hinos da Bossa Nova. Composição de 1960, é interpretada por vovô Beto, Majú e pela nora Georgeana Bonow, mãe da menina. “Na época, ela estava com 5 anos e já cantava muito afinadinha. Aí veio a ideia de fazer não só um clipe. Maria Júlia chegou de surpresa e tem sido muito bom, me deu uma nova força na vida”, conta.
Acostumado ao longo da vida a gravar com artistas consagrados, Menescal exalta a parceria com a netinha. “Agora, estou gravando com os grandes nomes do futuro. Foi muito legal, porque ela veio de óculos escuros (risos), estrela total. No primeiro vídeo que gravamos, nem lembro de que música foi, quando acabou, ela falou: ‘E meu cachê?’ Ficou tão bonitinho, que a gente deixou. Ela é danada. Fico feliz de estar vendo isso, porque de alguma maneira saiu de mim. E não é negócio de avô coruja não, ela é muito afinada”, explica, emocionado.
E se diverte com uma curiosidade: “Em O Barquinho, ela cantou ‘velão’, mas deixamos assim mesmo (risos). Muito mais bonito do que ‘verão’. Não vamos consertar tudo. Deixa fazer o que a idade dela permite”, observa Roberto. A animação foi realizada pelas gêmeas Bruna e Erika Carvalho (filhas de Giselle Kfuri, produtora e empresária de Menescal há mais de 20 anos), que integram o time de animação do estúdio Titmouse, em Vancouver, no Canadá.
Gravada quase três mil vezes em variados idiomas como inglês, francês, italiano, coreano, japonês e espanhol, por nomes como Peggy Lee (1920-2002), Andy Summers, João Gilberto (1931-2019), Nara Leão (1942-1989), Elis Regina (1945-1982), Yasuko Agawa e Maysa (1936-1977), O Barquinho é, sem dúvida, a canção que está no panteão da música global. Curiosamente, surgiu de forma despretensiosa quando ele ficou à deriva durante uma pescaria.
“Estávamos eu, o Bôscoli, a Nara Leão, o pessoal do Tamba Trio. Eu era do mar, gostava de pescar e viviam me cobrando para levá-los. Aí alugamos um barco em Cabo Frio. E depois de Arraial do Cabo, tem a Ilha do Cabo. Quatro horas da tarde enguiçamos e lá tem um vento leste danado, que foi jogando a gente pra fora, a ilha foi ficando pequenininha e eu tentando fazer o motor pegar, até que seis horas da tarde apareceu uma embarcação grande vindo da Bahia, a gente pediu socorro e quando eles nos levaram, começamos a escrever ‘O Barquinho vai/E a tardinha cai’, só isso. No dia seguinte, na casa da Nara, onde a gente se encontrava, o Bôscoli veio falando da música, sobre a batida que veio como o barulho do motor e aí veio ‘Dia de Luz, festa de sol/E o barquinho a deslizar….’ Disse a ele para não falarmos da aflição, apenas o lado bonito como se nada tivesse acontecido. Fizemos assim e ela virou nosso maior sucesso”, lembra.
Avô participativo e brincalhão, na segunda quinzena de janeiro, Roberto ficou apreensivo e triste de não poder estar com Maria Júlia. “Ela e os pais tiveram covid, fiquei mais de 15 dias sem vê-los. Queria muito abraçar a Maria, apertar, porque me dava uma saudade e não podia nem chegar perto”, ressalta ele que em momento algum teve a doença. “Nem eu nem minha mulher (em janeiro, Roberto e Yara completam 60 anos de casamento). Ficamos bem trancados”, conta ele, que tem três filhos. Uma mulher e dois homens, sendo um deles, Marcio Menescal, pai de Maria, baixista e técnico de gravação, responsável por toda a parte de produção da gravação e da mixagem de Bossinha Legal.
No projeto, a neta Maria Júlia solta a voz também em músicas como O Gato-to (Atirei o Pau no Gato). “Mudei a letra para Encontre na Rua Um Gato, porque Atirei o Pau no Gato não pode. Mudei a letra toda, a harmonia. Fizemos quase todas as levadas das músicas em uma Bossa Nova moderna”, explica. E aposta que a neta tem tudo para brilhar como cantora. “Ela vai ser, não tem jeito. Como falei, a mãe dela tem uma escola de música (Tia Gê Musical) e faz muito show infantil, de aniversário de shopping, clube e ela não perde um, quer cantar em todos os shows da mãe. Aí, antes de se apresentar, põe os óculos escuros”, diverte-se.
O álbum apresenta também inéditas como Minha Vida, Vovô Vovó e Bossinha Legal, parcerias dele com Georgeana, principal cantora do disco, que conta ainda com a participação de Analu Sampaio, por exemplo, em O Calhambeque, sucesso de Roberto Carlos. “Eu a acompanho de longe desde os 10 anos. Estamos preparando uma série de shows para fazer esse ano, Encontro de Gerações, ela com 13, eu com 84, cantando tudo, jazz, Bossa Nova. Ela é uma baianinha danada, nem conheço pessoalmente, mas já gravamos mil coisas, vídeos, usamos a tecnologia. Vou fazer também uma turnê com a Bossinha Legal, ao lado da minha neta”, diz.
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