*Por Jeff Lessa
A primeira vez que Almério se apresentou em um teatro foi em 2003. Antes, o compositor, cantor e ator pernambucano, que desponta no cenário musical brasileiro, já levava sua música para bares, feiras e, como o próprio artista diz, “todos os lugares que você puder imaginar”. Nascido em Altinho, no interior de Pernambuco, ele se mudou aos 20 anos para Caruaru (hoje tem 39). E só dez anos depois, em 2013, gravou o primeiro CD, produção independente que leva seu nome. Em 2017, já morando no Recife, lançou seu segundo álbum, “Desempena”, um megassucesso de crítica que guindou o pernambucano ao estrelato. Pois é baseado nesse disco o repertório do show homônimo que ele apresenta entre 28 e 30 desse mês na Caixa Cultural, no Rio.
Almério diz que não se importa com o tempo que levou para “acontecer” no cenário musical nacional. Preferiu ir devagar, respeitando o seu ritmo, sem pular etapas, sempre sentindo o terreno em que estava pisando. O primeiro disco foi gravado à custa de muito sacrifício, com trabalho ininterrupto na náite de Caruaru. No entanto, foi graças a esse trabalho que participou de eventos como o Festival de Inverno de Garanhuns, o Abril Pro Rock e o Pernambuco Nação Cultural, além de conquistar o troféu Cata-Vento, da Rádio Cultura Brasil.
Também foi “Almério”, o disco, que abriu as portas para o artista a conhecer gente importante, como o produtor e gestor cultural André Brasileiro, seu atual empresário, e o diretor, roteirista e compositor João Falcão, que o convidou para atuar em sua adaptação de “Gabriela Cravo e Canela”, texto escrito em 1958 por Jorge Amado. A versão musical do romance estreou em junho de 2016 no Teatro Cetip, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. “No teatro você envolve o público, é forte demais”, observa.
“Eu caí no mundo. Na verdade, caí no mundo lá em Caruaru. Morava num sítio, tinha medo do Recife e até de Caruaru. Caruaru era o máximo da civilização moderna para mim. Quando comecei a ir para a capital trabalhar, tive problema com a produção, porque só queria fazer bate e volta, para estar logo no sítio. Depois descobri que a cidade nem é tão grande assim. Hoje não sinto mais medo”, conta o artista, simpático, com voz suave e muito bom humor. “Aprecio o Recife e gosto especialmente (dos bairros) do Recife Antigo, Brasília Teimosa e Pina, mas moro em Tamarineira” (bairro considerado nobre na capital pernambucana).
Quando já havia se estabelecido no Recife, Almério foi convidado para se apresentar no Palco Sunset do Rock’n’Rio de 2017, ao lado de Johnny Hooker e Liniker. Daí a ser considerado revelação do ano e tornar-se conhecido em todo o país, chamando a atenção da turma antenada com as novidades, foi um pulo. No palco, ele surpreendeu a plateia que ainda não o conhecia com sua voz suave de timbre andrógino, porém forte, aliada à luxuosa sonoridade eletrônica de pífanos, alfaias, violas e zabumbas. “Tudo que eu faço é com muito desejo. Entendo a arte como uma doce responsabilidade. Essa responsabilidade vem da vontade que tenho de transformar tudo. Temos o dever de denunciar o que estamos vivendo e vendo. Denunciar e transformar é são deveres da arte”.
Na edição deste ano, fez parte do projeto Jam Sessions Heineken, que encerrava as noites do festival, ao lado de Sérgio Loroza, Johnny Hooker, Toni Garrido e Maria Rita, entre outros. Também se apresentou no show “Acaso Casa”, com a cantora baiana Mariene de Castro, dirigido por José Maurício Machline, que gerou o CD ao vivo, lançado pela Biscoito Fino. Em duas apresentações na Fundição Progresso, abriu o show “O Grande Encontro”, de Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. No ano passado, Almério ganhou o mundo ao fazer uma breve turnê em Portugal, passando por Lisboa e Porto com o show de abertura de “O Grande Encontro”; Coimbra, onde cantou no Salão Brasil; e Amarante, participando do Festival MIMO.
Por conta da voz e do jeito teatral e dramático com que se apresenta, a comparação com Ney Mattogrosso acaba sendo inevitável – e Almério já está vacinado nesse quesito. O artista brinca, dizendo que basta o cantor ser gay para detectarem imediatamente influências de Ney em sua arte. Falando mais seriamente, ele conta que só começou a ouvir o cantor depois dos 25 anos de idade. No entanto, há um ponto em comum do qual não dá para escapar: os figurinos, sempre criativos e vistosos, parecidos com os que Ney usava nos tempos dos “Secos & Molhados”.
“Tem um lado político nisso. A forma como eu me visto serve para envolver pessoas e mostrar que podemos ser livres com as nossas escolhas. Quero levar o público para um lugar de conexão com a arte”, revela o cantor, que, no ano passado, recebeu o troféu Revelação Petrobras durante a 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira (ex-Prêmio Sharp, Prêmio Caras e Prêmio TIM) em cerimônia realizada no Theatro Municipal do Rio. Indicado também na categoria cantor de pop-rock, perdeu para Lulu Santos.
Para os shows do disco “Desempena” no Rio pode-se esperar muita energia. No mínimo. “Esse show está migrando para uma vibe de provocação, faz parte da inquietude do mundo. A provocação é mais inconsciente que consciente”, diz Almério. “É a celebração de dois anos e meio de um show que passou por algumas capitais do Brasil e cidades do interior de Pernambuco, que abraçou e absorveu esses lugares, atravessou pessoas e se deixou atravessar”. A maior parte do repertório vem do CD homônimo, que traz composições autorais e de artistas de Caruaru, mas o roteiro inclui também parcerias com Ceumar, Mariana Aydar e Isabela Moraes, além de músicas inéditas de Pedro Luís, Lucky Luciano, Juliano Holanda e PC Silva.
SERVIÇO
Desempena
Caixa Cultural (Teatro de Arena): Av. Almirante Barroso 25, Centro – 3980-3815
De 28 a 30 de novembro, às 19h
R$ 30 (inteira) e R$ 15. (Clientes da Caixa pagam meia-entrada)
Bilheteria: terça a domingo, das 13h às 20h
90 min 14 anos 226 lugares (mais 4 para cadeirantes)
Acesso para pessoas com deficiência
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