A Porta da Frente: momentos de comédia com passagens mais poéticas e um tanto quanto sombrias da existência humana


Uma história que nos faz questionar valores e ações que, muitas vezes, nos sufocam no dia-a-dia

* Por Junior de Paula

Julia Spadaccini já provou várias vezes que não é apontada como uma das mais importantes dramaturgas da nova geração à toa. Com muitos prêmios na prateleira e textos muito bem recebidos pelo público e pela crítica, assistir a qualquer espetáculo que leva a assinatura dela já é começar qualquer jogo com uma certa vantagem.

A Porta da Frente, por exemplo, em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, às terças e quartas-feiras, é um destes casos. A história é a seguinte: uma família de classe média tradicional, um tanto quanto amargurada, é verdade, com dois filhos desajustados e uma avó com Alzheimer vê sua rotina mudar – para o bem e para o mal – com a chegada de um crossdresser chamado Sacha para o apartamento vizinho. Crosdresser, para quem não sabe, são homens e mulheres – independente de sua orientação sexual – que passam a se vestir com roupas do gênero oposto. Sacha, no caso, é heterossexual.

A trama segue firme desde o início com momentos de comédia rasgada com outras passagens mais delicadas, poéticas e um tanto quanto sombrias da existência humana provando que Julia é mesmo especial e merece toda a atenção que vem recebendo.

Destaque também para a mãe maravilhosamente interpretada por Malu Valle, que não consegue se conectar com o amor do marido e nem dos filhos, mas tem uma vida dos sonhos na internet, onde tem a casa dos sonhos, as roupas dos sonhos e um amor dos sonhos em um jogo que mimetiza o sucesso Second Life de alguns anos atrás, responsável pelos melhores momentos do espetáculo.

Marilu, vivida por Maria Esmeralda do Forte, é outra que rouba a cena como a avó que tem lapsos de memória por conta do Alzheimer e seus delírios líricos e cheios de segredos. Rogério Freitas, o pai, Jorge Caetano, o Sacha, e a dupla de filhos, Felipe Hauit e Nina Reis, cumprem com sobriedade os seus papeis e contribuem de forma bem delicada para contar esta história.

A direção de Jorge Caetano e Marco André Nunes é segura e não abre concessões para a pieguice ou o exagero na comédia e entrega um espetáculo coeso do início ao fim, sem quase nada fora do lugar.  Destaque também para o competente figurino – em especial às maluquices usadas por Marilu – de Rui Cortez e a luz sempre especial de Renato Machado.

A porta da frente, mais do que discutir o preconceito e as oportunidades que perdemos na vida por medo de olhar – ou não olhar – para o outro de forma mais efetiva, é uma história que nos faz questionar valores e ações que, muitas vezes, nos sufocam no dia-a-dia. É teatro para se divertir e também para pensar. Teatro, portanto, da melhor qualidade.

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Fotos: Divulgação

Serviço:

Terças e quartas as 21h

R$ 30,00 inteira

R$ 15,00 meia
Casa de Cultura Laura Alvim

Até 25 de março

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.