*Por Brunna Condini
Ela está muito mais para os trechos dos versos de “Só nos resta viver” (1980): “Quem dera pudesse / A dor que entristece /Fazer compreender /Os fracos de alma /Sem paz e sem calma / Ajudasse a ver / Que a vida é bela / Só nos resta viver”, do que para outras canções mais dilacerantes do seu repertório. Angela Ro Ro não quer treta e nem guerra com ninguém. Deseja abundantemente saúde para ela e seus seguidores no Instagram, e para todas as pessoas ao redor: “Afinal estamos em uma pandemia, então desejo saúde mesmo para aqueles que não a prezam, e poderiam não merecer”.
A artista está passando a quarentena em sua casa localizada em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio. E foi de lá que conversou com o site, falando deste recolhimento, dos aprendizados dos 70 anos, dos posts em sua página na rede social, que volta e meia viram notícia. E também dos pedidos de colaboração financeira para atravessar esse momento. No entanto, o que mais Ro Ro, com sua característica voz rouca e grave falou é que deseja trabalhar, e muito, mesmo que remotamente. Então, caros interessados, mandem propostas de lives! Porque ela merece, e os fãs também.
O primeiro ponto que a cantora deixa claro é que está satisfeita, mesmo vivendo em isolamento. “Acabei ficando aqui em Saquarema desde que passou o Carnaval. Aqui estou perto da natureza, tenho sossego e evito o contágio. Demorei a atender o telefone, porque estava terminando de limpar por aqui. Não sou diplomada no assunto, mas me viro”, diz, soltando a conhecida gargalhada.
“Pedi ajuda, não tenho vergonha. Sou como uma monja neste sentido, aceito. Precisava pagar as contas, gente que trabalha para mim, mas estou deixando em casa, estamos no meio da pandemia ainda. Não posso fazer shows presenciais neste momento, e não estavam mostrando interesse nas lives. Agora já fiz duas e quero fazer a terceira. Ainda preciso trabalhar”.
Ela revela que este ano faz 30 anos de parceria musical o pianista Ricardo Mac Cord e que adoraria celebrar em uma live com o músico. “Gostei tanto das outras que fiz, sou grata. Estou torcendo que tenham interesse de fazer outra e com o Ricardo junto. São três décadas fazendo música com ele, que é meu maestro, meu fiel escudeiro. Seria um show com um repertório diferente e mais rico”, diz Ro Ro. “Eu e Ricardo tivemos apresentações adiadas por conta desta pandemia em São Paulo e na Bahia. Queremos muito fazer esses shows, mas só poderão acontecer quando for com segurança para todos. Na verdade, essa pandemia ainda deve durar um bom tempo, é o que quem entende de ciência diz. Então, torçam para eu ter uma oportunidade de trabalhar, fazer outra live, porque até sou monja, aceito doações, mas isso não é projeto de vida”.
Gratidão à vida
Entre uma resposta e outra, ela cantarola uma música, e repete o quanto é grata por tudo que viveu, de bom ou ruim, e principalmente, por ter chegado até aqui. “Não quebro fácil. Quero viver muito ainda, com saúde. As coisas simples me fazem feliz. Aqui tem passarinho, os gatos que abandonaram, adotei e estou cuidando: Zé Pretinho, Katia Flávia, a Godiva de Irajá e Veveta, em homenagem à Ivete Sangalo, que é mesmo uma pessoa maravilhosa, generosa. As duas gatas estão prenhas. O que vou fazer? Cuidar, ora. Onde comem três, comem mais, e a ração deles é barata. Amo os animais, a natureza, nós é que fazemos mal a eles. Sempre tive gato perto de mim, desde a infância”.
A cantora, compositora e instrumentista carioca comenta o fato de ter pedido ajuda financeira nas redes durante a pandemia por duas vezes, e desmente notícias de um programa de TV de que ela receberia pensão e teria uma vida de luxos. “Nada disso é verdadeiro. As pessoas fazem um bloguinho e ficam se achando jornalistas. Não apuram, falam qualquer besteira. Então não me chateio, porque é isso que se propõem. Mas é o seguinte: me relaciono nas redes, me exponho, mas sempre com respeito. Se me arrependo de um post, se acho que errei, apago. Agora, também se tem comentários ruins, apago, bloqueio. Sempre teve gente para falar besteira e difamar em qualquer tempo, mas a internet deu microfone na mão dessa gente. Só desejo saúde a todos, mas esclareço”.
E acrescenta: “Não fiz drama, mas realmente são meses sem a grana entrar, pesa, então preciso trabalhar. E agradeço infinitamente às pessoas que me ajudaram imediatamente, porque fez diferença. Hoje não tenho religião, mas tenho uma fé imensa e inabalável, positiva, fé na vida. Então, na minha reza de ateu agradeço o tempo todo. Até porque as pedras foram jogadas por poucas pessoas”.
Trajetória
Ela faz questão de falar sobre o início da sua vida. “Minha mãe, Conceição, era uma pessoa de cabeça muito aberta, enfermeira, mas parou de trabalhar para cuidar do meu pai. Antes de eu nascer, meus pais moravam em uma espécie de cortiço, em Vila Isabel. Minha mãe tinha o que chamam de útero infantil, então abortava espontaneamente. Fui sua sexta tentativa e última. Posso dizer que herdei da minha mãe a voz e a intuição”, compartilha. “Então, eis que um dia, minha mãe cisma, do nada, de querer apostar um dinheiro que meu pai tinha para pagar contas, ele era engenheiro civil na época, depois foi policial. E minha mãe não era de jogar, nunca tinha jogado. Meu padrinho, sim, jogava muito e à dinheiro, mas a desaconselhou, disse que era loucura. Ela estava grávida de seis meses de mim. Meu pai era careta, mas era honesto de dar nojo, aliás, de dar orgulho. Ele cedeu e lá foi minha mãe apostar em dois cavalos, que diziam ser azarões (menos cotados para vencer). Mas ela dizia que estava com intuição e apostou. Você acredita que ela ganhou? Foi aí que tivemos nosso apartamento: dois quartos, dois banheiros, ela comprou uma TV e uma vitrola. Nos sentimos ricos ali. Mas isso é para te dizer que a minha vida começou assim. Graças à intuição, ousadia e sorte da minha mãe não tive que passar por muitas das dificuldades que passaria. E também, à benevolência do meu pai. Digo que não tenho que reclamar da vida, nasci com um lugar para morar graças a eles. Não tenho pensão nenhuma, se tivesse, estaria servindo marmitas lá, desculpe o trocadilho”.
Liberdade de postar
Angela Maria Diniz Gonsalves, a Angela Ro Ro acha graça da “patrulha” nas suas redes. “As pessoas se metem em posts temperamentais meus. A página é minha, faço o que quiser (risos). Li uma frase outro dia e amei: “É proibido calar catarses”. É isso, catarse é quando você vomita as verdades, os sentimentos. Pode também se arrepender, está tudo certo”.
A cantora se refere às publicações que fez de ontem para hoje e foram posteriormente apagadas, uma falando do relacionamento com a namorada, que teria acabado, e outra se desculpando pelo episódio, dizendo que estava tudo bem. O que você tem a dizer sobre o assunto? “O que posso dizer é que último contato que tivemos foi hoje, desejando estarmos juntas logo. E também, que desde 17 de março de 2019 continuo amando e sendo amada pela mesma mulher, nunca expus nomes. Ela mora em outro estado, tem a vida dela, estamos longe por conta da pandemia, mas em breve estaremos juntas”, comenta.
Ainda acredita no amor? “Ainda acredito nos grandes amores. Agora estou vendo da janela, falando com você, as gatas grávidas, o gato Zé Pretinho do lado, isso me emociona, isso é amar também. Claro que o amor é tema fundamental para mim. Para debochar, escrachar, reclamar, e não só entre os humanos, até porque anda escasso. Falo de amor à vida, aos outros seres e aos animais. Posso te dizer tenho muito amor dentro de mim. Amor é condição sem a qual não se vive, entende? E por amar tanto acho que a vida me retorna com paz interior, inclusive ando me divertindo, sozinha mesmo. Estou dançando léguas. Não sai da adolescência ainda”.
Biografia em volumes?
A artista revela que anda compondo e escrevendo também. “Mas não sei quando sai essa biografia e como sai. São 70 anos de vida, vamos ter que fazer alguns volumes”, diz, aos risos, e arranhando melodias em uma gaita. “Vai sair música também dessa quarentena, comecei algumas coisas. Agora sobre o livro, não sei se vou contar tudo, tudo, porque aí vai demorar mais, tenho que escolher o que vai entrar, senão não tem fim. Talvez misture um pouco da minha literatura, do meu cordel nele”.
E o que as pessoas podem esperar de um livro sobre a sua vida? “Quero falar das emoções, dos amigos, dos momentos difíceis, dos amores, das loucuras. Mas é claro, que vou contar o que lembro, as coisas mais importantes. E nisso, tem aspectos bons e bem ruins. Fui abusada por um tio com 9 anos, por exemplo. Anos depois, antes dele morrer, me aproximei dele, que ficou doente, e perguntei por que ele fez isso, mas ele não sabia dizer. Mas sabe o que fiz quando isso aconteceu? Levantei e sentei para estudar piano. Sei que devo ter feito ventosa no banco, porque nunca mais levantei. Não vou dourar a pílula, é a vida, com tudo que tem nela. Mas também vão ter minhas alegrias, meu amor às pessoas, aos bichos, minha música”.
Angela Ro Ro 70
Da artista que iniciou os estudos de piano clássico na infância até a descoberta da voz grave e rouca na adolescência, passando pela temporada em Londres alternando trabalhos para pagar as contas com apresentações como cantora e pianista, até a volta ao Brasil em 1974, com o início da carreira profissional por aqui, são mais de 40 anos de carreira, mais de 15 álbuns e muitas histórias para contar. Ela mantém a poesia com que encara a vida nas canções, a visceralidade ainda está lá, mas sem perder a ternura. “Posso dizer que aprendi algumas coisas. Sou extravagante, temperamental. Não consigo aprender e nem quero. Sou exagerada, “me jogo aos pés”, como o Cazuza. Mas aprendi a fazer sexo. Brochei a minha vida inteira, acredite. Todo mundo sempre achou que era boa de cama, mas na verdade, brochava sem parar. Sabia o que era para fazer, mas não rolava bem. Só na terceira idade é que vim fazer sexo gostoso para mim e para a pessoa. Não tenho pudor de falar. Não sei o que aconteceu, mas me deu tesão aos 66 anos, fui atrás do tempo perdido”.
E pede que acrescente: “Quero deixar claro. Isso também aprendi. E dizer que sou absolutamente contra o armamento, preconceitos e qualquer desmerecimento a qualquer espécie de vida, sou contra a violência. Abri caminhos para a dignidade da diversidade, nunca vou compactuar com preconceitos de qualquer espécie”.
Do que pode dizer que se orgulha na sua vida? “Sou feliz e me orgulho de ter aproveitado meu talento musical (se emociona), e ter ido as aulas de música desde os 5 anos. Aproveitei esse talento genético que veio da minha mãe. Também me orgulho da minha poesia, da minha família. De ter tido ótimos exemplos nos meus pais, que a despeito de qualquer coisa, sempre me amaram. E faziam questão de dizer. Compravam minha briga e me diziam para ir em frente. E eu sigo em frente”.
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