*Por João Ker
“A união faz a força” é um dos ditados mais antigos e populares da cultura brasileira, mas ainda assim é a melhor frase para descrever a mensagem por trás do documentário “A Farra Do Circo”, que estreia nesta quinta-feira (29/5) no Rio de Janeiro e em São Paulo. A produção de Roberto Berliner e Pedro Bronz mostra como foi fundado o Circo Voador, a mítica lona de espetáculos carioca, e como era o clima de coletividade e integração artística em um espaço muito diferente daquele que funciona hoje na Lapa.
Ao longo de todo o documentário, valores e ideais são constantemente retratados e reforçados: o poder do coletivo, a liberdade de expressão artística, a incipiente organização (e ausência de preocupação com isso) do grupo, a amizade fraternal, a falta de pudor e, acima de tudo, a pluralidade de manifestações culturais. O Circo fundada na virada da década de 1980 era uma mistura a qual o Rio de Janeiro nunca mais viu igual: dança, poesia, música, cinema, arte, sustentabilidade e até uma TV aconteciam embaixo daquela lona. Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Lobão, Serguei, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Blitz expressavam e encorporavam o clima irreverente desse ambiente, ao mesmo tempo que dividiam o espaço com bailes de forró e oficinas infantis encabeçadas pelos integrantes do grupo teatral “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, que tinha Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Nina de Pádua e Evandro Mesquita à frente, ao lado de um dos mentores do Circo, Perfeito Fortuna.
Antes de apresentar o resultado final para uma plateia ansiosa, foi o próprio Perfeito Fortuna, Presidente da Fundição Progresso, quem fez um discurso emocionado para a plateia e, ladeado pelos diretores, frisou que nada o deixava mais feliz do que reunir aquele tanto de amigos para assistir ao documentário. E o sentimento foi compartilhado: dentre as dezenas de personagens mostrados nas quase duas horas de filme, muitos estavam na plateia e saíram de lá com os olhos marejados. Não é para menos: o clima de euforia que “A Farra do Circo” transmite consegue atingir até mesmo às novas gerações, que desconhecem a trajetória desse espaço multicultural. É impossível não sentir inveja daquelas pessoas que eram felizes à sua maneira e – o melhor de tudo! – tinham com quem compartilhar essa alegria em um grupo que parecia aumentar a cada fim-de-semana.
HT aproveitou o clima de emoção e deu uma circulada pelo evento, procurando extrair do público algumas impressões. Ao perguntar para Chacal, poeta e figura primordial daquela época (e de todas), eleito por Perfeito como “o melhor coadjuvante do documentário”, ‘o que ele mais sente falta daquela época’, a resposta vem a jato: “A maconha que você acabou de fumar”. Depois de descobrir que não houve consumo de nenhuma erva além do tabaco por parte do repórter, ele brinca, pede desculpas sinceras e diz que é difícil comparar duas épocas tão diferentes: “Hoje parece que a juventude é mais teleguiada, há uma pressão maior por parte da sociedade. Antigamente o nosso negócio era experimentar coisas novas, ver o que acontecia. Hoje não há mais tanto disso”. Ele ainda comenta que o Circo também mudou drasticamente de lá para cá, já que agora está “pensando mais no mercado”.
Essa parece ser a opinião geral de quem circulou pelos dois mundos. Fausto Fawcett, ícone do underground carioca na década de 1980 e mentor de Kátias Flávias, louras tenebrosas e Godivas do Irajá , faz eco aos comentários de Chacal: “No geral, são dois períodos distintos. A diferença primordial é que a gente não queria dinheiro com aquilo que fazia e hoje já é tudo mais estruturado. Até os anos 1980, havia um certo tipo de curiosidade com as experiências, uma tolerância maior com o que aquilo poderia proporcionar para as pessoas. Agora, as coisas são mais marcadas comercialmente, há menos ideologia. O Rock in Rio, por exemplo, começou naquela época como algo mais descontraído e acabou se profissionalizando e virando uma empresa gigante. O mesmo aconteceu com os membros do Circo: todos evoluíram nas suas propostas de atuação e conseguiram ‘gerar demanda’, por assim dizer”.
A atriz, roteirista e apresentadora Patrycia Travassos, outra que pertenceu à formação do “Asdrúbal Trouxe o Trombone” e que, antes da exibição, subiu ao palco ao lado de Perfeito, também comenta sobre essa “formalização” do Circo Voador: “O Circo de antes e o de hoje são completamente diferentes. Hoje existe uma instituição e antes era mais uma espécie de movimento: tinha creche, samba, aula de teatro… aquilo era um point, era o mesmo que ir à praia hoje em dia. As pessoas entravam e descobriam um potencial artístico e criativo que existia dentro delas. Acho que o que mais se assemelha ao Circo de antigamente é a Fundição”.
“Eu não tenho nada a ver com o Circo de hoje, eu sou da Fundição. O plano original sempre foi transferir o Circo para cá e até onde eu sei ele se transformou em uma casa de espetáculo”, declarou Perfeito Fortuna. Sobre o filme no qual ele aparece constantemente, sempre rodeado de amigos e liderando as farras no espaço, Perfeito declara: “Eu quero que as pessoas vejam esse filme e conheçam o outro lado da história sobre a fundação do Circo Voador, um lado diferente do que a Rede Globo apresenta. Aquilo era um lugar onde predominava a criação. Eu quero que a juventude de hoje tenha esse reflexão sobre uma maneira de fazer as coisas fora do viés convencional. Esse filme é a minha vida”. Patricya, por sua vez, também acha que o filme deixa um recado para quem não participou daquela geração: “Eu acho que a mensagem é ‘não deixe a sua família, a sociedade ou as regras gerais te limitarem”. Pedro Bronz, o diretor, é outro que também reafirma tudo o aquilo que foi exposto no longa: “Eu gostaria que o filme ajudasse as pessoas a resgatar esse espírito do coletivo para somar forças e energias de uma forma mais potente”. E, realmente, “A Farra do Circo” oferece lições essenciais para uma geração que raramente se conecta além do mundinho online.
Fotos: Anastacia dos Santos | Divulgação
Trailer oficial de “A Farra do Circo”
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