Silvero Pereira faz única apresentação do show ‘Androginismo’, com Valéria Houston: “O Brasil é pais travestido de democracia e liberdade”


Desde que começou a se interessar a falar sobre gêneros,o ator observou que nas artes sua oratória poderia atingir a um número muito maior de pessoas. “A arte é um dos primeiros lugares de reflexo dos acontecimentos sociais”

Silvero Pereira nunca negou suas origens, sejam elas quais forem. Nascido em Mombaça, no interior do Ceará, o ator, produtor e diretor sempre teve a certeza de que a arte seria o seu grande antídoto contra uma sociedade preconceituosa e cheia de pedras no caminho. Não foi à toa que, apesar de ter sido criado em uma família humilde, nunca deixou que seus mais longínquos sonhos fossem adormecidos. Ainda bem! Ao longo de uma carreira voltada para o ativismo LGBT, o artista ganhou grande destaque na cena nacional ao dar luz à Gisele Almodóvar, personagem a quem costuma chamar de “meu alter ego”, sucesso absoluto no premiado espetáculo “BR-Trans”, montagem que reúne histórias reais de transexuais em um monólogo que tem dado o que falar. Agora, Silvero volta ao Rio de Janeiro com o show “Androginismo”, no qual transita por canções emblemáticas da nossa MPB, que retratam o universo gay, na companhia da cantora transexual Vanessa Houston. Em entrevista exclusiva ao HT, o artista adiantou o conceito do novo espetáculo.

Silvero Pereira como Gisele Almodóvar (Foto: Divulgação)

Silvero Pereira como Gisele Almodóvar (Foto: Divulgação)

“Eu entro no palco como Gisele Almodóvar, junto da Vanessa, que é uma cantora excepcional e mais dois músicos. O show tem cerca de 20 músicas que falam diretamente sobre esse universo trans e travesti. São canções que retratam diversas fases como a aceitação, o preconceito, o amor e a relação com o próximo. Durante o show nos apropriamos desses elementos, através das canções, como um discurso político e social”, adiantou ele. No espetáculo, músicas como ‘Androginismo’, que dá nome à produção, da banda Os Almôndegas, “Três Travestis”, de Caetano Veloso, “Geni e o Zeppelin”, de Chico Buarque, “Controversa”, de Adriana Vicente e uma versão pra lá de irreverente de um clássico internacional, compõe o repertório. “A Valéria tem uma extensão vocal muito boa, então em ‘Time of My Life’ fazemos uma brincadeira, onde ela faz a voz masculina e feminina. É uma delícia”, contou.

Valéria Houston (Foto: Divulgação)

Valéria Houston (Foto: Divulgação)

Silvero estreou no teatro aos 16 anos e de lá para cá tem colecionado peças que são um verdadeiro tapa na cara da sociedade, como o monólogo “Uma Flor de Dama”, em que atua e dirige o texto inspirado no conto “Dama  da Noite”, de Caio Fernando Abreu, “As Travestis”, momento em que Gisele Almodóvar é apresentada para o mundo, “Cabaré da Dama”, “Engenharia Erótica – Fábrica de Travestis” e o aclamadíssimo “BR-Trans”. No entanto, no novo show será a primeira vez que o ator se arriscará a cantar no palco. “A primeira vez que eu cantei uma música foi no BR, mas uma coisa muito discreta. E depois de conhecer a Valéria eu fui me interessando por essa arte. Eu venho experimentando a músicas aos pouquinhos, mas essa será minha primeira vez como cantor. Na minha vida, a música sempre entrou como dramaturgia”, disse ele, que, apesar da expectativa para soltar o  vozeirão no palco, já pensa em futuros projetos musicais. “Eu não sei se eu vou me tornar um cantor, mas a música é uma arte muito sedutora. O teatro é uma obra muito efêmera por ter a obrigação do contato com o ator, já a música, tem a possibilidade da gravação e cercar os sentimentos das pessoas por outros artifícios. De fato, tem me seduzido muito e acredito que talvez eu tenha projetos de gravar um CD ou um EP”, revelou.

Silvero Pereira (Foto: Divulgação)

Silvero Pereira (Foto: Divulgação)

Observando a biografia de Silvero, fica fácil perceber que o artista faz questão de levantar discussões para o universo trans em seus trabalhos. E não é à toa. Desde que começou a se interessar pelo tema, observou que nas artes sua oratória poderia atingir a um número muito maior de pessoas. “A arte é um dos primeiros lugares de reflexo dos acontecimentos sociais. Nós artistas temos o dever de causar, discutir e levantar debates sobre o preconceito, porque ele mata. A sociedade precisa entender que a humanidade clama por um lugar muito mais livre e que diga não à discriminação e a gente consiga olhar o outro para além do corpo. Não importa o que a pessoa veste, se ela vem da periferia ou da alta burguesia. Isso nunca formou caráter de ninguém”, pontuou ele, que ainda revelou suas inspirações.

Silvero, Valéria e banda para o show "Androginismo" (Foto: Divulgação)

Silvero, Valéria e banda para o show “Androginismo” (Foto: Divulgação)

“O que me motiva, na verdade, não é só falar sobre gêneros, mas sobre o ser humano. Talvez hoje o nicho da humanidade que mais sofre sejam as minorias. Acredito que elas precisam muito mais de voz e de vez. E por isso me sinto feliz em poder ser um porta-voz”, comemorou, explicando a importância de Gisele Almodóvar em sua trajetória. “Ela sempre existiu em mim, porque ela nasceu há 14 anos, quando fiz ‘Uma Flor de Dama’. Desde então ela vem me acompanhando e hoje a Gisele é o meu alter ego. Eu me sinto muito bem entre a minha identidade masculina e a feminina”, garantiu ele.

O ator no espetáculo "Cabaré da Dama" (Foto: Divulgação)

O ator no espetáculo “Cabaré da Dama” (Foto: Divulgação)

Apesar da luta travada entre as minorias e a ala mais conservadora, Silvero entende que os direitos da classe LGBT avançaram, mas não ainda não atendem suas necessidades. “O Brasil é pais travestido de democracia e de liberdade. Somos um país extremamente preconceituoso, homofóbico, machista e patriarcal. A gente finge que vive em uma democracia. Acho que os direitos evoluíram muito, mas ainda não atende. Hoje temos um lugar aceitável para os direitos LGBTs, mas ainda não há como garantir segurança e bem estar dessa comunidade”, destacou ele, mostrando sua insatisfação com a política nacional. “Se a gente tem dentro do conselho dos Direitos Humanos pessoas que são contra os direitos do outro, ele está interferindo no processo de evolução social”, comentou ele, referindo-se à posições um tanto quanto duvidosas dos deputados Marco Feliciano e Jair Bolsonaro.

Silvero na peça "BR-Trans" (Foto: Divulgação)

Silvero na peça “BR-Trans” (Foto: Divulgação)

Agora, voltando aos trabalhos do ator, ele garante que sua militância está muito longe de acabar. Além de seguir com o espetáculo “BR-Trans” e o show “Androginismo”, sua trupe ainda segue em excursão com duas peças pelo Brasil. “O grupo As Travestidas começa a circular com o espetáculo ‘Quem tem medo de Travesti?’, a partir de novembro e já no primeiro semestre do ano que vem estreia aqui no Rio de Janeiro a peça ‘Toda Travesti  Será Castigada’: um projeto que homenageia travestis importantes já falecidas da cena carioca”, completou. Terça-feira, dia 2 de agosto, acontece uma unica edição do show “Androginismo”, no Sesc Copacabana, no Rio.