*Por Domênica Soares
Se reinventar. Hoje e sempre. e o cantor Sérgio Rohmanelli faz questão de levar essa ideia em toda sua trajetória. Seu último lançamento, “Macho Discreto” é uma parceria com o rapper Raphael Warlock e coproduzido com Binho Maneti. A faixa chega com tudo e traz forte conceito sobre a liberdade de expressão e a visibilidade LGBTQI+ com um clipe transgressor que abre uma nova fase na carreira do artista. Segundo ele, a música é uma espécie de análise antropológica crua e direta do machismo fora e dentro do meio LGBTQI+, visto que, infelizmente ainda existe muito preconceito na sociedade “ Muita gente se esconde atrás dessa máscara de masculinidade ridícula e primitiva feita de pose, atitudes, gestos, palavras e exclusão para com tudo e todos que remetem ao feminino. O grande problema de nossa sociedade é as pessoas não saberem lidar com o feminino (o próprio e o dos outros), com a liberdade alheia, e aí inventam máscaras ridículas em que ficam presos e infelizes. Disso fala essa música que escrevi com a colaboração do rapper negro e gay Raphael Warlock e que foi produzida por Binho Manenti. O clipe foi uma consequência, eu fiz o roteiro, como sempre faço, e montei toda a estética e concepção dele com meu figurinista Ricardo Salgo. Chamei os diretores da Vinil Filmes, Loli Menezes e Marko Martins e num dia intenso gravamos esse processo de metamorfose: a iniciação ao masculino e ao feminino para se chegar à síntese perfeita, o ser andrógino que tatuei nas minhas costas e que guarda em si as duas naturezas. Espero realmente que todo mundo consiga conciliar a aceitar essas duas naturezas que cada um de nós tem”.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, o artista italiano radicado no Brasil há duas décadas comenta sobre o que busca transmitir ao público com suas produções e disserta que primeiro tenta cumprir uma obrigação com ele mesmo, ou seja, realiza fatos artísticos que traduzam sua percepção da realidade de forma totalmente independente, exatamente do jeito que idealiza sem se preocupar muito com o consenso e modas. Além disso, explica que tem o objetivo de realizar sua verdade e visão das coisas, compartilhando as mesmas com as pessoas, com a intenção de despertar, ajudar e emocionar o público. Na sua vivência plural, ele já passou por um casamento hétero até assumir a homossexualidade.
Sobre a questão LGBTQI+, ele disserta que, em sua opinião, o brasileiro vive em um momento muito contraditório, assim como o resto do mundo. Segundo Sérgio Rohmanelli há por um lado, uma grande justa visibilidade das pessoas e artistas LGBTQI+, talvez como nunca aconteceu, mas exatamente por causa disso, existe uma reação muito forte e violenta que quer levar de volta a diversidade para a sombra. “No Brasil estamos vivendo isso de forma muito extrema. Temos, caso único no mundo, uma quantidade incrível de artistas LGBTQI+ que estão tomando conta da cena musical e artística em geral, dentro e fora do Brasil: Liniker, Pabllo Vittar, Linn da Quabrada, Rico Dalasam, Thiago Pethit, Jhonny Hooker, Sao Yantó, Teto Preto e muitos outros; e, por outro lado, uma tentativa de censura dessa onda criativa incrível… então oscilamos entre evolução e involução o tempo inteiro”
O artista explica sobre sua percepção em outros mercados relacionados à música e receptividade com artistas LGBTQI+. Sérgio já morou na Itália, indo depois para a Bahia, São Paulo, Bélgica e, atualmente, reside em Florianópolis, Santa Catarina. O cantor explicita que são mercados e contextos muito diferentes e com isso é mais complicado de sintetizar, mas frisa que a música mainstream está igual em todos os lugares e que existem um ou dois gêneros musicais que tomam conta de tudo e que não oferecem produtos muito originais. Um deles é o gênero indie, que está presente de forma muito forte, sobretudo no Brasil, visto que, de acordo com sua opinião estamos em um momento mais intenso criativamente falando. Esse tipo de música, nas últimas décadas, está viva e pulsante, com uma vanguarda engajada e isso o anima muito. “Há uma proliferação de artistas e festivais que mantêm a qualidade muito alta e as plataformas digitais ajudam muito nessa proliferação. O mercado italiano e europeu em geral acho muito conservador, tanto musicalmente quanto – e sobretudo – em relação aos artistas LGBTQI+. Pouquíssimos fazem coming out e pouco aparecem na mídia. Nisso, o Brasil é muito mais pra frente”
Mostrando toda essa ideologia de renovação e dedicação, o artista ainda se divide entre o mundo acadêmico. Professor de língua, literatura italiana e pesquisador, ele conta que é um pouco difícil conciliar as duas carreiras, porque ambas exigem muito dele. Na universidade, além de dar aula, coordena também grupos de pesquisa, além de cargos administrativos e então as tarefas têm grande demanda. No mundo da música, isso não é diferente, Sérgio tem ensaios, produção e gravação das músicas, shows, entrevistas, sessão de fotos, aulas de dança e de canto, além de outras mais. Contudo, ele conta, que com o passar do tempo conseguiu alcançar equilíbrio, que na verdade, hoje em dia, cada uma dessas profissões acaba equilibrando a outra visto que quando se esgota interesse por uma, ele se entrega a outra e esquece alguns problemas passado. Em resumo, ele explica que entrar e sair em cada um desses dois papéis, professor e artista, é bastante natural e não causa estranhamento. Ele conta ainda que o interesse pelas artes em geral sempre esteve aflorado no seu interior desde quando era criança “Sempre estava envolvido na criação de algo: pintura, músicas, figurinos, dança, histórias. Nesse sentido, sempre fui artista. Claramente, em seguida, essa inclinação se tornou estudo, aprendi teoria musical, teclado, flauta, canto, atuação, dança, mas por vários motivos não pude continuar e aí o foco passou para os estudos e para a carreira acadêmica. Abandonei os estudos artísticos (mas continuei fazendo por mim só) e mergulhei na erudição, no estudo das línguas, me formei em Letras em Milão, depois fiz mestrado e doutorado em Linguística na Bahia e pós-doutorado em antropologia da tradução na Bélgica. Quando estava na Bélgica, por acaso, surgiu a possibilidade de me reconectar com as artes de forma profissional, montei uma banda de rock alternativo, o Vita Balera, e logo em seguida comecei compor as músicas de meu primeiro álbum, “Anomalous”. E aqui estou”.
Ele adianta que muitas novidades estão por vir em sua trajetória, e adianta o lançamento do novo álbum, Brazilejru, um disco todo em português com a participação de muitos artistas brasileiros que admira. Além disso, está levando sua tour pelo Brasil e espera atingir o cenário de fora também. “Vai sair um EP ao vivo e outro de música house com o produtor italiano Alex Contri e além disso vou estrear novo show de músicas italianas clássicas. Enfim, tem para todos os gostos”. O cantor busca sempre se reiventar e declara que em sua opinião essa postura é fundamental e vital “Estou em constante metamorfose, evolução, para mim o sentido da vida é esse. Vim aqui para aprender, criar, evoluir e compartilhar isso com os outros, não vejo outra possibilidade. Tudo o que não serve para isso, não me interessa. Sou livre, persistente e vaidoso e tenho um grande sonho: atuar em um filme do Tim Burton”.
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