*por Luísa Giraldo
Não satisfeita com os projetos com representatividade de romances sáficos brasileiros, a artista Sarah Abdala se propôs a criar o seu próprio. Ao lado da esposa, a produtora de comunicação visual Tai Fonseca, a cantora idealizou uma narrativa audiovisual romântica para ilustrar as canções de seu álbum “Ainda Vou Fazer Uma Canção de Amor”, com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. O single “Ar”, disponibilizado no YouTube, dá início ao apaixonante enlace feminino das personagens Sofia e Nat. Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Sarah reflete sobre as narrativas musicais da atualidade, a falta de histórias de amor representativas entre mulheres e a sensibilidade em relações afetuosas deste tipo.
A cantora e autora goiana explica que cada um dos clipes do disco narra a trajetória amorosa entre Sofia e Nat, interpretadas pelas atrizes Samantha Jones e Manu Morelli respectivamente. Ela descreve que o casal se conhece de forma inusitada e que, aos poucos, explora as possibilidades e potências de um encontro amoroso entre duas mulheres. Entre as etapas românticas presentes no álbum estão: a paixão, a contemplação, o desamor e o reencontro.
“Não sei se foi de forma intuitiva ou pela minha vivência como mulher LGBTQIA+, decidi que a gente tinha que contar uma história. Hoje, além da parte da comunicação geral, sinto que fazer música não basta, ainda mais no meu caso, como uma artista nova à procura de audiência. Então, além de pedir para as pessoas escutarem a minha música, parece que tenho que entregar sempre mais da minha vida de alguma maneira, porque é a forma na qual as pessoas consomem [as músicas]”, desabafa.
Em relação à alta exposição da vida dos artistas, sobretudo de profissionais que estão estreando no ramo, Sarah avalia que “gostaria muito de ficar fazendo apenas música” e se “dedicar à arte criativa o tempo todo”. No entanto, a compositora entende que, desde o início da internet e das plataformas digitais e a influência delas para o mercado da música, o seu “ofício já não é mais dessa maneira”.
A artista aproveita a oportunidade para avaliar as representações sáficas. “Quando decidi fazer o clipe, percebi que havia uma questão intuitiva pela falta de representatividade que eu sentia como mulher bissexual. Hoje, sou casada com Tai, e penso que as histórias, quando contadas, abordam apenas o lado sexual. A gente tem que ficar mendigando por representatividade. Por isso, queria contar uma história de amor em um lugar de fácil acesso, em que o amor fosse representado de forma que todas as pessoas pudessem identificá-lo”, avalia.
Entendo que essa pauta é muito invisível. Quando nós temos alguma representatividade, recebemos apenas migalhas, nas quais a gente lutou para conquistar – Sarah Abdala
Segundo a compositora, a ideia da narrativa era propor uma identificação geral do público com o romance de Sofia e Nat. Em consonância, Sarah tinha o desejo de “contar essa história de amor entre duas mulher” e despertar “o sentimento universal na música que amarra muito as narrativas amorosas brasileiras”: o amor.
“A gente deve falar sobre a representatividade porque essa é a nossa verdade. E a pauta do disco é a nossa história. Cansei de termos tanta representatividade do amor heteronormativo. Também vejo que os grandes artistas do pop brasileiro quando fazem [algum trabalho com o tema] e são os grandes representantes da comunidade, sinto que eles não estão 100% na luta. Tem uma questão de dinheiro e de publicidade”.
Em contrapartida, a compositora ressalta que não queria ficar em um lugar isolado, que parecesse ser apenas dela. Com o desejo de trocar com o público, ela construiu uma história de amor que provocasse o diálogo e a comunicação com os ouvintes.
Ao mostrar carinho pelo projeto, Sarah Abdala descreve que o repertório musical já estava pronto. As músicas inspiraram, então, a trajetória das personagens e, para ela, foram pensados os diversos momentos de um relacionamento amoroso.
“Em cada repertório, escrevi o mote de cada uma das canções e o que desejava falar na música. Em uma delas, falo sobre o amor platônico, em outra de uma briga e, até mesmo, de um rompimento. Quando percebemos, tínhamos essa narrativa e precisávamos desse encontro, em que elas se apaixonam e vivem a frenesia da paixão”.
Linguagem poética nas músicas
A goiana relembra da carga poética empregada nos últimos trabalhos, sobretudo no disco “Oeste”, de 2017. Sarah admite que “não queria demonstrar ou que gostaria esconder com uma questão de um processo criativo de experimentação” dela, apesar de reconhecer a presença da sensibilidade nas suas letras.
A mudança de carreira, de posicionamento e de tudo fez com que amadurecesse a sensibilidade nos meus outros discos. Acho que tenho muito um processo meu, como produtora e como me descobrindo musicista, além de compositora. Quero experimentar outras coisas. Quero fazer outras coisas — Sarah Abdala
Ao analisar os projetos anteriores, a artista entendeu finalmente que precisava se dedicar a um trabalho sobre o amor romântico. Para dar o pontapé, Sarah abraçou a ideia da sensibilidade e permitiu que ela assumisse o primeiro plano nas canções. Ao longo da entrevista, a artista deu a entender que o processo de aceitação da faceta emocional foi libertador.
“Ao deixar a poética e a lírica mais aparentes, não tive [mais o] medo de escrever canções de amor. Nos outros álbuns, tinha o receio de parecer piegas, brega ou popular demais, no sentido de não querer que a música fosse simples. Mas [entendi que] ela fala de amor e está tudo bem. É uma maturidade minha encarar essas canções de amor e entender que elas são assim porque eu sou assim e é, por isso, que essas canções falam sobre o amor entre duas mulheres. Não preciso mais me esconder na produção musical”.
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