*Com Bell Magalhães
Sandra de Sá está com mil e um projetos no colo. Após a estreia do novo canal do YouTube, a cantora divulgou o vídeo da música ‘Olhos Cor de Canela’, gravado ao vivo no show ‘Baile da de Sá’, realizado em 2019. Fora a aparição nas redes em lives para matar a saudade do público, ela também estava envolvida com as filmagens de ‘Barraco de Família’, longa de Mauricio Eça, no qual ela integra o elenco contracenando com feras, como a protagonista, Cacau Protásio e mais Nany People, Jennifer Nascimento, Lellê, Eduardo Silva, entre outros nomes. Durante a filmagem, a artista se dividiu entre Rio de Janeiro e São Paulo, onde, no fim de semana, foram filmados os últimos takes. Sandra diz que foi uma ‘correria deliciosa’: “Equipe e elenco conviveram tal qual uma família. O astral estava muito gostoso e não foi aquela sensação penosa e arrastada. Eu acordava às 4h com muito prazer”, afirma.
Na trama, a cantora vive Zuleica, mãe de Cleide (Cacau Protásio) e avó de Kellen (Lellê). Sandra diz que a personagem vai proporcionar uma grande identificação do público. “Zuleica é aquela avó que cuida da família e que a grande prioridade é o bem-estar de todos da casa. Ela é justa e amorosa”. Além do filme, a cantora agora é dona do The Sá Música, selo e produtora de novos talentos. Sobre o nome escolhido para o projeto, a artista comenta a brincadeira: “Com esse monte de timeline, checklist, não sei mais o quê, eu escolhi esse nome de ‘sacanagem’ mesmo”, revela, acrescentando como tem sido a rotina de gravações em meio à pandemia: “Estou produzindo de casa. Os músicos mandam as gravações com os instrumentos para o nosso técnico do estúdio e vamos juntando o material. Cada um grava de casa. Só irá ao estúdio quem colocará a voz. Tudo seguindo os protocolos de segurança e sem aglomeração. Estamos descobrindo possibilidades incríveis com o projeto”, diz, animada.
Em casa, Sandra conta com o apoio da esposa, Simone Malafaia, que também é cantora e compositora, e as duas seguem produzindo muito e o mergulho no universo virtual tem proporcionado um melhor tempo de trabalho. “Simone e eu estamos fazendo os nossos clipes aqui de casa mesmo. As reuniões virtuais e essa migração para o online mostraram que podemos otimizar muito o nosso tempo. E as reuniões pela internet continuam altamente produtivas. Muitas vezes chegamos a compromisso estressados por conta do trânsito ou outras questões e, agora, em casa, a cabeça está mais leve e você fica mais tranquilo. Mesmo que tenha várias reuniões por dia, você se estressa bem menos do que em uma reunião presencial”, avalia.
Segundo a cantora, o termo ‘adaptação’ não é o melhor a ser usado com a adoção do virtual. Para ela, encontramos outras formas de nos socializarmos: “Na minha visão, a palavra ‘adaptar’ vem com um sentido de que estamos ‘forçando a barra’ para algo acontecer, enquanto ‘perceber’ é totalmente diferente. Acho que não precisamos nos adaptar simplesmente. É mais natural, um processo. Não estou dizendo que a pandemia e o que estamos vivendo é natural, mas as mudanças nas formas de nos relacionarmos com outras está seguindo um curso do que é mais prático”. Sandra diz que esse é um momento no qual “estamos nos desapegando do que não faz mais sentido, reforçando a conexão com nós mesmos e percebendo o quanto precisamos das pessoas. Como faz falta um abraço ou uma palavra de alguém que, às vezes, nem imaginávamos que iríamos sentir falta. Dessa forma, começamos a nos ver de formas que nunca havíamos percebido antes”.
Os ‘haters’ e a cultura
Em uma era onde a pressão das redes sociais está cada vez mais presente e que cada passo em falso é notado por milhões, ser alvo de julgamento nas redes sociais é uma realidade que está perto de todos, principalmente das figuras públicas. Sandra diz que os haters “são pessoas que estão em outro nível de evolução e que têm medo. Devem sofrer muito. Quando você cria uma regra para o outro do que deve ser feito, é porque tem medo de fazer o que quer. Temos que ser de verdade, de acordo com os nossos sentimentos. Dá para perceber a diferença de quando uma pessoa está falando algo por estar apenas seguindo alguém e quando ela está falando do coração, com os próprios sentimentos. Com a internet, as pessoas podem fingir que são outras, falar mentiras ou ditar regras na vida de outros sem saber nem da própria vida. É uma hipocrisia total”.
A cantora conta que durante uma live da ‘Cultura das Estações‘, realizada no Caminho Niemeyer, em Niterói, no dia 22 de maio, recebeu um ataque em sua própria conta do Instagram. Na ocasião, Sandra fez um show ao lado das cantoras Elba Ramalho e Preta Gil. Apesar de não ser algo que faça com frequência, a artista respondeu o comentário e deixou claro a importância da arte na vida de quem trabalha e a aprecia: “A maioria dessa gente que vem até mim, eu nem respondo. Prefiro falar com alguém que vai levar alguma da conversa, e não gastar a minha energia para falar com alguém assim. Nessa ocasião, respondi ‘sim, eu faço lives, mas são várias pessoas envolvidas além de mim’. Nós proporcionamos empregos para várias pessoas e precisamos dar algo de bom para alguém que está precisando em casa”, disse, no que acrescenta: “A nossa missão enquanto artistas é essa. O artista é um ‘segurador de onda’. Quem disse que estamos ali, felizes, alegres e contentes, sem nos importarmos com nada? Muito pelo contrário. Se estamos no meio desse ‘furdunço’ todo, é porque queremos muito estar juntos. Queremos ver as pessoas com as ‘baterias recarregadas’ para poder aguentar o que vem pela frente. Os meus shows são assim: diversão e reflexão”.
Quarenta anos de puro suingue dedicado à música
Desde 1980, Sandra de Sá sempre ressignificou o cenário musical com a sua visão futurista sobre os caminhos do som e dos ritmos brasileiros. A paixão da cantora por sua obra tem a mesma intensidade lá do comecinho da carreira. “As pessoas me perguntam ‘qual é a música que você não aguenta mais cantar?’ E, sinceramente? Nenhuma. Gosto de tudo o que fiz e cantei, porque tinha algum propósito. Tem músicas que eu realmente canto há 41 anos em todos os shows e estou aí”, vibra. Nos anos 90, Sandra criou a expressão “Música Preta Brasileira”, em sinergia com a sigla MPB – Música Popular Brasileira, algo que não foi muito bem visto por músicos e ouvintes mais conservadores. Hoje, com a alta potência da cultura afrocentrada, o termo é usado por músicos para classificar o tipo de som que criam, o que é a maior recompensa para a cantora: “Fico muito feliz, porque tem vários artistas que lançam trabalhos ditos como ‘Música Preta Brasileira’, algo que, quando eu falei lá atrás, ninguém entendia direito. Muitos diziam que era racista, preconceituoso e outros adjetivos que não faziam sentido algum e só para discordar de algo que não entendiam. Esse sentido de música preta brasileira é a nossa alma e nossos sentimentos. Hoje tem até festival de Música Preta Brasileira e é incrível”.
Como a Música Preta Brasileira, o suingue é algo que, para Sandra significa um patrimônio da nossa brasilidade: “Nosso suingue, nosso batuque são incríveis e ainda temos o auxílio luxuoso dos povos indígenas. O nosso som é a união dos povos indígenas com o nosso povo preto, o que traduzo como suingue. O nosso rock, funk, até o tango brasileiro são melhores por conta desse nosso ritmo. Até os gringos colocam percussão em grupo de rock. A gente ‘suinga’ até andando, sem querer!”. Porém, Sandra lamenta que a cultura nacional esteja passando por um período difícil e diz que a responsabilidade respinga para o lado dos próprios artistas: “A culpa é da gente também. Temos que firmar mais o nosso ponto vista. Nós, artistas, temos que parar de correr atrás e chegar juntos de verdade. Somos os grandes extraterrestres desse universo. Nossa cultura é única”.
A cantora analisa que a maior virtude da vida é sempre caminhar ao lado da verdade. E faz referência à música ‘Olhos da Cor de Canela’, faixa que faz parte do “Baile da de Sá“, um encontro que marcou um grande sonho de Sandra: gravar um DVD nas suas raízes, Zona Norte do Rio, com parceiros e pessoas com a alma e o som. “Legais são aquelas pessoas cheias de asas’. As ‘asas’ representam a nossa consciência livre, voando. Sou uma pessoa cheia de asas. Independente da alegria ou da tristeza, sou feliz e durmo tranquila, porque uso sempre a verdade. Posso falar, mas não preciso andar olhando para trás, inventando palavras, porque estou segura quanto ao que falo. Não invento desculpas. Eu sou eu”. Sobre a autenticidade, sempre, afirma: “Não é porque quero ser a melhor do mundo, mas porque mentir dá trabalho. Você tem que revisitar tudo o que fala para não cair na armadilha que a mentira cria. As pessoas deveriam gastar mais energia sendo felizes do que mentindo por aí”, aconselha.
De fato é a verdade e transparência que tornam Sandra de Sá uma pessoa encantadora. Se você fosse definir a sua jornada em uma palavra, qual seria? “Evolução. Sou muito feliz comigo, com o meu caminho e com quem me tornei. Eu me amo e me acho incrível. Tenho um filho, Jorge de Sá, uma mulher e tenho famílias incríveis. A família de sangue e as famílias que eu fiz ao longo de toda a minha vida”, conclui.
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