Rosana volta como uma deusa e lança “Wonder Woman”, faixa politizada, anti-misoginia e anti-transfobia do novo álbum


Mais feminina, feminista, empoderada e inclusiva do que nunca, Rosana lança o terceiro single autoral pelo selo Lab344 – na sequência de “Eu Bem que Te Avisei”  (Sergiopí e Bombom) e “Feitiço” (também feito sob medida para ela por Leoni e Cris Braun). “Wonder Woman” é o terceiro single de seu novo álbum de inéditas a ser disponibilizado nos streamings antes do lançamento oficial do trabalho completo, em outubro.

*Por Allex Colontonio

Se você acha que ela fica em casa sentada num recamier enquanto alguém lhe serve uvas na boca, está enganadíssimo. Existem muito mais coisas entre o Olimpo e a Terra do que poderia supor a nossa vã filosofia. O lado B da “deusa” Rosana, aquele que poucas pessoas conhecem, está na ralação diária que opera nos bastidores da indústria, em seu próprio estúdio, desde projetos de outros artistas, jingles de publicidade até jobs-musicais especiais para programas de televisão, rádio, streamings e afins, via Rosa dos Ventos Produções, sua empresa.

Multi-instrumentista, arranjadora e produtora de mão cheia (“se me trancarem no estúdio não vou reclamar”), talvez “low profile” demais para uma artista de sua envergadura, Rosana está muito mais concentrada em seus dois empregos do que naquilo que comentam sobre ela por aí.

“Ser artista mulher nesse país, por si só, já traz muitas dificuldades. Muitas vezes temos que aguentar julgamentos, humilhações e injustiças. Coisas que não acontecem no cenário masculino. Essa é a pior parte. O lado bom é o carinho que a gente recebe dos fãs. É a força que nos dá ânimo para seguirmos em frente. É quando a gente sente que todo o sacrifício valeu a pena”, diz Rosana, sem qualquer tom nostálgico. “É preciso estar atento e forte, como cantava a imortal Gal Costa. E olhar para frente, né?”.

Rosana parece muito mais “perto das lendas e longe do fim”, como canta num dos versos mais famosos da história do pop no país, “O amor e o Poder”, que ficou 36 semanas em primeiro lugar nas paradas, rendendo-lhe a alcunha de “deusa” – a trilha embalou uma Vera Fischer em seu auge, quando protagonizou Jocasta na novela “Mandala”.

Doze álbuns, muitos hits, alguns anos e milhares de looks depois, atualizada, reconfigurada, moderna, na ativa e com os pulmões a pleno vapor para projetar uma das vozes mais extravagantes da MPB, a cantora predileta de nomes como Tim Maia, Emílio Santiago e Ângela Maria, e que arrancou elogios inflamados de gente como Roberto Carlos e Caetano Veloso (em seu livro “Verdade Tropical”, Cia das Letras, 1988, o compositor baiano escreveu: “Rosana é uma das maiores cantoras brasileiras, capaz de superar uma Elis Regina), lança o terceiro single autoral pelo selo Lab344 – na sequência de “Eu Bem que Te Avisei”  (Sergiopí e Bombom) e “Feitiço” (também feito sob medida para ela por Leoni e Cris Braun). “Wonder Woman” traz a força do soul que corre nas veias dela – ouça aí e diga se dá para comparar com qualquer outra coisa vigente no mercado brasileiro.

Rosana emplacou mais de 20 músicas de novelas só na Rede Globo (Foto: Divulgação)

Madura, platinada e bem cuidada, com cintura à mostra (a idade ela não revela), ela dispara num dos versos do novo trabalho:

Ser Wonder Woman todo santo dia/Juro que é difícil demais/ Pode crer que uma super-heroína/ Não tem um segundo de paz – Rosana

Aliás, feminismo e discriminação de gênero são alguns dos temas abordados por uma contemporânea Rosana, que encomendou a nomes como Zeca Baleiro, Hildon, Jorge Vercilo e Gabriel Moura, letras anti-misógenas, anti-homofóbicas e anti-racistas, e traz a participação especialíssima de seu filho, o rapper Fiengo (sobrenome de Davi, que divide os vocais com ela no primeiro single).

Para muito além dos vocais poderosos, em outro verso de “Wonder Woman” (composta por Cris Delanno, Alex Moreira e Gabriel Moura, com produção de Sergiopí e Hiroshi Mizutani), por exemplo, ela não desafina na hora de botar a boca no trombone:

Todas as mulheres, todo tom de pele/ Trans, gays ou cis/ Todas elas sofrem, cada uma delas/ Quer ser independente e feliz (…)

Não é incorreto dizer que essa paulistana do Brás foi um dos maiores fenômenos de execução radiofônica e televisiva na transição dos anos 80 para os 90 e até os 2000 (era pré-internet, sem compras de likes ou seguidores). “Eram tempos de trabalho pesado, orgânico, sem fake news (risos). Eu acordava às 4h, porque às 6h tinha que fazer divulgação nas rádios de todo o país, cantar ‘Nem um Toque’ ao vivo do Oiapoque ao Chuí, fazer todos os programas de televisão, regionais e nacionais. Quando veio a carreira internacional, foi a mesma coisa”, lembra a intérprete que quase 30 anos atrás já estava flertando com a digitalização ao gravar um álbum inteiro com Ronnie Foster (produtor de nomes como Whitney Houston e Stevie Wonder) em Los Angeles.

Rosana volta como uma deusa e lança “Wonder Woman”, faixa politizada, anti-misoginia e anti-transfobia do novo álbum

Rosana_na revista POP-SE_(Foto: Victor Affaro)

Fã de Janis Joplin, Tina Turner, Gladys Knight e Aretha Franklin, com técnica e vozeirão de diva americana, a artista emplacou mais de 20 temas de novelas só na Rede Globo, vendeu mais de 5 milhões de cópias, influenciou toda uma geração de garotas que cortavam os cabelos em franjinha como os dela e mimetizavam seus looks até ela ter que abrir a própria grife. Ganhou discos de ouro no México e em Portugal e tem dúzias de músicas na boca do povo. Mas o tempo verbal “foi” vende uma ideia equivocada de algo que já passou.

Por falar em felicidade, ela encontrou a dela do outro lado do Atlântico. Pergunto sobre o amor secreto na Europa (Rosana vai à Suiça religiosamente todos os anos). “Estamos bem, administrando o tempo e a distância. Às vezes ele vem, às vezes eu vou.”