Rosana: “O ser humano deve lavar e desinfetar o coração da maldade, do julgamento, da hipocrisia e do preconceito”


Como uma deusa, a cantora lançou o single ‘Eu Bem Que Te Avisei’ feat com seu filho, o rapper Fiengo, e alerta sobre o machismo e a violência contra a mulher justamente no ano em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos. “Este single é um libelo contra o machismo. Um problema social em todo mundo, no qual mulheres são espancadas, assassinadas, humilhadas verbalmente. O feminicídio cresce muito. Aqui no Brasil, difamar, caluniar cometer violência contra uma mulher é crime também pela Lei Maria da Penha (sancionada há 15 anos). A agressividade do gênero oposto está nas relações sociais estruturais, assim como dentro de lares, com ou sem pandemia. A mulher continua lutando por seus direitos, nem sempre a elas concedidos, infelizmente”, pontua

Rosana: “O ser humano deve lavar e desinfetar o coração da maldade, do julgamento, da hipocrisia e do preconceito”
Como uma deusa, Rosana lança música contra o machismo (Foto: Henrique Alqualo)

Como uma deusa, Rosana lança música contra o machismo (Foto: Henrique Alqualo)

* Por Carlos Lima Costa

A canção ‘O Amor e o Poder’, conhecida pelo refrão “como uma deusa”, é daquelas que não saem da memória afetiva de muitos brasileiros. Intérprete do hit, que fez parte da trilha sonora da novela ‘Mandala’, em 1988, a deusa Rosana, ícone dos anos 80 e 90, está de volta, após um hiato de gravações de álbuns. Ela acaba de lançar Eu Bem Que Te Avisei’ feat. com o filho, o rapper Fiengo, alerta para um tema extremamente sério que está fincado nas entranhas da sociedade: o machismo. Esta é a primeira vez que a cantora grava com o filho, de 23 anos, e a música começa com “Pare agora/ Não diga que eu não te avisei/ Nesse filme sou a deusa/ Que você nunca vai ter”. O trabalho vai integrar o EP de inéditas a ser lançado ainda este ano.

“Este single é um libelo contra o machismo. Um problema social em todo mundo, no qual mulheres são espancadas, assassinadas, humilhadas verbalmente. O feminicídio cresce muito. Aqui no Brasil, difamar, caluniar cometer violência contra uma mulher é crime também pela Lei Maria da Penha (sancionada há 15 anos). A agressividade do gênero oposto está nas relações sociais estruturais, assim como dentro de lares, com ou sem pandemia. As mulheres continuam lutando por seus direitos, nem sempre a elas concedidos, infelizmente”, pontua Rosana.

No ano em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos, Rosana lança música com o objetivo de alertar sobre casos de assédio (Foto: Henrique Alqualo)

No ano em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos, Rosana lança música com o objetivo de alertar sobre casos de assédio (Foto: Henrique Alqualo)

Gravar com o filho foi um ingrediente especial a mais para levar adiante este projeto. “O Davy adora rap, tem um trabalho próprio bem legal, é talentoso. Ele começou a escrever letras com 11, 12 anos. São de um conteúdo impressionantes. Tem pouco tempo que até começamos a compor juntos, é muito bom. Não é porque é meu filho não, mas ele arrebenta”, afirma Rosana.

Cantora, compositora e instrumentista, Rosana lançou o single ‘Eu Bem Que Te Avisei’ feat com o filho, o rapper Fiengo (Foto: Henrique Alqualo)

E prossegue: “Meu filho está trilhando um caminho profissional. Eu sempre dei conselhos para ele como artista e pessoa, procurei orientar da melhor forma. Mas, claro, que a escolha final é dele. A gente sabe disso. Na vida, temos que fazer aquilo que nos faz feliz. Mas Davy tem muito carisma desde pequenininho. Ele entrava nos meus shows, era muito engraçado e gostava. Não demonstro, mas morro de medo de plateia e ele não”, revela, rindo.

‘Eu Bem que Te Avisei’ vai estar no próximo disco de estúdio da cantora, idealizado pelo selo LAB 344. Com parcerias e inéditas de nomes como Zeca Baleiro, Cris Delanno, Kassin, Wado e Gabriel Moura, o trabalho está previsto para ser lançado no segundo semestre. “O foco do trabalho é bem objetivo: a força da luta contra a violência às mulheres”, diz.

Rosana volta então a abordar o single idealizado e produzido por Sergiopí, Bombom e Hiroshi Mizutani, lançado com um clipe em preto e branco, dirigido por Henrique Alqualo. “Trabalhar com músicos talentosos ajuda muito no resultado final. O Sergiopí é um visionário, superantenado em tudo que é relacionado ao mercado da música mundial. Me sinto honrada de estar entre seus artistas. E o Henrique é um super videomaker. A atmosfera no estúdio foi harmoniosa, criativa, o clipe (tem a participação do dançarino Neguebites, do Heavy Baile)  já está bombando, fazendo muito sucesso”, conta. Para Sergiopí, a cantora “entende tudo de música, talvez a mais completa de todas as cantoras. Uma guerreira, que teve que engolir muita coisa de uma indústria extremamente machista”.

E Rosana analisa a questão da mulher em meio à pandemia do novo coronavírus. “A vida da mulher sempre foi difícil. Ela é vulnerável, tem que provar muito mais sua capacidade. A pandemia também agravou bastante e está sendo terrível. Estamos vendo casos perigosos e mortais. O ser humano como um todo, além de lavar e desinfetar as mãos, deve lavar e desinfetar também o coração da maldade, do julgamento, da hipocrisia, do preconceito. No âmbito geral, estamos vendo as queimadas no Pantanal, a Amazônia, pulmão do mundo, ameaçada. A pandemia fez Nova York parar, Paris deixar de ser romântica e a Muralha da China não é fortaleza contra o vírus, fazendo uma metáfora. A pandemia nos fez ver que existe um poder maior que todas as mazelas humanas. O poder que manda em tudo, em todos nós: Deus”, observa.

Rosana toca praticamente todos os instrumentos (Foto: Henrique Alqualo)

Rosana toca praticamente todos os instrumentos (Foto: Henrique Alqualo)

Quando a pandemia começou, Rosana estava se preparando para retornar à Suíça. Desde 2016, ela passa seis meses no Brasil e a outra metade do ano na Europa. “Lá, tenho várias atividades, inclusive, como cantora e produtora também”, diz. O filho mora no Brasil, onde estuda, e vai ao encontro da mãe somente nas férias. Assim, por conta da quarentena, ela continua no Rio, desde então. Além de preparar o novo trabalho, a cantora fez um show online, em novembro. E já está alinhavando outro. “A gente não sabe até quando vai durar esse drama todo que estamos vivendo. No entanto, mesmo no pós-pandemia, pretendo continuar com uma forma híbrida de mostrar meu trabalho: shows online e no palco”, acrescenta.

Durante todos esses 11 meses de pandemia no Brasil, Rosana conta que o isolamento social “proporcionou a mim e ao meu filho fazermos muitas atividades juntos. Tem sido para mim também um período de reflexão. A gente acordou para muitas realidades difíceis. Então, hoje em dia, seleciono mais as amizades e o trabalho. Eu já não aceito muita coisa, porque a gente começa a perceber que a vida é extremamente frágil e precisamos olhar para nosso eu e saber selecionar. Mesmo com toda tecnologia, o ser humano se sentiu impotente muitas vezes. Graças a Deus, sempre fui muito na minha, me considero uma pessoa de bom sentimento”, reflete.

"O isolamento social durante a pandemia tem sido para mim também um período de reflexão. A gente acordou para muitas realidades difíceis" (Foto: Henrique Alquato)

“O isolamento social durante a pandemia tem sido para mim também um período de reflexão. A gente acordou para muitas realidades difíceis” (Foto: Henrique Alqualo)

Rosana fez história na música brasileira. O CD ‘Coração Selvagem’, que além de’ O Amor E o Poder’, apresentou ainda os sucessos ‘Custe o que Custar’ e ‘Nem um Toque’, vendeu cinco milhões de cópias. Na época, era presença frequente em programas como Globo de Ouro. Fenômeno popular, ela se tornou uma das recordistas em temas de novelas, com 21 canções incluídas”, lembra.

Sobre os anos 80 e 90, quando esteve no topo das paradas, Rosana conta que guardou lembranças difíceis e boas. “Ser artista mulher nesse país, por si só, já traz muitas dificuldades. Muitas vezes temos que aguentar julgamentos, humilhações e injustiças. Coisas que não acontecem no cenário masculino. Essa é a pior parte. A parte boa é o carinho que a gente recebe dos fãs. Nossa, sou muito grata aos fãs, ao carinho recebido. É o lado bom de ser artista quando você os encontra. Eles nos dão ânimo para ver que qualquer sacrifício vale a pena”, afirma. E se depender dela, logo eles a verão retomar com força sua atividade, divulgando bastante o novo trabalho.

"Ser artista mulher nesse país, por si só, já traz muitas dificuldades. Muitas vezes temos que aguentar julgamentos, humilhações e injustiças. Coisas que não acontecem no cenário masculino" (Foto: Henrique Alqualo)

“Ser artista mulher nesse país, por si só, já traz muitas dificuldades. Muitas vezes temos que aguentar julgamentos, humilhações e injustiças. Coisas que não acontecem no cenário masculino” (Foto: Henrique Alqualo)

Além da violência, as mulheres sofrem muito também com a ditadura dos corpos e da beleza. “Eu acho que os cuidados que as pessoas devem ter é mais na questão de saúde. Eu sempre prezei pela saúde. Precisa se gostar, aprender a conviver com você mesma. Mas tem que ver a pessoa como ser humano e não como gênero. Os direitos deveriam ser iguais para homens e mulheres. Essa coisa de julgamentos está meio fora de moda. Cada um tem o direito de estar como quer e acabou. Tendo saúde é o que importa. Você tem que ter o seu autojulgamento sem o outro opinar”, observa.

Mas em tempos de redes sociais, existem muitos julgamentos, que resultam nos cancelamentos na internet. “É uma bobagem muito grande. Para isso, as pessoas deixam de lado a própria vida e esses minutos fazem falta depois”, conclui.

Carta de amor a uma deusa

*Por Allex Colontonio, publisher da revista POP-SE

“Os harmônicos “quebra-taça”, muito mais arrepiantes do que os agudos da Mariah, me pegaram de jeito. A primeira vez que ouvi Rosana foi em 1987, quando “Nem um Toque”, seu primeiro sucesso, tocava lobotomicamente nas rádios. Tinha certeza que ela era negra. As FMs, Neandertal dos Influenciadores digitais na forma que conhecemos hoje, apresentaram àquele menino louco pelas divas americanas um vozeirão acachapante, que rapidamente se materializaria na morena sensual de curvas acentuadíssimas, figura mais onipresente da televisão na virada da década.

Dos clipes do Fantástico aos temas de novela, Rosana estava em todos os canais de TV, em todos jornais e revistas, nos pôsteres das lojas de discos e no visual das adolescentes de franjinha e jeans rasgados que queriam ser como ela (pense num fenômeno pop). Em seu especial de fim de ano, Roberto Carlos a apresentou como “o maior sucesso de 1987 e 1988”. Caetano Veloso escrevera em seu livro “Verdade Tropical” (1997, Cia das Letras), “Rosana é uma das melhores intérpretes do Brasil”. Tim Maia dizia que ela era a maior cantora nacional de todos os tempos e Roberto Menescal a comparou a Barbra Streisand – eu vou mais longe e penso em Aretha Franklin.

Ela já contava quatro hits nas paradas antes de superar a si própria e tatuar para sempre na memória coletiva “O Amor e o Poder”, canção-assinatura que até hoje está entre os hits mais populares do país. Viriam outros 10 álbuns, a carreira internacional, os covers de Janis Joplin, Tina Turner e Donna Summer, contêineres de prêmios e a inacreditável marca de 22 temas de novelas. Foi difícil furar o bloqueio entre tantos outros fãs histéricos e me aproximar do meu ídolo.

Quando aconteceu, depois de uns 200 shows na primeira fila e outras tantas macacagens de auditório na Hebe, no Faustão e no Globo de Ouro, jamais desgrudamos. Fui seu assessor de imprensa na minha gênese no jornalismo e mais tarde tive a honra de dirigí-la ao lado de outras grandes divas como Elza Soares e Baby do Brasil, com a Orquestra Jazz Sinfônica. Claro que sua própria natureza já é sobrenatural. Há nessa mulher bela e exótica (em versão platinada de uns bons anos pra cá) um sintetizador atravessado na garganta, uma extensão vocal inigualável, um lacre orgânico das notas mais graves às mais agudas. Também há a técnica de quem dedicou a vida inteira à música: ela toca praticamente todos os instrumentos e desenvolveu ouvido absoluto.

Mas a qualidade de intérprete talvez seja seu maior x-factor. Quando abre a boca podemos enxergar a dança das veias no pescoço, suas mãos tremendo no toar das ondas sonoras, a entrega visceral, a coreografia que se manifesta na derme, mesmo quando ela está sentada ao piano. Ainda hoje, na intimidade de uma amizade linda de quem se hospeda um na casa do outro, não consigo normatizar seu talento. Minha cantora predileta não deixou de me surpreender – e arrepiar – um dia sequer, desde aquele verão em 87″.