“O mundo inteiro é um palco”, já dizia a primeira fala da peça “As You Like It”, de Shakespeare, lá dos idos do século XVI. E quem é a gente para contrariar o bardo inglês, não é, mesmo? Pensando nisso, resolvemos trazer o teatro para dentro do site HT de forma ainda mais efetiva.
Além de entrevistas com atores, produtores, diretores e outros integrantes da ficha técnica dos espetáculos – desde os consagrados até os estreantes – que já fazemos regularmente, resolvemos aprofundar o olhar e convidar um crítico de teatro para dividir suas impressões das peças em cartaz com os nossos leitores.
O escolhido para ocupar o cargo por aqui foi Rodrigo Monteiro, do respeitado blog “Crítica Teatral”, que fica com a responsabilidade de analisar os espetáculos que são destaques no eixo Rio-SP em textos que vão ser publicados por aqui todas as quartas-feiras.
Antes de dividir a primeira resenha – que vocês vão poder ler no dia 29 – batemos um longo papo com Rodrigo que, além de crítico, é jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro), mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e dá seus primeiros passos, também como dramaturgo. Vem ler!
HT: Conta um pouco sobre a sua formação e como você se define profissionalmente.
RM: Eu sou professor, além de crítico de teatro. Cursei Letras, depois Cinema, com especialização em Roteiro e em Direção de Arte e, por último, fiz mestrado em Artes Cênicas com dissertação sobre análise de espetáculo teatral. Atualmente, eu dou aulas de língua portuguesa, estética, história da arte e teatro no Senai Cetiqt. Como crítico, publico análises dos espetáculos a que assisto regularmente desde setembro de 2008 nos blogs www.teatropoa.blogspot.com e www.teatrorj.blogspot.com. Fui jurado dos troféus Açorianos e Brasken em Cena, em Porto Alegre, e sou, desde 2012, jurado do Prêmio APTR aqui no Rio, cidade onde moro há três anos.
HT: Qual a sua primeira lembrança em relação ao teatro? Como isso vem à sua cabeça?
RM: No dia 7 agosto de 1994, eu vi uma matéria no jornal sobre os 10 anos de um espetáculo clássico do teatro gaúcho, “Bailei na Curva”. Eu já fazia teatro na escola e na igreja, mas nunca tinha entrado em teatro e assistido a uma peça profissional. Então, com muito custo, consegui permissão dos meus pais para ir para Porto Alegre sozinho conferir apresentação. A imagem do lustre do Theatro São Pedro se apagando antes da sessão começar e do público cantando em coro a canção “Horizontes”, no final, foram definitivas para eu saber onde é meu lugar nesse mundo.
HT: Para que serve uma crítica de teatro?
RM: Para sugerir uma avaliação pessoal de um espetáculo teatral. Críticas profissionais oferecem avaliações profissionais, comentários na rede social, mensagens via e-mail e bate-papos informais oferecem avaliações mais despretensiosas. Todas elas são válidas, todas elas têm o seu lugar no mundo de hoje. Com tanto acesso à palavra atualmente, a responsabilidade do ouvido é muito maior. E isso é bom.
HT: O que você pensa antes de começar a escrever uma crítica? Quais os primeiros pontos que analisa?
RM: Só a imagem mental fica depois que uma peça teatral termina. Antes de escrever uma crítica, tento colocar em palavras, rabiscando no papel, as lembranças que estão em mim do espetáculo visto. Depois, faço as pesquisas, penso em associações, leio pela primeira vez o release que a produção enviou e, às vezes, leio o texto da peça ou vejo o filme no qual a obra foi inspirada. Aí tento organizar a análise a partir do que é mais relevante, seja positiva ou negativamente.
HT: Como se forma um bom crítico de teatro?
RM: Com muito estudo e com muito repertório. De um lado, um crítico de teatro tem que conhecer teoria da linguagem principalmente cênica e história do teatro. De outro, é preciso assistir a muitas peças para dominar o modo como essa linguagem tem se atualizado. Por fim, é essencial conhecer as referências do mundo contemporâneo no qual boa parte das produções mais atuais tem se inspirado.
HT: O Paulo Betti já disse que acha ruim um crítico ir a uma estreia, quando a peça ainda não engrenou. O que acha disso? A peça não deveria estar pronta no dia da estreia?
RM: Em primeiro lugar, se a produção não quer que os críticos vão à estreia é só não convidá-los (e isso têm acontecido no Rio de Janeiro com relativa frequência, fazendo sessões para a classe dias depois da primeira apresentação aberta). Em segundo lugar, na minha opinião, se a peça está boa para o público, deve estar boa para o crítico, pois esse faz menos parte da classe teatral e muito mais parte da plateia. A palavra “pronta” não é boa. Se o teatro é vivo, uma peça pode e deve ser modificada ao longo de suas temporadas. Acho triste quando uma peça é ruim e continua ruim não por decisão estética dos realizadores, mas por preguiça deles de a alterarem. E a opinião profissional deveria ter tudo a ver com possíveis alterações no espetáculo.
HT: O que acha da cena teatral brasileira contemporânea? Estamos mais ricos ou mais pobres artisticamente?
RM: Muito mais ricos. Nunca houve tantas peças em cartaz, tanta concomitância de produções tão distintas. Tenho 35 anos hoje, mesma idade que Bárbara Heliodora tinha em 1958 quando ela começou a escrever crítica de teatro. De lá para cá, por mais que reclamemos do fechamento dos teatros e da diminuição das temporadas, os números dizem que há muito mais peças em cartaz, muitos mais ingressos sendo vendidos, muito mais pessoas envolvidas com o fazer teatral. Não há como medir riqueza artística, pois o que aconteceu no passado ficou guardado na memória de quem viveu o momento e as lembranças quase nunca são fieis. Mas é plenamente possível entender que hoje há mais espaço para o acontecimento de coisas boas, porque há mais espaço para o acontecimento de coisas ruins também.
HT: Você escreve também. Como é escrever sendo crítico? Você é mais duro? Como se avalia como dramaturgo?
RM: Eu me cobro muito em todos os aspectos e, no exercício da dramaturgia, também. No entanto, cobrar de mim o melhor significa exigir o melhor que eu posso oferecer naquele momento. Acho que eu sou um professor muito melhor do que era em 1997 e um crítico melhor do que era em 2008. Talvez nunca escreva tão bem quanto Jô Bilac. Hoje, porém, dormirei tranquilo se tiver feito o meu máximo.
HT: Quais as melhores peças que você já conferiu?
RM: É ótimo perceber que lembrar das melhores é mais fácil. Entre elas, estão “Romeu e Julieta”, do Grupo Galpão; “A vida é feita de som e fúria”, da Sutil Companhia de Teatro; “Le Costume”, dirigido por Peter Brook; “Les Ephéméres”, pela Ariane Mnouchkine; e “Antígona”, pelo Luciano Alabarse. Tem também, nessa lista, os recentes “Estamira”, “Incêndios” e “Krum”.
HT: Próximos projetos!?
RM: A partir do segundo semestre, integrarei o grupo de professores do curso de Pós-Graduação que a CAL está lindamente abrindo. Entrei agora como aluno especial do Doutorado em Letras na UFRJ. “Vou deixar o amor pra outra vida”, peça minha dirigida por Jorge Farjalla, voltará para uma quarta temporada em breve. Mas, sem dúvida, participar desse espaço aqui também será uma das aventuras mais legais de 2015.
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