* Por Carlos Lima Costa
Na história da música brasileira, nenhum artista esteve no topo por tanto tempo quanto Roberto Carlos, que na próxima segunda-feira, dia 19, Dia do Índio, completará 80 anos. Com seis décadas de reinado, por toda sua trajetória, merecia uma programação intensa e especial para festejar a data. Mas a pandemia da Covid-19 não permite. O Rei, que já tomou a primeira dose da vacina, está completamente recluso em seu apartamento no bairro da Urca, no Rio, onde, diante de seu prédio, todos os anos, seus súditos se aglomeravam para celebrar o aniversário, a espera de um aceno do ídolo. Consciente, torce para que dessa vez seja diferente para preservar vidas.
“Para evitar aglomerações peço a vocês que também fiquem em casa. Estarei recebendo esses abraços, esse carinho e todo esse amor à distância que é como deve ser feito nesse momento. Mas agradeço de coração esse presente maravilhoso que é o carinho e o amor que tenho recebido de todos sempre”, frisa o cantor. E prossegue: “Defendo, de verdade, a ciência. A ciência é que realmente pode orientar o povo, o que deve ser feito em relação à vacina. Me vacinei, estou mais tranquilo e agora estou para receber a segunda dose, mas mantendo os mesmos cuidados de sempre. A vacina é muito importante e todos devem se vacinar. VACINA SIM!!!”, reforça. “Quero até pedir que todos sigam rigorosamente as orientações das autoridades do setor de saúde. Usem máscaras, álcool em gel, lavem as mãos, mantenham o distanciamento social o máximo possível. Isso, com certeza, vai ajudar muito a acabar com esse problema”, orienta.
Com a simplicidade de sempre, conta como costuma ser o aniversário. “É sempre um momento de muita reflexão, de se pensar na vida, no passado, no presente e no futuro. Quase aos 80 anos, eu sou o mesmo de sempre. Chegar nessa idade não me assusta. O importante é que eu me sinto bem e com menos idade do que tenho. E ainda sou um cara com muitos sonhos”, assegura.
Em seu aniversário, Roberto vai ser homenageado por jovens alunos do Programa Orquestra nas Escolas, da Orquestra Sinfônica Juvenil Carioca Villa-Lobos, que em seu canal do YouTube, ao meio-dia, vai tocar a clássica Como É Grande O Meu Amor Por Você, sob a regência de Vinícius Louzada. Um dia antes, vai ser lançado o livro Querem Acabar Comigo – Da Jovem Guarda ao Trono, a Trajetória de Roberto Carlos na Visão da Crítica Musical, de Tito Guedes, que garimpou centenas de resenhas escritas por jornalistas desde os anos 60. O ‘Fantástico’ de domingo ouviu especialistas, pesquisadores e críticos musicais para entender os atributos que fazem de Roberto Carlos o maior cantor brasileiro de todos os tempos. São mais de mil músicas do Rei cadastradas no ECAD e das 20 mais tocadas pelo órgão responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos seus autores, 16 são fruto da parceria entre Roberto e Erasmo.
Como todo artista, Roberto também anda distante dos palcos. Entrando na onda das lives que dominaram a internet, após o surgimento da pandemia, ele realizou a primeira de sua carreira no dia em que completou 79 anos. E uma segunda, em 10 de maio, Dia das Mães. Seu tradicional e inédito especial de fim de ano não aconteceu e foi substituído pela reprise do show realizado em Jerusalém, em 2012. O Projeto Emoções Em Alto Mar deste ano também foi cancelado. “Sinto falta do palco, das luzes e principalmente da plateia, de estar de frente para o público vendo os sorrisos, os olhares, e do carinho e amor que eu recebo nesse momento. Mas isso vai passar e daqui a pouco a gente está de volta”, acredita o cantor, que tradicionalmente termina seus shows jogando rosas para a plateia.
Roberto já tem um dueto inédito gravado. A canção A Cor do Amor, com Liah Soares, que vai estar na trilha de Um Lugar Ao Sol, novela que deve estrear no segundo semestre, após a reprise de Império.
Confiante de que com o avanço da vacinação, a pandemia vai ser controlada, a agenda de Roberto para 2022 está intensa. Para fevereiro, está programado uma turnê pelo México. No mês seguinte, o Projeto Emoções Em Alto Mar. Depois, fará show de aniversário em Cachoeiro de Itapemirim, sua terra natal, e, na sequência, algumas apresentações nos Estados Unidos. Para junho, o Projeto Emoções Praia do Forte, seguido de uma turnê pela Europa. Além disso, está previsto para o começo do próximo ano, o início das filmagens do longa-metragem dirigido por Breno Silveira (o mesmo responsável por 2 Filhos de Francisco, sobre Zezé Di Camargo e Luciano) sobre a trajetória do cantor.
“Vai contar tudo da minha vida desde que eu nasci. Faria tudo igual na minha carreira”, conta Roberto, que em sua trajetória artística marcou presença nos cinemas em três filmes: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa e Roberto Carlos a 300 Quilômetros Por Hora, dirigidos por Roberto Farias (1932-2018), respectivamente em 1968, 1970, 1971. Os fãs, inclusive, poderão revê-los no aniversário do Rei, quando vão ser exibidos no Canal Brasil, às 15h15, às 16h55 e às 18h30.
Mas nem tudo tem sido 100% de felicidade para o Rei. No dia 11 do mês passado, Roberto perdeu seu irmão mais velho, Lauro Braga, aos 90 anos. Em setembro do ano passado, o produtor musical Dudu Braga, filho de Roberto, revelou aos seus seguidores no Instagram que estava lutando contra um câncer no peritônio, membrana que recobre os órgãos da cavidade abdominal. Esta é a terceira vez que ele enfrenta a doença, que, em 2019, se manifestou duas vezes no pâncreas. Segundinho, é filho do primeiro casamento do cantor, com Nice Rossi, que morreu em 1990, vítima de câncer de mama. Com ela, o cantor se tornou pai ainda de Luciana Braga, 46. Nice, já era mãe de Ana Paula, que Roberto registrou como sendo sua filha. Ana morreu aos 45 anos, de parada cardíaca, em 2011.
Na década de 90, através de um exame de paternidade, ficou comprovado que Roberto era pai também de Rafael Braga, 55. Além de Nice, Roberto foi casado com a atriz Myrian Rios e com a pedagoga Maria Rita, que em dezembro de 1999, também perdeu a luta contra o câncer. Desde então, Roberto nunca mais assumiu nenhuma relação amorosa. “Maria Rita é o grande amor da minha vida e todo mundo sabe disso”, ressalta mais uma vez.
Consagrado como Rei da Jovem Guarda, Roberto teve seu primeiro registro fonográfico em 1959, um 78 rotações com as músicas Fora do Tom e João e Maria, no melhor estilo bossanovista de João Gilberto (1931-2019). O primeiro LP, Louco Por Você, em 1961, não fez sucesso. Curiosamente, a capa foi estampada com a foto de um casal. Roberto não aparece. O sucesso começou a chegar com o segundo LP Roberto Carlos (1963), onde gravou a icônica Splish Splash, versão de Erasmo Carlos da canção de Bobby Darin (1936-1973). Erasmo viria a se tornar seu grande parceiro musical, “o amigo de fé, irmão camarada, amigo de tantos caminhos e tantas jornadas”, como Roberto cantou em Amigo, música feita em homenagem ao parceiro, que completa 80 anos em 5 de junho.
“A minha amizade com Erasmo continua a mesma de sempre. Ele é meu grande irmão, meu parceiro em quase todas as canções que tenho feito até hoje, mas nós respeitamos muito as regras de distanciamento social. Vamos nos falar por telefone com o abraço de sempre e quando tudo isso passar a gente vai comemorar com um outro grande abraço”, observa Roberto. Parei na Contra Mão, de 1963, foi a primeira parceria da dupla.
Em 1965, Roberto lançou o disco Jovem Guarda, com a emblemática canção Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, que virou hino de toda uma geração. No mesmo ano, com Erasmo e Wanderléa, a Ternurinha, ele comandou o programa musical Jovem Guarda, na antiga TV Record, transmitido nas tardes de domingo, até 1968.
Em 1970, gravou Jesus Cristo, a primeira canção religiosa. O início da década, marcou uma ruptura. Ele deixou de ser o cantor de rock enveredando pela música romântica. As letras ingênuas de canções como Como É Grande O Meu Amor Por Você (Eu tenho tanto pra lhe falar/Mas com palavras não sei dizer/Como é grande o meu amor por você/E não há nada pra comparar/Para poder lhe explicar/Como é grande o meu amor por você/Nem mesmo o céu nem as estrelas/Nem mesmo o mar e o infinito/Nada é maior que o meu amor/Nem mais bonito) foram dando espaço a letras mais fortes, como em Amada Amante (Esse amor sem preconceito/Sem saber o que é direito/Faz a suas próprias leis/Que flutua no meu leito/Que explode no meu peito/E supera o que já fez/Neste mundo desamante/Só você amada amante/Faz o mundo de nós dois). Entre as canções compostas por Roberto, Como é Grande o Meu Amor por Você, aliás, é a segunda mais gravada, perdendo apenas para Emoções.
Clássicos não faltaram nos anos 70 como Proposta, O Portão, Seu Corpo, Olha, Além do Horizonte, Os Seus Botões, Falando Sério, Cavalgada e Outra Vez, e as tocantes homenagens a mãe, Laura Moreira Braga (1914-2010) com Lady Laura, e ao pai, Robertino Braga (1896-1980) com Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo. Anos efervescentes que trouxeram um novo hábito para os brasileiros, quando a partir de 1974 foi ao ar, na noite de Natal, o primeiro especial de fim de ano de Roberto na Globo. Somente duas vezes não foram realizados: No ano da morte de Maria Rita e ano passado quando reprisaram o show de Jerusalém.
Em paralelo, Roberto lançava discos em espanhol. Ainda nos anos 60, ele já havia conquistado um séquito de fãs tanto na América Latina, quanto na Europa. Em 1968, por exemplo, Roberto se tornou o primeiro estrangeiro a vencer o Festival de San Remo, na Itália, defendendo a música Canzone Per Te, de Sergio Endrigo (1933-2005).
Os anos 80 trouxeram a clássica Emoções, com a qual ele costuma abrir seus shows, e letras mais fortes, como a de O Côncavo e o Convexo, de 1983 (O nosso amor é assim, pra você e pra mim/Como manda a receita/Nossas curvas se acham, nossas formas se encaixam/Na medida perfeita/Esse amor é pra nós, a loucura que traz/Esse sonho de paz, e é bonito demais/Quando a gente se beija, se ama e se esquece/Da vida lá fora/Cada parte de nós, tem a forma ideal/Quando juntas estão, coincidência total/Do côncavo e o convexo/Assim é nosso amor, no sexo).
No final dos anos 90, após a morte de Maria Rita, seu grande amor, Roberto diminuiu o ritmo de seus lançamentos e de canções inéditas. Vale ressaltar o CD e DVD Roberto Carlos e Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim, de 2008, Elas Cantam Roberto Carlos, de 2009, Duetos e Duetos II (2006/2014), com canções retiradas dos especiais de TV, a música Esse Cara Sou Eu, de 2012, tema dos personagens de Rodrigo Lombardi e Nanda Costa, na novela Salve Jorge. Em Amor Sin Limite, seu mais recente álbum, de 2018, chamaram atenção o dueto com Alejandro Sanz (Esa Mujer) e com Jennifer Lopez (Llegaste), que nesta quinta-feira, dia 15, confirmou o término de sua relação com o ex jogador de beisebol Alex Rodriguez, com quem estava desde 2017.
Nesse período, em casa, Roberto não deixou de lado seu velho hábito. “Tenho trabalhado bastante em casa compondo novas canções”, conta. E entrega que segue mais do que a risca os protocolos. “Lido com esse período com total cuidado, até de repente um pouco exagerado, mas sigo realmente tudo o que deve ser feito”, entrega. Até por isso, não está curado do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). “Do conjunto de coisas que tenho do TOC um é a higienização, lavar as mãos. Isso, logicamente ficou mais rigoroso. Então, não estou curado do TOC totalmente não, mas estou tentando, lutando”, explica. E revela quais as maiores alegrias que tem na vida, hoje, e que merecem um brinde. “Brindo sempre à saúde, ao amor, à felicidade e às bênçãos do nosso Deus de bondade”, cita.
E Roberto está sempre surpreendendo. Em 2019, quando seu Projeto Emoções em Alto Mar completou 15 anos, ele surgiu vestindo uma camisa rosa em entrevista coletiva, a bordo do navio Costa Favolosa. Mas garantiu que a atitude nada tinha a ver com a então recente declaração da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que o Brasil estava iniciando uma nova era com meninos vestindo azul e meninas usando rosa. “Estou com essa cor, pois quis fugir um pouco do azul que virou um TOC. E também porque garanto o homem que eu sou”, explicou.
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